RIO - Desde que o governo deu sinais de editar a terceira versão do seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que será divulgado nesta sexta-feira, 11, no Rio de Janeiro, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a possibilidade de inclusão da polêmica ferrovia EF-170, mais conhecida como Ferrogrão, voltou à tona.
Desta vez, avaliam advogados do escritório Campos Mello, a obra deve entrar no PAC pelo seu potencial de descarbonização do escoamento de grãos, mas outro traçado deve ser feito para garantir que, desta vez, o projeto de mais de R$ 20 bilhões não fique no papel.
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Na avaliação do sócio do CMA em direito ambiental Vilmar Gonçalves, ainda não está claro se a Ferrogrão será incluída, mas sinais dados em junho deste ano pelo Superior Tribunal Federal (STF), autorizando a volta dos estudos do projeto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a pedido da Advocacia Geral da União (AGU), acendeu o alerta de que a discussão pode voltar a ser pautada.
Afinal, ressalta Gonçalves, a descarbonização está no centro das discussões no atual governo pelos compromissos assumidos no Acordo de Paris, e a linha férrea poderia retirar das rodovias centenas de caminhões que hoje escoam a produção do Centro-Oeste do País para os portos.
Os estudos da ferrovia foram suspensos após tentativas de governos anteriores de reduzir a área do Parque Nacional Jamanxim, no Pará, para viabilizar o projeto. Segundo Gonçalves, a retomada dos estudos indica que o governo Lula vem buscando alternativas para executar a obra, que poderá ser feita com parceiros privados. A expectativa de economia para o setor de agronegócios gira em torno dos 40%.
“Foi editada uma medida provisória em 2017 para alterar os limites do Parque Nacional de Jamanxim, uma unidade de conservação da região amazônica. Mas existem populações indígenas, e (a medida) sofreu muitas críticas da sociedade. Uma alternativa é contornar o parque, mas é preciso avaliar se fica economicamente viável”, explicou.
A Ferrogrão é um projeto de 933 quilômetros que ligaria a cidade de Sinop, em Mato Grosso, ao Porto de Mirituba, no Pará, às margens do rio Tapajós, que se conecta com o rio Amazonas, formando um corredor de exportação para grãos produzidos na região Centro-Oeste.
Para o advogado ambiental, uma maneira de atrair investidores para um possível Parceria Público Privada na Ferrogrão seria fazer uma avaliação prévia de viabilidade, para que o projeto não fique no papel, como ocorreu com o Trem de Alta Velocidade (trem-bala) que ligaria o Rio de Janeiro a São Paulo. Ele avalia que, não apenas para a Ferrogrão, todos os projetos do PAC teriam chances maiores se houvesse um estudo prévio de viabilidade.
“Os principais problemas deveriam ser investigados pelo governo antes da licitação. O trem-bala teve a questão da Mata Atlântica, e a Ferrogrão tem uma questão ainda mais complexa, que são as terras indígenas. Assim como os outros projetos que serão apresentados no PAC, devia ter um estudo prévio para dar segurança jurídica”, avaliou a sócia para Direito Público do CMA Carolina Caiado.
Ela disse não esperar muitas novidades no anúncio do PAC, por se tratar, na sua maioria, de projetos que já estão no portfólio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e que já vêm sendo gestados ao longo de anos pelos sucessivos governos, como é o caso da Ferrogrão.
“Os principais problemas deveriam ser avaliados antes da licitação. Será que esse traçado (da Ferrogrão) é a melhor opção? Não poderia haver um trecho de cabotagem? A verdade é que os projetos são analisados de forma muita isolada, seria bom ter diretrizes para essas análises”, afirmou Caiado, lembrando o caso da Margem Equatorial, quando petroleiras adquiriram áreas licitadas pelo governo e não conseguiram autorização do Ibama, um órgão de governo, para explorá-las. Agora, a Petrobras tenta novamente explorar a região, mas vem enfrentando resistência da área ambiental.
Como destaque de um processo positivo, Gonçalves dá como exemplo de evolução do licenciamento ambiental das usinas eólicas offshore, para o qual o Ibama lançou um Termo de Referência padrão que deu aos investidores uma base para apresentar seus pedidos de licenciamento.
“A questão do licenciamento ambiental recai, via de regra, sobre o empreendedor. Em algumas situações, se houvesse análise de viabilidade ambiental, que não é o licenciamento em si, mas uma diretriz, poderia oferecer mais segurança e atrair mais investidores”, avaliou Gonçalves.
A terceira edição do PAC tem previsão de investimentos governamentais de R$ 60 bilhões por ano até 2026 e mais de mil projetos, sendo quase metade concentrada no setor de transporte, um dos sete eixos do programa. Também serão contemplados projetos nas áreas de transição e segurança energética; infraestrutura urbana; infraestrutura social; inclusão digital e conectividade; água para todos; e defesa.
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