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Economia e políticas públicas

Opinião|Se afogando em poça d'água

Com a maioria dos indicadores da economia real caminhando na direção boa, retórica inflamada de Lula contra mercados e BC e relutância em cortar gastos provocaram estrago desnecessário nos ativos brasileiros.

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Foto do author Fernando Dantas

O governo Lula parece estar se afogando em uma poça d'água. Há muita notícia econômica positiva (em relação a crescimento, inflação, mercado de trabalho, arrecadação), mas a disparada do dólar dominou a atenção pública, levando o presidente a enfileirar declarações infelizes, que só aumentam a preocupação dos investidores, jogando lenha na fogueira da desvalorização.

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[após a publicação desta coluna, Lula interrompeu suas declarações mais bombásticas, Haddad sinalizou algum ajuste fiscal e o mercado melhorou]

A alta do dólar complica a atuação anti-inflacionária do Banco Central e aumenta a percepção de risco Brasil. Ambos os fatores se refletem na elevação do juro real embutido nos títulos públicos, o que torna o serviço da dívida pública mais oneroso e realimenta os temores fiscais.

Esse círculo vicioso teve como propulsor primário as dificuldades encontradas pelo FED, BC dos EUA, no processo de desinflação em curso, que puxou os juros americanos, o que afeta grande parte do mundo. Mas o processo vem sendo realimentado no Brasil pela combinação da relutância do governo em cortar gastos e as declarações incendiárias de Lula.

O atual presidente governou o Brasil de 2002 a 2010 com enorme sucesso, saindo com nível altíssimo de popularidade. Lula inclusive pode dizer que atravessou tempos de turbulência muito mais sérios do que os atuais, na grande crise financeira global de 2008-09. Na verdade, porém, a saída daquela crise foi via gasto público e redução de juros, exatamente o cardápio de que o presidente mais gosta.

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Os economistas heterodoxos que davam as cartas na política econômica da época se autocelebraram bastante, pela política keynesiana que executaram, e que deu certo num primeiro momento. O Brasil foi um dos países que mais rápido superou a crise de 2008-09, crescendo acima de 7% em 2010. A continuidade além do recomendável do pé no acelerador do gasto (principalmente) e heterodoxias na política monetária viriam a cobrar seu preço mais adiante, como algumas das principais causas da grande recessão de 2014-16, uma das mais profundas da história econômica do Brasil.

Mas Lula saiu em 2010. Do ponto de vista da visão de mundo autoglorificante do presidente, ele é escolado em crises, pois enfrentou e superou com galhardia a maior crise do capitalismo desde a década de 30 do século passado.

Dessa forma, pode-se dizer que, em sua primeira experiência de governo de 2002 a 2010, Lula só foi ortodoxo no início do primeiro mandato, com Antônio Palocci no Ministério da Fazenda. A partir daí, com o Brasil empurrado pelo boom de commodities, a tendência de Lula foi sempre de dobrar a aposta diante de problemas.

A grande dificuldade atual reside aí. Agora, há uma chance razoável de que a saída para a atual turbulência nos mercados (que ainda não chegou à economia real, como notado acima) seja de fato um recuo de Lula na sua disposição de superar as dificuldades com mais gasto público (e menos juros, se o BC permitir).

Ainda é possível que o processo de desinflação volte aos eixos nos Estados Unidos, e o governo do Brasil consiga empurrar a economia com a barriga sem um ajuste mais doloroso. Mas a perspectiva de eleição de Trump atrapalha esse cenário. A receita do candidato republicano de fechar a economia, reduzir drasticamente a imigração e pressionar o Fed (BC dos EUA) para baixar juro é um coquetel inflacionário. À medida que a eleição se aproxime, e os problemas dos democratas com os sinais de senilidade de Biden se agravem, é possível que os mercados antecipem as potenciais consequências do populismo econômico de Trump (se é que já não estão antecipando).

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O que joga o problema de volta nas mãos de Lula e Haddad. Na verdade, não é tanto assim que o governo tem que fazer no fiscal para deixar uma economia que vem funcionando bem mais resistente a turbulências globais. Nos cinco primeiros meses deste ano, a receita federal cresceu R$ 53 bilhões a mais do que a projeção de mercado no final do ano passado. Extrapolando de forma simplista esse número para o ano inteiro, a surpresa positiva pode ser superior a R$ 100 bilhões. As perspectivas de superávit primário em 2024 melhoraram ligeiramente, e só não avançaram mais porque o gasto também foi para cima com força.

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De qualquer forma, a insegurança fiscal reside muito mais na perda de credibilidade do governo do que no risco de desastre imediato. Essa perda se dá pelas mudanças nas metas de primário, pela inviabilidade estrutural do arcabouço diante das vinculações da Previdência, saúde e educação e pela falta de sinais fortes do governo que vai atacar esses problemas de frente. Lula parece ainda acreditar numa saída fácil, e por mais consciência que Haddad tenha dos perigos à frente, presidente é presidente e ministro é ministro.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada em 3/7/2024, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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