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Economia e políticas públicas

Opinião|Sites de apostas fragilizam finanças das famílias

Estudo mostra que nos EUA apostas esportivas (que vêm explodindo no Brasil) fazem domicílios investirem menos, gastarem mais, e se endividarem no cartão de crédito e no cheque especial. Quanto mais vulneráveis financeiramente as famílias, maiores os efeitos negativos.

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Relatório do Banco Santander, mencionado em recente reportagem do jornal Valor Econômico, aponta que, entre 2008 e 2023, os gastos dos brasileiros com apostas aumentaram de 0,8% para 1,9% do rendimento das famílias.

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O relatório associa esse aumento avassalador das apostas (sendo que os sites de apostas esportivas lideram o movimento, com anúncios onipresentes em transmissões esportivas e nos espaços publicitários em geral) à redução de consumo no varejo.

Mas recente estudo acadêmico para o mesmo fenômeno nos Estados Unidos aponta uma tendência bem pior: as apostas, um investimento de risco com perspectiva negativa para a enorme maioria das famílias, tomam o lugar, na verdade, de investimentos de risco com perspectivas positivas, como compra de ações. Além disso, estimulam o aumento do consumo.

Esses resultados são mais fortes quanto mais problematicamente financeiras são as famílias. O resultado é um aumento da instabilidade financeira, especialmente entre as famílias que já têm problemas econômicos, com aumento das dívidas em cartão de crédito, piora da qualidade de crédito e aumento do uso do cheque especial.

O trabalho, com versão recém-publicada, chama-se, numa tradução aproximada do inglês, "Jogando Fora a Estabilidade: O Impacto das Apostas Esportivas nos Domicílios Vulneráveis". Em inglês, a primeira palavra do título é "gambling", o que dá um sentido mais específico de jogo de azar para a expressão "gambling away", com o sentido da frase sendo aproximadamente "perdendo a estabilidade por meio de apostas". Os autores são Scott R. Baker (Northwestern University), Justin Balthrop (University of Kansas), Mark Johnson (Brigham Young University), Jason Kotter (Brigham Young University) e Kevin Pisciotta (University of Kansas).

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O trabalho utiliza o método de "diferenças em diferenças", a partir do fato de que a Suprema Corte americana derrubou uma proibição federal a apostas esportivas em 2018. A partir daí, esse tipo de jogo foi legalizado em diferentes momentos em diferentes Estados (25 deles mais Washington DC), pelas peculiaridades do timing legislativo e judicial de cada um. Assim, é possível comparar momentos de apostas esportivas legalizadas e não legalizadas em termos de impacto na vida financeira das famílias.

O estudo acompanhou trimestralmente um painel de 230.171 domicílios, com 4,9 milhões de observações (características socioeconômicas, transações financeiras, dinheiro transferido para sites de apostas etc.). Eles verificaram que, pós-legalização, as famílias aumentam continuamente o valor apostado. Os domicílios que apostam colocam em média US$ 280 (cerca de R$ 1500) por trimestre ou mais de US$ 1100 (R$ 6 mil) por ano nas apostas esportivas. O porcentual da renda desviado para as apostas é maior nas famílias vulneráveis financeiramente.

A legalização das apostas leva a uma redução dos investimentos líquidos das famílias de 14%. Uma quantificação aproximada do efeito causal das apostas nos investimentos sugere que US$1 de aumento das primeiras leva a pouco mais de US$ 2 de redução dos últimos. O aumento das esportivas não afeta de forma significativa outros tipos de aposta. Entre as famílias que apostam, as financeiramente vulneráveis aumentam em 8% (US$ 368) o seu uso de cartão de crédito relativamente à média das demais. Além disso, as vulneráveis reduzem os pagamentos do cartão de crédito e aumentam a utilização do cheque especial. Em resumo, as famílias financeiramente vulneráveis aumentam a vulnerabilidade com as apostas esportivas.

Finalmente, o trabalho mostra que as apostas fazem as famílias expandirem o consumo (isto é, reduzir a poupança) em itens como restaurantes, entretenimento e TV por assinatura.

Nas palavras dos autores, "de maneira geral, nossos resultados sugerem que apostas esportivas levam domicílios vulneráveis a utilizar poupança potencial e dívida para reduzir investimentos e aumentar gastos em complementos a jogos de azar, levando a uma duradoura deterioração da sua saúde financeira de longo prazo".

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O estudo americano deveria ser um alerta para as autoridades econômicas brasileiras. Os sites de aposta esportiva atuando no Brasil foram recentemente regulamentados, e o País vive uma indiscutível explosão desse tipo de atividade pelas famílias. Além do risco de piorar a situação financeira dos domicílios mais vulneráveis, o trabalho mostra que as apostas esportivas levam à redução da poupança familiar. O Brasil já é um país de poupança muito baixa, o que é visto por muitos como um forte entrave ao desenvolvimento.

Uma pequena boa notícia, nesse contexto, é que as apostas esportivas e os jogos de azar, seja de forma física ou digital, foram incluídos no imposto seletivo (IS) da reforma tributária. O IS visa justamente desestimular (tornando mais caro) o consumo de bens ou serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas ou açucaradas e automóveis.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 16/7/2024, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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