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Economia e políticas públicas

Opinião | Subsídios ao crédito podem se tornar contingenciáveis

Artigo proposto pela PEC do pacote fiscal transforma a rubrica do orçamento 'subsídios, subvenções e Proagro' de despesa obrigatória em despesa discricionária, o que vai na contramão da tendência das últimas décadas, segundo o especialista Manoel Pires.

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A PEC que compõe o pacote fiscal anunciado pelo governo acrescenta ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) os artigos 138 e 139.  O artigo 139 determina que "o Poder Executivo poderá reduzir ou limitar, na elaboração e na execução das leis orçamentárias, as despesas com a concessão de subsídios, subvenções e benefícios de natureza financeira, inclusive os relativos a indenizações e restituições por perdas econômicas, observado o ato jurídico perfeito."

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O economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do IBRE-FGV, e que já passou pelo governo em cargos na Fazenda e no Planejamento, nota que o artigo 139, na prática, quer dizer que "todos os subsídios passam a ser contingenciáveis".

Para 2024, a conta de subsídios prevista no Orçamento é de R$ 23,6 bilhões. Nos 12 meses acumulados até outubro de 2024, o gasto primário com os subsídios (mais especificamente, 'subsídios, subvenções e Proagro') atingiu R$ 19,983 bilhões, sendo R$ 17,2 bilhões em rubricas ligadas ao agronegócio, como Pronaf (R$ 4,6 bilhões) e Proagro (R$ 8,8 bilhões). Em 2023, foram gastos R$ 22,8 bilhões em subsídios, subvenções e Proagro.

Pires nota que a proposta da PEC da inclusão desse artigo 139 no ADCT "transforma uma despesa obrigatória em discricionária". Ele acrescenta que esse movimento vai na contramão da tendência histórica do Brasil nas últimas décadas, que é justamente a de fazer com que uma parte cada vez maior do orçamento seja de despesas obrigatórias.

A proposta também torna contingenciáveis subsídios que são em sua grande maioria direcionados ao setor agropecuário, sendo que a bancada ruralista no Congresso é uma das mais poderosas.

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É verdade que o atual governo, como abordado neste espaço ontem (3/12), tem grande dificuldade em fazer o ajuste fiscal no grosso das despesas obrigatórias, ligadas à Previdência e aos programas sociais.  Mesmo as tímidas medidas anunciadas no recente pacote fiscal, relativas ao salário mínimo e ao abono salarial, foram recebidas na base sociopolítica petista como concessões ao mercado. Medidas necessárias "nas circunstâncias atuais, com essa correlação de forças", como colocou o quadro histórico José Dirceu em entrevista publicada hoje no jornal O Globo.

Por outro lado, como mais uma vez demonstra o artigo 139 mencionado acima, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem mostrado mais disposição para comprar batalhas fiscais que envolvam subsídios ou isenções tributárias, que em grande parte beneficiam empresas ou cidadãos nas faixas de renda mais alta.

Em outra frente potencial desse combate, a recém-divulgada versão preliminar do Relatório Nacional de Gastos Tributários - simplificadamente gasto tributário é renúncia tributária - mostra que essa conta saiu de 2,1% para 6,9% do PIB entre 2002 e os valores projetados para 2024. O número inclui também os Estados. Em 2023, incluindo o nível federal e os Estados, a conta chegou a 7,2% do PIB, com 4,78% do PIB referente ao nível federal.

O Relatório Nacional de Gastos Tributários, recentemente divulgado (com bastante destaque), foi elaborado por Pires e os pesquisadores Paolo de Renzio (EBAPE-FGV), Natalia Rodrigues (EBAPE) e Giosvaldo Teixeira Junior (IBRE). A FGV e entidades de fora do Brasil apoiaram o projeto.

As recomendações dos autores são, entre outras, de que o governo utilize o Conselho de Monitoração e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) do Ministério do Planejamento como instrumento efetivo na elaboração das políticas públicas, e que inclua na reforma tributária a redução e racionalização dos gastos tributários.

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Essa é uma pauta que, além de abraçada pelo Ministério do Planejamento de Simone Tebet, parece ao feitio da preferência de Haddad por atacar o ajuste fiscal preferencialmente pelo lado dos benefícios e vantagens de empresas e ricos - o que combina com um governo de esquerda e pode aliviar (não substituir) a poda nos gastos sociais sem a qual o ajuste fiscal estrutural definitivo não é possível.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 4/12/2024, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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