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Economia e políticas públicas

Opinião|Poupança da pandemia já acabou nos EUA

Estudo do Fed (BC dos EUA) mostra que "riqueza líquida" das famílias acumulada na pandemia já foi toda gasta, e os 80% mais pobres estão em pior situação financeira que os 20% mais ricos.

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Uma das várias causas do surto inflacionário no período pós-Covid em diversas partes do mundo foi o acúmulo adicional de poupança pelas famílias na fase de quarentenas. A razão é que não havia como gastar dinheiro em diversos serviços que exigem que se saia de casa, e os recursos normalmente devotados a esse tipo de consumo foram poupados. Além disso, houve muita injeção de dinheiro nas famílias via transferências do governo. Quando as quarentenas terminaram, esse combustível extra começou a se transformar em consumo adicional.

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Recente estudo publicado pelo Federal Reserve (Fed, BC dos EUA) de São Francisco, dos economistas Hamza Abdelrahman, Luiz Edgard Oliveira e Adam Shapiro, mostra que essa poupança adicional - ou mais precisamente, o que chamam de "riqueza líquida" adicional - já foi dissipada nos Estados Unidos.

Essa é uma informação relevante para a política monetária norte-americana, já que se trata de um dos vários fatores que levaram à alta de inflação em 2021-2022. Como os autores explicam, a poupança adicional explica em parte por que o consumo ficou aquecido mesmo com a alta das taxas de juros.

No trabalho, os economistas mapeiam como a "riqueza líquida" (isto é, em aplicações com alta liquidez) em termos reais evoluiu no período pós-pandemia e como ficou mais alta do que num cenário hipotético sem Covid.

Essa riqueza líquida corresponde a 10% do patrimônio das famílias americanas, incluindo todos os tipos de aplicações de renda fixa e variável, imóveis etc.

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No caso das famílias mais ricas (20% do topo da distribuição), essa riqueza líquida adicional ligada à pandemia durou até meados de 2022. Para este grupo, no seu pico no início de 2021, essa riqueza líquida adicional ficou 11% acima do contrafactual sem pandemia, o que corresponde US$ 1,1 trilhão. A partir do esgotamento em 2022, a inadimplência em cartões de crédito desse segmento da população começou a aumentar para níveis acima do pré-pandemia.

Já as famílias de renda média para baixo (os restantes 80%) gastaram toda a sua poupança adicional até o fim de 2021 e, de forma similar, a inadimplência nos cartões de crédito começou a se elevar a partir desse ponto. No caso desses 80% mais pobres, a riqueza líquida no seu pico ficou 6%, ou US$ 270 bilhões, acima do que seria sem pandemia.

Em termos totais, os 20% de cima têm o dobro da riqueza líquida dos 80% de baixo. No caso das famílias ricas, a "riqueza líquida" voltou a crescer com a transferência de aplicações pouco líquidas para as de máxima liquidez. Já no caso das famílias médias e pobres, o aumento da inadimplência foi bem maior e mais rápido, e hoje se situa num nível três pontos porcentuais acima do patamar de 2019.

Os cálculos dos economistas indicam que o total de riqueza líquida real dos 20% mais ricos está hoje 2% abaixo do ponto em que estaria num cenário sem pandemia; e a dos 80% mais pobres está 13% abaixo.

No Brasil, faltam dados mais precisos sobre a poupança das famílias, mas certamente fenômeno parecido ocorreu, por causa das quarentenas e, como nos Estados Unidos, muita transferência de renda para as famílias.

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Porém, como fator que pode explicar por que aqui também o consumo se manteve aquecido mesmo diante da forte elevação dos juros, alguns economistas preferem apontar simplesmente o aumento dos gastos do governo em geral, que cresceram 15% em termos nominais de janeiro a julho de 2024 comparado com o mesmo período de 2023 (vindo de 10% de alta em 2023, relativamente aos mesmos meses de 2022).

Enquanto a poupança adicional acumulada pelas famílias é uma fonte de aumento da demanda que se dissipa no tempo, o gasto público é uma variável decidida politicamente, e pode continuar se elevando indefinidamente (a menos de uma crise fiscal aguda).

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 21/8/2024, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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