Economia e políticas públicas

Opinião | Transição energética e PIB global

Pesquisa da OCDE e da ONU mostra que descarbonização mais rápida pode ser favorável à economia global. Mas o pior seria paralisar a transição energética.

Foto do author Fernando Dantas

A chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e a intensificação dos conflitos geopolíticos no mundo enfraqueceram a agenda climática, num momento decisivo para evitar as piores consequências do aquecimento global. O trumpismo reforça o discurso de que a transição energética é anticrescimento, pelas restrições impostas ao poderoso setor de petróleo e gás, pelo eventual aumento do custo de energia e pelo custo de mudar toda a matriz energética do planeta.

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Recente pesquisa conjunta da OCDE e do Programa de Desenvolvimento da ONU, no entanto, aponta que um cenário mais agressivo de transição energética faria o PIB mundial ganhar 0,2% até 2040, comparado ao cenário atual. O ganho viria pelo aumento da produtividade e inovação na esteira dos investimentos em energia limpa, e pela reciclagem dos lucros do setor de combustíveis fósseis em outras atividades.

Esse cenário alternativo seria aquele em que muitos mais países adotassem planos de transição mais ambiciosos, as chamadas Contribuições Determinadas Nacionalmente (NDCs, na sigla em inglês), que vão além dos compromissos já firmados conjuntamente. Na data combinada de 10 de fevereiro deste ano, apenas 19 países submeteram NDCs atualizados.

Nesse cenário "reforçado" de NDCs, a emissão de carbono por US$ 1 de PIB global cairia do nível atual de 0,34 kg para 0,14 kg até 2040. O ganho do PIB mundial cresceria além do 0,2% até 2050, e poderia tirar 175 milhões de pessoas a mais da extrema pobreza até a mesma data, ou uma em cada cinco nesta condição no mundo.

Ainda assim, o ganho do NDC reforçado em relação ao cenário atual, de 0,2% de PIB global até 2040, pode parecer modesto. É preciso, porém, comparar esse cenário com o custo de paralisar a transição climática, um cenário extremo mas que não deveria ser descartado diante da turbulência econômica e geopolítica do mundo atual.

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Para a Europa, o clima extremo em consequência de eventual paralisação da transição energética levaria a uma perda de 1% do PIB até meados deste século, com a possibilidade bem pior de conduzir a um encolhimento cumulativo de 2,3% ao ano a partir de 2050. Essas projeções foram feitas recentemente por Simon Stiell, que lidera a agenda climática na ONU.

Segundo a pesquisa conjunta da OCDE e da ONU, avanços significativos já foram feitos na agenda climática. Hoje, países equivalentes a 87% da economia mundial têm metas de zerar as emissões de carbono, com políticas de mitigação sendo adotadas não só por governos nacionais, mas também por cidades, empresas e regiões.

Os investimentos em energia limpa já são o dobro dos investimentos em combustíveis fósseis em nível mundial. Entre 2015 e 2022, o PIB global teve alta de 22%, mas as emissões só cresceram 7%, o chamado "descolamento" ("decoupling"). Nesse período, 40 países tiveram alta do PIB ao mesmo tempo em que reduziram as emissões.

O problema é que esses avanços não foram suficientes para deter o crescimento das emissões de carbono e a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Estudos mostram que a meta do Acordo de Paris de impedir que a Terra se aqueça mais do que 1,5 grau centígrado em relação ao período pós-industrial já foi quebrada.

É nesse sentido que as duas organizações multilaterais exortam o mundo a uma adoção mais disseminada de NDCs, nos quais os países se comprometam a ir além das metas já acordadas. Adicionalmente, no ambiente turbulento do mundo, agora turbinado pelo radicalismo do segundo mandato de Trump, há um grande aumento de incerteza. E, segundo a mesma pesquisa, essa opacidade em relação às políticas que serão adotadas pode levar a uma perda de 0,75% do PIB global até 2030.

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De fato, talvez não haja hora pior para balançar o barco da transição energética do que o momento atual.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 28/3/2025, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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