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Economia e políticas públicas

Opinião|Salvar o arcabouço basta?

Somente cumprir o novo arcabouço fiscal pode não ser suficiente para dar sustentabilidade à trajetória da dívida pública nos anos à frente.

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Foto do author Fernando Dantas

Há grande expectativa no mercado sobre o anúncio do pacote de corte de gastos do governo. Alguns percebem o ainda desconhecido conjunto de medidas como uma última chance de o presidente Lula botar a ordem fiscal na casa em seu terceiro mandato.

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Entretanto, um experiente gestor, que acompanha com lupa as contas públicas, considera que a própria lógica do pacote a ser anunciado está errada.

"A intenção desse ajuste é manter a sustentabilidade do arcabouço fiscal, mas de que adianta que um arcabouço que não leva à sustentabilidade fiscal tenha sustentabilidade?", questiona o analista.

Nos seus cálculos, mesmo que o novo arcabouço fiscal seja cumprido, a dívida pública como proporção do PIB não vai parar de crescer nos próximos cinco a dez anos.

Ele observa que a introdução do novo arcabouço no lugar do teto de gastos provocou uma "dupla piora fiscal", considerando os fatores mais amplos.

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Por um lado, o gasto passou a crescer mais rápido, saindo da expansão zero em termos reais determinada pelo teto para 2,5% ao ano. Esse 2,5% na verdade é o teto de expansão, mas, na prática, o gestor pensa que este será o valor do aumento da despesa nos anos à vista.

"Como a regra define o aumento 'ex-ante', o governo fica superestimando as receitas o tempo todo, e, na prática, a despesa vai sempre crescer 2,5% [em termos reais]", assinala o especialista.

A segunda piora vem do fato de que esse crescimento do gasto público ao ritmo de 2,5% reais ao ano aumentou os juros reais que equilibram a economia brasileira. Dessa forma, o governo tem de pagar juros maiores para rolar a sua dívida, piorando a conta fiscal, e isso sem falar da política parafiscal de bancos e fundos públicos.

O grande problema, segundo o gestor, é que o crescimento real da despesa a 2,5% não leva ao ajuste fiscal necessário para que a dívida pública como proporção do PIB entre numa trajetória sustentável em tempo hábil. Como, nas suas contas, o potencial (tendência de médio e longo prazo) de crescimento da economia está em cerca de 2%, as despesas como proporção do PIB devem continuar crescendo.

Ele acrescenta que houve um aumento de receita importante até agora no terceiro mandato de Lula, mas esse é um movimento que exauriu. Nas suas contas, o déficit primário estrutural hoje (retirando receitas e despesas atípicas e levando em conta o ciclo econômico) está em 1,5% do PIB, sendo preciso um trajetória de superávit de 2% do PIB (1,5% por baixo) para dar sustentabilidade à dívida. O gap, portanto, é no mínimo de 3% do PIB, e não se chega a isso com o atual arcabouço - mesmo que seja rigorosamente cumprido - em nenhum horizonte.

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Nesse contexto, desvincular agora os gastos de saúde e educação da receita é em tese positivo, mas não faz praticamente nenhuma diferença fiscal num prazo de três anos à frente, se a ideia for de que aquele gasto passe a crescer pelo limite do novo arcabouço, de 2,5% real ao ano.

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Essa medida teria muito efeito, explica o analista, se fosse tomada no início do governo, antes do esforço do governo de aumento da receita, que levou a taxa muito maiores que 2,5%. Mas com esse movimento agora exaurido, a tendência é que a receita volte a crescer num ritmo mais normal, próximo ao do PIB. Assim, mesmo se submetendo à regra geral do arcabouço, a despesa de saúde e educação continuaria a crescer no mesmo ritmo do PIB, ou até acima dele.

"Não se aprovou nada em termos de alta de receita para 2025, e ninguém vai aumentar imposto no ano eleitoral de 2026", acrescenta o gestor, para reforçar o seu ponto. Ele inclusive considera que, fazendo essa mudança no gasto de saúde e educação, o governo gastaria muito capital político para muito pouco retorno fiscal efetivo.

Já as medidas aventadas de restringir o abono salarial e limitar o BPC "vão na direção certa", na visão do analista, mas o fundamental para resgatar a sustentabilidade seria atacar a questão do vínculo entre o salário mínimo e piso da Previdência. Isso poderia se dar ou com o governo retroagindo (na lei que aprovou) e adotando uma política de não conceder aumento real ao mínimo, ou quebrando o vínculo entre o mínimo e a Previdência.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 5/11/2024, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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