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Economia e políticas públicas

Opinião | Transição energética e alta do juro global

Subsídios e aumento de investimentos relacionados à energia limpa podem estar começando a pressionar taxa neutra de juros no mundo, para o economista Samuel Pessôa.

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Foto do author Fernando Dantas

A elevação das curva de juros norte-americana, com destaque para a parte longa, tem dado a tônica do mercado financeiro mundo afora, e, como não poderia deixar de ser, no Brasil. Os ativos brasileiros se estressaram, em relação ao panorama de alguns meses atrás, e agora oscilam de acordo com o dia a dia da percepção sobre os "treasuries" (títulos do Tesouro dos Estados Unidos). Hoje, por exemplo, há algum alívio, mas todos sabem que qualquer notícia sugerindo que a curva americana pode ficar mais alta por mais tempo trará novas ondas de estresse.

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Como já comentado neste espaço, os mercados subestimaram sistematicamente a intensidade e a duração do aperto monetário nos Estados Unidos, e agora essa realidade se impôs aos preços dos ativos. O prêmio Nobel de Economia Paul Krugman enxerga um pé atrás dos principais BCs pelo fato de a inflação ter caído sem desaceleração da atividade no grau em que isso ocorria no passado. É como temer que o Merthiolate que não arde não cure tão bem como o Merthiolate do passado, que ardia.

Mas o economista Samuel Pessôa, do Julius Baer Family Office (JBFO), vê também a possibilidade de que a alta da curva de longa de juros esteja parcialmente ligada a uma questão mais estrutural do que cíclica: é possível que o juro neutro americano e internacional esteja em processo de alta, tendo em vista a perspectiva de transição energética à frente.

Pessôa aponta que há duas formas principais de promover a transição energética: tributar o uso de combustíveis fósseis ou subsidiar o uso dos combustíveis limpos. A primeira opção é muito defendida pelos bem pensantes da bolha cosmopolita global, mas governo após governo, no mundo rico (como França) ou emergente (como vários na América Latina), já enfrentou a fúria do eleitor mediano com as altas da gasolina e de outros combustíveis.

Pessôa considera mais provável que a economia política mundo afora leve os governos a optar preferencialmente pela primeira alternativa, de subsidiar os combustíveis limpos, para acelerar a transição energética.

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"Nas democracias ocidentais, enquanto houver algum espaço fiscal, vai ser por essa via", ele diz.

E, como quase país nenhum vai aumentar a carga tributária, o resultado de optar pelo subsídio à energia limpa é expandir o endividamento público e, portanto, pressionar o juro neutro, com maior pressão sobre o mercado de fundos emprestáveis.

Um segundo fator é que a transição energética pode levar a uma elevação do investimento líquido no mundo. Na verdade, a transição tem dois aspectos nesse sentido, um que amplia e outro que reduz o investimento. O primeiro é investir em energia limpa, e o segundo é desinvestir em energia fóssil. Mas o alarme recente com os cada vez maiores sinais de que o aquecimento global já está ocorrendo com força (ondas de calor, emergências e desastres climáticos) está adicionando pressa à agenda da transição energética.

Assim, é bem possível que a postura não seja a de ir aumentando a oferta de energia limpa de forma gradativa à medida que o estoque de capital em energia fóssil vá depreciando. É provável que a primeira parte da equação avance mais rápido, o que aumentaria o investimento consolidado em energia. E, como tal, traria mais uma pressão sobre o juro neutro global, na forma de um impulso de demanda criado por maior investimento no mundo.

Uma consequência de um juro longo americano mais elevado de forma duradoura (pelo alta do juro neutro), observa Pessoa, é um dólar mais valorizado ante as demais moedas do mundo. Isso, por sua vez, mostra-se correlacionado, segundo recente literatura econômica, com contração no comércio global de bens manufaturados. Há também uma associação entre alta do dólar e queda dos preços de commodities, mas nos últimos anos esse padrão tem se revelado mais irregular, comenta Pessoa.

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Do ponto de vista do Brasil, um câmbio mais depreciado tem efeito inflacionário direto, mas uma eventual desaceleração global pode atuar no sentido contrário. De qualquer forma, aponta o economista, um cenário de juros reais mais altos no mundo e no Brasil é bem negativo para o financiamento do desequilíbrio fiscal estrutural brasileiro.

"O espaço que temos para rodar com déficits é menor e temos que acelerar a consolidação fiscal", ele conclui.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 29/9/2023, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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