FGV: País deve recuperar investimentos em ano de calmaria, mas ainda vive sob incerteza fiscal

Em seminário em parceria com o ‘Estadão’, economistas do Ibre/FGV dizem que ambiente de polarização política pode abrir espaço para tendência de continuar aumentando gastos

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RIO - A perspectiva de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2024 é mais baixa do que o avanço registrado em 2023, mas a composição será mais favorável, com recuperação dos investimentos, avaliaram economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) durante o 1º Seminário de Análise Conjuntural, realizado em parceria com o Estadão.

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A preocupação maior é com o cenário fiscal, sob pressão em ano eleitoral, que colocará à prova o arcabouço fiscal nos próximos meses e ameaça a calmaria no cenário macroeconômico já no ano seguinte, completaram os especialistas.

“A gente certamente tende a viver em 2024 um ano de mais calmaria. A tendência é a economia crescer”, afirmou Armando Castelar, pesquisador associado do Ibre/FGV, durante o seminário na sede da entidade, no Rio de Janeiro.

“A gente vê um certo otimismo sobre o crescimento, sobre a queda da inflação, sobre a queda dos juros, que está em 11,25% ao ano, vai cair para 9,25%, 9,75%, a visão é essa. Mas a sensação que eu tenho é que, ao mesmo tempo que a gente tem essa calmaria e um cenário relativamente bom, tem um risco da tempestade que está se formando para o ano que vem, ou pelo menos para um pouquinho mais à frente”, alertou.

Armando Castellar foi um dos pesquisadores associados à FGV que falou no evento; para ele, tendência é de crescimento para o Brasil em 2024 Foto: FABIO MOTTA / ESTADÃO

Segundo o pesquisador, o ambiente de polarização política agrava a questão fiscal no País, por abrir espaço para uma tendência de continuar aumentando gastos, não exatamente por uma estratégia de política econômica, mas sim em busca de maior popularidade.

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“Tem o fiscal que vai se mostrando mais complicado do que parecia, uma inflação que não cai tanto como se gostaria e, portanto, exige que a política monetária fique restritiva por mais tempo, uma impaciência política tanto com o fiscal que não melhora o suficiente e uma política monetária que não relaxa o suficiente, e aí a gente caminha cada vez mais para perto de uma eleição bastante polarizada para 2026. Vai melhorar, mas não é claro quanto melhora, e pode ser que não melhore num ritmo suficiente para que a gente tenha a tranquilidade de que as coisas vão continuar na direção correta olhando um pouquinho mais à frente, que a gente acabe terminando o ano de uma maneira muito mais agitada”, avaliou Castelar.

A credibilidade do arcabouço fiscal será testada nos próximos meses, em meio a um cenário de expansão dos gastos já em curso no País, ressaltou Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV.

Mais importante do que esperar o número final do ano sobre a situação fiscal do País é acompanhar agora as próximas etapas, sobre o que o governo decidirá contingenciar e fazer para melhorar as contas e honrar compromissos, lembrando que 2024 é ano de eleições municipais, o que gera pressão por mais gastos, frisou. “A gente não tem certeza como vão lidar com essas pressões”, pontuou Matos.

“A tendência é a gente ter surpresas para pior no resultado fiscal do que surpresas para melhor. Acho que, ao longo do ano, a gente vai descobrindo coisas que vão piorar”, opinou Armando Castelar.

O Boletim Macro do Ibre FGV prevê um avanço de 1,5% no PIB em 2024, após uma elevação de 2,9% em 2023. Apesar da alta mais acentuada no ano passado, a atividade econômica cresceu na ocasião sob impulso, sobretudo, da demanda externa. Em 2024, o motor será a demanda interna. A FGV espera avanço de 3,4% nos investimentos, após a retração de 3,0% vista em 2023. O consumo das famílias perde fôlego, saindo de uma alta de 1,7% em 2023 para uma expansão de 2,0% em 2024, enquanto o consumo do governo acelera o ritmo de crescimento em ano eleitoral, de avanço de 1,7% no ano passado para elevação de 2,0% neste ano.

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Para Silvia Matos, a boa notícia é que o desempenho será melhor nos investimentos em máquinas e equipamentos e na construção civil, mas ainda não é o caso de esperar uma economia em franco aquecimento.

“Estamos melhor do que a gente esteve em meados do segundo semestre do ano passado, sim, mas não parece uma aceleração tão forte”, ponderou Matos.

A pesquisadora revelou que dados preliminares de um estudo sobre produtividade, que será divulgado na próxima semana, mostram uma melhora no último trimestre de 2023 nesse quesito. “A gente pode ter tido resultado melhor da produtividade do trabalho, mais difuso entre os setores”, contou ela.

O avanço no PIB de 2024 deve ter perfil bastante ancorado nas condições de crédito mais favoráveis, na melhora do mercado de trabalho, desemprego em queda, massa de salários em alta, inflação mais baixa, enumerou Castelar. “O salário real está crescendo, o comprometimento de renda das famílias está caindo”, pontuou.

No entanto, a atividade econômica vem crescendo acima do potencial há algum tempo, em meio a um cenário de mercado de trabalho aquecido, acrescentou Castelar. Para ele, “a notícia ruim” é que o quadro impulsiona os salários, o que acarreta uma pressão sobre a inflação de serviços, dificultando também a convergência mais rápida da taxa de juros para patamares mais baixos.

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Política monetária contracionista

O Brasil vive há mais de dois anos num cenário de política monetária apertada, mas as expectativas de inflação ainda “não estão devidamente ancoradas” em meio às incertezas sobre a questão fiscal. Portanto, não resta alternativa ao Banco Central que não seja manter a taxa de juros em patamar contracionista, acima do juro neutro, defendeu o economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV.

“O que o Banco Central do Brasil pode fazer? Não consigo pensar em nenhuma outra coisa que não seja o Banco Central manter a política monetária contracionista, acima do juro neutro”, declarou Senna.

A questão gira sobre qual seria o patamar adequado para a taxa básica de juros acima de juro neutro. Segundo Senna, uma taxa de juro terminal de 9% “não dá conta” do desafio, tem que ser mais elevada. Mencionando a curva de juros no mercado futuro, o pesquisador aprova as apostas entre 9,5% e 9,75%.

“Já acho mais adequado”, sentenciou. “Não basta levar a inflação para a meta, você tem que mantê-la na meta”, defendeu.

Segundo Senna, a manutenção de uma política monetária contracionista por longo período de tempo pode gerar uma fadiga, mas há risco de que todo o esforço empreendido até agora possa ser “jogado fora”, diante da celebração de que a inflação se aproxime da meta, porém sem considerar que não houve queda nas medidas de inflação subjacente. É necessário persistir em levar as expectativas de inflação para a meta, disse ele, lembrando ainda que a experiência internacional mostra o risco de que a autoridade monetária passe a mirar um número mais alto de inflação do que o determinado na meta.

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“É um perigo”, alertou Senna. “O que o Banco Central tem que fazer é aproveitar, enquanto o clima não está tão desfavorável assim, para tentar ter sucesso, levar a inflação para a meta e manter ela lá”, concluiu.

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