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Economia e políticas públicas

Opinião|Retração na globalização piora PIB global

Estudo do FMI mostra como o "reshoring", "friend-shoring" e restrição total à exportação em certo segmentos para certos países (como chips sofisticados dos EUA para China) podem reduzir crescimento da economia global e qualidade de alguns setores.

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Foto do author Fernando Dantas

As tensões geopolíticas crescentes com a deterioração das relações entre a China e os países ricos e a invasão da Ucrânia pela Rússia estão afetando a economia global. A tentativa de países e empresas de reduzirem riscos geopolíticos leva ao que, no mundo anglofônico, se chama de "friend-shoring" (mover etapas da produção de países agora considerados adversários para países aliados) e "reshoring", que é trazer etapas da produção para o próprio país sede da empresa.

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O movimento geral de redução de risco é denominado "de-risking". Uma terceira faceta do "de-risking" são políticas de cortar totalmente os laços comerciais com uma nação em um setor específico para restringir o acesso a insumos de alta qualidade e conteúdo tecnológico.

Trabalho recém-lançado por economistas do FMI (Diego A. Cerdeiro, Parisa Kamali, Siddharth Kothari e Dirk Muir) busca medir o impacto do de-risking na economia mundial. O estudo foca especificamente na China e nos países da OCDE, organização que reúne praticamente todos os países ricos e alguns dos emergentes.

A primeira parte do trabalho considera especificamente o friend-shoring e o reshoring nos países da OCDE entre 2000 e 2021. Para dimensionar o potencial de perda da economia global com essas duas tendências iniciadas há pouco tempo, os autores se voltam ao passado. Comparam o aumento da dependência dos países da OCDE de fornecedores estrangeiros entre 2000 e 2021 para a analisar o potencial impacto futuro do friend-shoring. E fazem o mesmo exercício para a dependência da China para analisar o efeito potencial do reshoring.

Em seguida, os autores utilizam o modelo econométrico do FMI chamado de GIMF, e que, em português, seria Modelo Monetário e Fiscal Global Integrado. O modelo é utilizado para estimar cenários em que é desfeito o aumento da dependência, entre 2000 e 2021, de fornecedores estrangeiros em geral, e da China em particular, por parte das economias da OCDE.

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A estimativa é de que a reversão via reshoring da integração global para os níveis de 2000 levaria a uma perda de 4,5% do PIB global. Já a reversão via friend-shoring da integração para o nível de 2000 poderia significar uma perda de 0,4% a 1,8% do PIB global. Os autores ponderam que esses números podem ser considerados um teto para os efeitos potenciais do de-risking, já que partem da hipótese forte de que a tendência levaria a uma retração equivalente a 20 anos de avanço da integração global.

Os autores notam que o re-shoring é particularmente nocivo, com perdas de mais de 10% do PIB em economias menores e mais abertas. Em relação ao friend-shoring, eles observam que, embora as perdas sejam menores, chama a atenção de que o movimento não traz benefícios significativos para os países "amigos" para onde são transferidas as etapas de produção antes instaladas em nações adversárias. Esses ganhos por desvio de comércio são mais do que anulados pelo fato de que as distorções causadas pelos friend-shoring são contracionárias para a China e os países da OCDE. Isso, por sua vez, desfaz parcialmente o motor de crescimento gerado pela especialização produtiva dos países beneficiados pelo desvio de comércio.

O segundo exercício do estudo se refere a quando laços comerciais são desfeitos completamente em setores específicos, sendo o exemplo mais emblemático a proibição de venda para a China por empresas americanas de semicondutores supersofisticados (de tipos bem definidos de acordo com a regra). A consequência mais óbvia desse tipo de política é, ao negar a determinado país acesso a um insumo de alta qualidade que o próprio país não fabrica, fazer com que a produção que utiliza esse insumo no país em questão tenha qualidade inferior. Os autores citam especificamente o risco de a China produzir modelos de inteligência artificial mais lentos pela proibição americana relativa aos chips.

As estimativas empíricas de diferença de qualidade em semicondutores, segundo os autores, apontam que, na mediana, o produto chinês é 1/3 inferior à mediana do produto da OCDE. Assim, o cálculo sobre uma situação hipotética em que o acesso mútuo a semicondutores entre China e OCDE é totalmente abolido - mas tanto um quanto o outro podem substituir a importação proibida com produtos de qualidade do resto do mundo -, a queda de qualidade, ponderada pelo comércio internacional, é de 5% na China, e de zero na OCDE. Já o mesmo exercício feito para os bens ligados ao meio-ambiente mostra que a perda de qualidade é de 11% para a China e de 5% para a OCDE. Tomando-se todos os bens, a perda de qualidade em ambos os lados seria de 8%, o que é compatível com perdas potenciais significativas de produtividade. Em empresas de alta tecnologia, com força de trabalho altamente capacitada, quedas na qualidade dos insumos podem levar a recuos de mesmo nível na qualidade dos produtos finais.

Na conclusão, os autores alertam para os grandes efeitos potenciais do de-risking entre OCDE e China tanto em termos setoriais como agregados e para a necessidade de evitar que as fraturas geopolíticas atuais erodam a cooperação global na forma de um movimento mais amplo de "de-risking".

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 26/6/2024, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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