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FGV: combate à inflação não pode ficar somente nos ombros do Banco Central, diz economista

Para José Júlio Senna, embora BC esteja firme na briga contra a inflação, política fiscal prejudica obtenção de resultados melhores; economistas participaram de seminário de análise conjuntural nesta quinta

Foto do author Marianna Gualter

O combate à inflação não pode ficar somente nos ombros do Banco Central, afirmou nesta quinta-feira, 6, o chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), José Júlio Senna, no 2.º Seminário de Análise Conjuntural, organizado pelo Ibre-FGV e pelo Estadão/Broadcast. Ele participou do evento ao lado de Armando Castelar, pesquisador associado do Ibre-FGV, e de Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre-FGV.

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Senna frisou que as questões domésticas preocupam no momento, e que, embora o BC esteja firme na briga contra a inflação, a política fiscal prejudica a obtenção de resultados melhores nesse campo. “Os resultados seriam muito melhores se a política fiscal tivesse rumos diferentes dos que tem tomado”, afirmou. “Dificulta a obtenção de taxas mais baixas de inflação e juros mais baixos.”

O economista acrescentou que a política fiscal de natureza expansionista explica boa parte dos números recentes bons na divulgação do Produto Interno Bruto (PIB), especialmente em relação ao consumo das famílias.

Senna ainda defendeu a meta de inflação de 3%: “Três porcento não é estabilidade de preços, mas é o nível mais alto que podemos conviver com alguma tranquilidade”. O economista afirmou haver um argumento de que esse nível de inflação nunca foi alcançado no Brasil, mas lembrou que nunca houve uma tentativa de chegar a essa taxa no País.

“Se é possível em regiões como China e zona do euro, por que não é possível no Brasil?”, questionou. “Se o problema é fiscal, vamos tentar resolver esse problema primeiro, mas sempre focando que a meta do governo tem que ser trabalhada para chegar o mais perto possível da estabilidade de preços”, disse Senna, que frisou que o juro em um País é baixo quando a inflação é baixa.

Para ele, o poder do Banco Central de conseguir controlar o aumento recente das expectativas de inflação está limitado. Há, segundo ele, dois fatores “bem óbvios” que corroboram essa análise. O primeiro deles, a questão fiscal. “A política do governo é aumentar gastos e correr atrás de receitas para financiar esse aumento”, disse, acrescentando que políticas desse tipo não costumam terminar bem. “O que o BC pode fazer a respeito do futuro das contas públicas? Absolutamente nada”, acrescentou.

Para Senna, não há espaço para continuidade do afrouxamento monetário por um bom tempo Foto: Werther Santana/Estadão

O segundo ponto, segundo Senna, diz respeito à nova composição da autarquia em 2025. “Não sabemos para que lado vai e isso afeta o comportamento esperado de preços à frente”, afirmou o economista, que ressaltou não estar fazendo juízo de valor sobre quem será o substituto de Roberto Campos Neto na presidência do BC.

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Diante desse cenário, emendou, o máximo que a autoridade monetária consegue fazer é interromper o ciclo de baixa dos juros. Senna afirmou que não vê espaço para continuidade do afrouxamento monetário por um bom tempo. “É o máximo que o Banco Central pode fazer. Será eficaz para controlar as expectativas? Não tenho essa confiança.”

Ele também defendeu a credibilidade da pesquisa Focus. O economista ressaltou que existem mecanismos similares em vários outros países do mundo, inclusive os Estados Unidos, e que a Focus reúne a visão de 140 instituições. “Parece haver uma crença em teoria da conspiração”, afirmou o economista, sobre a hipótese de que essas instituições fariam um “combinado” para subir as expectativas e conseguir que o BC aumentasse os juros.

O economista Armando Castelar afirmou que a transição atual do comando do BC exige cuidado. “Está se colocando uma situação complicada na qual, para ser indicado (à presidência do BC), o cidadão tem de coadunar com a ideia de que o juro será derrubado”, disse. Ele ressaltou que o ambiente atual de inflação e de expectativas não permite essa postura.

Para o economista, essa situação tende a tornar a incerteza em relação à política monetária ainda mais complicada. Ele acrescenta que essa é uma “sinuca” desnecessária. “Está se politizando uma coisa que todo mundo teria mais a ganhar se não tivesse politizando.”

Superávit primário distante

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Para Silvia Matos, o Brasil não voltará a ter um superávit primário tão cedo. A economista disse que as estimativas indicam um déficit primário entre 0,8% e 0,7% do PIB em 2025 e que a perspectiva é de aumento da dívida. “Há dificuldade de ter mais receitas e de controlar gastos”, afirmou. “Os problemas são complexos do ponto da economia política, o que aumenta muito os gastos das receitas recorrentes, e são gastos relacionados à transferência de renda.”

Matos chamou a atenção para questões complexas de pano de fundo e citou o aumento do déficit da Previdência, que subiu de cerca de R$ 100 bilhões há dez anos para mais de R$ 300 bilhões. “A questão da reforma da Previdência é extremamente relevante”, frisou.

Ela afirmou que a tendência é de um crescimento forte do consumo das famílias este ano, em linha com a conjuntura do mercado de trabalho e a política expansionista do governo. E ponderou ser preciso olhar para quem está sendo realmente beneficiado por esse consumo. Matos atentou que a atual composição desse aumento pode acarretar mais inflação, o que pode prejudicar os mais pobres.

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A economista afirmou que a ajuda ao Rio Grande do Sul, que destacou ser necessária, pode contribuir para aumentar o consumo no curto prazo. Ela ponderou, no entanto, que não há diante desse cenário uma previsão de desaceleração de outros benefícios. “Toda a discussão de aumento de salário mínimo impactando a previdência e os benefícios está criando esse caldo de crescimento do consumo mais elevado do que pode ser adequado à economia em um momento de combate à inflação”, salientou.

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