BRASÍLIA E SÃO PAULO - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou que sua equipe está levantando todas as alternativas técnicas possíveis para a reforma do Imposto de Renda para apresentar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que não há prazo para envio das medidas ao Congresso, o que pode não ocorrer neste ano. Ele participou nesta segunda-feira, 14, do congresso Itaú BBA Macro Vision 2024, em São Paulo.
Ele disse que, em conjunto com a equipe do Ministério do Planejamento, estão levantando as deduções do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) por rubrica para determinar quem é favorecido pelas medidas. Em relação ao Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Haddad disse que há avaliação sobre dividendos, seguindo os parâmetros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para que não haja comprometimento de investimentos ou promoção de injustiça tributária.
“Estamos em uma fase que, se às vezes vaza um documento, a pessoa acha que aquele documento que vazou é a proposta da Fazenda, e isso será um equívoco, porque essa proposta não está configurada. O que nós estamos fazendo neste momento é uma espécie de ida ao Palácio do Planalto para apresentar para o presidente as variáveis que podem ser alteradas para melhor”, disse.
O ministro avaliou que, ao contrário da reforma sobre o consumo, a da renda ainda passa por uma fase de estudos mais preliminares tanto no âmbito do governo quanto do parlamento.
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“Tem um trabalho a ser feito, e nós queremos acertar, nós queremos, tanto do ponto de vista do consumo quanto da renda, aproximar o Brasil com o que tem de melhor no mundo. Olhando para os nossos pares, olhando para a OCDE de uma maneira geral, mas olhando para os nossos pares em particular, lembrando que nós temos as despesas contratadas e, portanto, a neutralidade da reforma tem que estar garantida para não ter nenhum risco fiscal associado nem ao Imposto sobre o Consumo, nem ao Imposto sobre a Renda. O pressuposto da reforma é, um, para a reforma sair, ela tem que ser neutra, o ajuste fiscal tem que estar em outro lugar, tem que ser buscado de outra forma”, disse.
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Ele não fixou um prazo para o envio das propostas para a reforma da renda. “Não sei se será possível fazê-lo este ano, até porque nós estamos com o calendário apertado e com tarefas inconclusas que nós gostaríamos de entregar este ano, que é o programa do Planejamento com a Fazenda de revisão do gasto”, justificou.
Calibrar despesas
Haddad defendeu o trabalho que vem executando à frente da pasta ao mirar os gastos tributários e calibrar despesas e receitas em busca do equilíbrio nas contas públicas. “Eu não vejo outro caminho para o Brasil que não seja o de calibrar uma trajetória consistente em que a receita cresça acima do PIB e a despesa cresça abaixo do PIB, para reequilibrar as contas públicas num patamar que já foi considerado aceitável por toda a sociedade”, afirmou.
Ele ressaltou que várias despesas foram contratadas antes da posse do novo governo Lula, sem fonte de financiamento, como o novo Bolsa Família e o Fundeb, o piso da enfermagem e mesmo as emendas parlamentares. O ministro defendeu a contenção do gasto tributário, que vem tentando realizar. “Nós temos espaço para conter o primário, diminuir o gasto tributário, para que o gasto financeiro se reduza”, disse.
Haddad argumentou que isso é necessário para evitar um crescimento aos solavancos, com desequilíbrios que podem provocar retrações. “Acredito que, se nós tivermos a inteligência de calibrar a dinâmica da evolução da despesa, limitá-la e garantir um fluxo de receita condizente com os gastos contratados, nós temos condição de crescer e ajustar essas variáveis como proporção do PIB muito rapidamente”, reiterou.
Orçamento para 2025
O ministro afirmou que a proposta orçamentária para o próximo ano está mais bem calibrada que a primeira feita pelo governo, que foi mais desafiadora. Ele ressaltou que, na elaboração do Orçamento de 2024, havia muita aposta em receitas extraordinárias, que não se concretizaram, mas a arrecadação corrente surpreendeu.
“O Orçamento do ano passado foi muito desafiador, sobretudo porque havia divergências entre os técnicos da Fazenda, e eu me incluo entre os divergentes, inclusive porque eu entendia à época que a nossa receita ordinária estava subestimada e a nossa receita extraordinária estava superestimada. Ou seja, eu entendia que o Orçamento que podia ser produzido no ano passado era melhor do que o que foi apresentado. Graças a Deus eu estava certo, porque o que evoluiu favoravelmente este ano foi a receita ordinária e a receita extraordinária, que todo mundo estava muito confiante que ia acontecer, ela não aconteceu”, disse.
Para 2025, a peça já enviada para o Congresso é considerada mais equilibrada. Ele ponderou, no entanto, que o trabalho não está concluído porque o governo precisa ter certeza em relação à compensação para alguns gastos, sobretudo da desoneração da folha de pagamento, já que as medidas oferecidas pelo Congresso podem ser insuficientes. “Nós temos ainda, até o final do ano, um debate político com o Judiciário e o Legislativo em torno desse ponto, para garantir as compensações. Garantidas as compensações, eu penso que a execução do Orçamento do ano que vem, ela é bem coerente”, disse.
Ele ainda destacou os desafios de algumas pastas, como o Ministério do Desenvolvimento Social, que revisa os filtros dos programas sociais. “Precisamos calibrar os filtros, a área técnica está confortável com a decisão que foi tomada, não vai prejudicar ninguém que precise daquele programa social, mas é uma decisão que precisa ser tomada ao longo dos próximos meses para garantir que nenhuma daquelas rubricas esteja abaixo do necessário para honrar as obrigações”, observou.
Crescimento acima de 2,5%
O ministro afirmou ainda que o Brasil pode mirar uma taxa média de crescimento de 2,5% sem prejuízos à economia e alinhado a um movimento global. “Não tem por que não mirar uma taxa de crescimento no mínimo equivalente à média mundial. Nós ficamos muito abaixo da média mundial por muitos anos. Eu penso que o Brasil pode mirar uma taxa de crescimento média acima de 2,5% sem nenhum risco, na minha opinião, de desequilíbrios importantes”, disse.
Haddad foi questionado pelo economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, sobre a surpresa no crescimento em 2024, quando várias instituições estão reajustando as projeções para um patamar acima de 3%.
O ministro avaliou que o País passou por um represamento do crescimento por muitos anos, após uma década perdida, entre 2013 e 2022. “Tem um conjunto de projetos de investimento que estão represados há muito tempo, com altas taxas de retorno, com oportunidades à vista de todos, com interesse internacional sobre o Brasil, sobretudo em função até dos problemas que o mundo está enfrentando. Certas regiões do globo passam a receber uma atenção especial e também em função de vantagens competitivas que têm a ver com a nossa matriz, nossa matriz produtiva em geral e nossa matriz energética em particular”, observou.
“Talvez tenhamos que rever previsão de crescimento este ano, mesmo com choques”, acrescentou.
Inflação dentro da meta
Haddad afirmou que, apesar dos choques na economia brasileira, há chances de a inflação ficar dentro da meta e de a previsão de crescimento ser mais uma vez revisada.
“Nós estamos crescendo, talvez a gente tenha que rever, ainda não, mas talvez a gente tenha que rever mais uma vez o PIB deste ano. A inflação, mesmo com um choque de oferta importante, por falta d’água, que impacta a produção de alimentos, energia elétrica, o desastre que aconteceu no Rio Grande do Sul, que foi enfrentado. Mesmo com esses choques todos, nós estamos discutindo se a inflação vai ficar dentro do teto da banda ou não”, disse, destacando que, com a perspectiva de ficar dentro da banda, a inflação ainda será menor do que a do ano anterior.
A meta de inflação para este ano é 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo. Portanto, o teto da meta seria 4,5% ― o mercado projetou a inflação para este ano em 4,39% no boletim Focus desta semana.
“Eu compreendo um pouco da ansiedade e das angústias em relação a esse tema, mas eu não vejo risco de nós não endereçarmos esse assunto e voltarmos a ancorar as expectativas no curto prazo”, reiterou.
Ajustes a serem feitos
O ministro disse que a economia trilha uma rota que pode resultar em grau de investimento até 2026, último ano do mandato do presidente Lula. Para ele, o relatório da Moody’s, que colocou o Brasil a um nível do grau de investimento, é “muito fiel” ao que ele pensa. “As condições para o Brasil se desenvolver estão quase dadas, mas não estão dadas. Tem um ajuste a fazer”, declarou o ministro ao interpretar a avaliação da agência de rating.
Haddad também assegurou que a visão da Fazenda é de não alterar o arcabouço fiscal. “Se defender a arquitetura (do arcabouço), vamos chegar ao grau de investimento”, assinalou. “Estamos numa rota que pode nos dar o grau de investimento até 2026″, reforçou o ministro.
Ainda que sempre exista o desafio político na condução da política econômica, Haddad ponderou que as condições no Congresso pavimentam um “caminho tranquilo” no diálogo com parlamentares.
Relação com o BC em 2025
O ministro disse que a estabilização da dívida como proporção do PIB não depende apenas de sua pasta, mas também do Banco Central (BC), já que a alta dos juros eleva o custo de financiamento do País. Após defender um trabalho conjunto entre Fazenda e BC, ele disse que haverá “boas surpresas” nesse sentido a partir do ano que vem.
A partir de janeiro, o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, assume a presidência da autarquia no lugar de Roberto Campos Neto. “Não depende só da Fazenda (a relação dívida/PIB). Sempre advogo a tese de que essas políticas compõem a política econômica como dois braços do mesmo organismo. Acho que é uma metáfora feliz. Nós temos que trabalhar juntos”, declarou Haddad.
“Eu tenho todas as razões para imaginar, até pelo trabalho que vem sendo feito mais recentemente pelo Banco Central, que nós vamos ter boas surpresas desse ponto de vista a partir do ano que vem”, acrescentou o ministro.
Em sua fala, Haddad criticou também análises sobre a política fiscal que não consideram decisões jurídicas que impactam favoravelmente as contas públicas. Conforme o ministro, a constituição de uma junta entre Fazenda, Planejamento e Advocacia-Geral da União (AGU) para levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) as consequências econômicas de decisões do Judiciário teve resultados extraordinários, tirando do mapa R$ 1,4 trilhão de riscos de natureza judicial sobre as finanças públicas.
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