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Fibra óptica nos rios da Amazônia promete conectar 59 cidades, em iniciativa sem proporções no mundo

Empresas poderão usar infraestrutura compartilhada em oito infovias, ao invés de cada uma construir sua própria rede

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Foto do author Circe Bonatelli
Atualização:

MANAUS - A instalação de cabos de fibra óptica nos rios da Amazônia, por meio do Programa Norte Conectado, une empresas brasileiras e estrangeiras em uma iniciativa que nunca foi realizada nessas proporções em nenhum lugar do mundo. Ao todo, são 12 mil quilômetros de cabos atravessando os leitos dos rios Negro, Solimões, Puruá, Madeira, Juruá e Branco, ao longo de 59 municípios.

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Metade dos cabos foi destinada ao atendimento de órgãos públicos, como escolas, hospitais, polícia e prefeituras. A outra metade será explorada comercialmente pelas empresas em um contrato válido por 15 anos.

Nesta etapa serão construídas três infovias — espécie de dutos por onde passam cabos de fibra óptica —, somando 2,3 mil quilômetros. A produção dos cabos foi feita em duas fábricas da multinacional chinesa ZTT Cables e levou cinco meses para ficar pronta. Depois, foram mais 50 dias para transportar o material da China até o Porto de Manaus.

“Este foi o maior projeto de fibra óptica em rios que já vimos no mundo”, diz o diretor de projetos da ZTT, Jack Zhu. O setor de cabos submarinos já é bem desenvolvido no mercado internacional, mas há poucas empresas que fabricam cabos subfluviais, já que os rios têm condições variadas de correnteza, tensão, acidez e sedimentos.

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“Para nós, foi um grande desafio, porque tivemos de participar de uma licitação e atender especificações locais. Depois, o desafio foi achar um navio grande o suficiente para levar essa quantidade de fibra, mas que não fosse tão grande a ponto de não poder navegar pelos rios até o porto de Manaus”, conta Zhu, que foi até a cidade brasileira acompanhar a chegada dos materiais nesta semana. O Estadão/Broadcast também acompanhou a operação.

Carretel com cabos de fibra ótica produzidos na China Foto: Circe Bonatelli

Os cabos vêm enrolados em carretéis gigantes. Na sequência acontece o transbordo, quando a fibra é transferida do cargueiro internacional para as balsas que vão lançar os cabos nos rios. O processo para desenrolar os carretéis, com 2,3 mil quilômetros de fios, levará 26 dias.

A partir daí, começa outra tarefa com desafios de logística: colocar os cabos nos rios, o que também conta com poucos prestadores de serviço especializados. A função está a cargo da Navegação Prates, empresa familiar de Iranduba, cidade na margem do Rio Negro vizinha de Manaus.

A companhia é da área de transporte fluvial de cargas e já trabalhou com o Exército nas primeiras infovias do País, criadas nos idos de 2015 e 2016. “Nós tivemos de adaptar os equipamentos que lançam os cabos no mar para a realidade dos rios”, conta o dono da empresa, Juarez Prates. “Agora temos de estruturar a embarcação para navegar com 60 a 70 pessoas que vão conviver noite e dia.”

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Isso porque o lançamento da fibra nos rios é um trabalho sequencial e ininterrupto, de modo a evitar rompimentos. A balsa vai navegar sem parar o tempo que for necessário para completar os trajetos. A duração varia de 10 a 35 dias, dependendo da extensão das infovias.

Atratividade

O programa atraiu uma série de empresas de atuação nacional e local na sua primeira fase. Do total de oito infovias previstas, duas já estão prontas e foram colocadas a cargo de consórcios que reuniram 12 companhias em cada uma. Elas receberam, em julho, o aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para assumir as redes, o que irá acontecer nas próximas semanas.

O consórcio da Infovia 00 (Macapá a Santarém) reúne Aquamar, BR Digital, Claro, Clickip, MobWire, HTM Telecom, Ozônio Telecom, Sea Telecom, Telefônica, TIM, Você Telecom e Easytech. Por sua vez, o consórcio da Infovia 01 (Santarém a Manaus) conta com Aquamar, BR Digital, Claro, Clickip, Easytech, Manaós, MobWire, Ozônio Telecom, PPLink, Telefônica, TIM e Você Telecom.

Descarregamento dos cabos de fibra ótica no Porto de Manaus Foto: Circe Bonatelli

O que atraiu as empresas foi a possibilidade de fazer a exploração comercial das infovias por meio de uma infraestrutura compartilhada. Ou seja: não foi necessário cada uma construir sua própria rede na região, o que exige um investimento alto e desestimula a oferta de internet em cidades do interior.

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A licitação não previu pagamento de outorga. Em vez disso, as empresas ficaram responsáveis pela manutenção das redes, que é um serviço difícil e custoso. São necessárias centrais de atendimento em locais remotos na floresta, além de profissionais com conhecimento técnico e experiência em mergulho. Se houver um rompimento da fibra no leito do rio, o reparo deve ser imediato.

“Essas empresas se responsabilizam por operar e manter toda a infraestrutura. Em troca, têm o direito de uso da fibra”, diz o diretor do Departamento de Infraestrutura e Inclusão Digital do Ministério das Comunicações (MCom), Rômulo Barbosa. “E os agentes da administração pública fazem uso da infraestrutura, mas não integram o consórcio, portanto, não têm custo para seu usufruto.”

Nas próximas infovias, o modelo de operação ainda será definido pelo Comitê Gestor do Programa, liderado pelo ministério. A tendência é replicar a estratégia de consórcios, talvez, com algum ajuste dependendo da experiência observada nas primeiras infovias. “Naturalmente, o uso do modelo atual deverá ser apreciado e, caso necessário, até rediscutido, caso haja alguma especificidade”, diz Barbosa.

Internet rápida para novos municípios

A Claro é uma das operadoras presentes nos dois primeiros consórcios e planeja investir R$ 50 milhões no projeto. O dinheiro vai para o prolongamento da fibra até a casa dos clientes e para lançamento da banda larga em mais cidades, como Santarém, onde ainda não oferece internet fixa por fibra.

Já em Manaus, maior município da região, a rede aumentará a capacidade de atendimento e servirá de reserva em caso de falhas de outras redes. “A gente olha para o Norte Conectado sob dois vieses. Um: aumentar a robustez das nossas redes que já operam na região. E dois: levar conectividade para onde ainda não temos”, afirma o vice-presidente de estratégia da companhia, Rodrigo Marques.

Norte Conectado: fibra ótica no leito dos rios da Amazônia vai passar por 59 cidades Foto: Circe Bonatelli

Na sua avaliação, o modelo de consórcio é inteligente, pois permite que várias empresas passem a atuar em regiões com poucos habitantes, com cidades isoladas e entrecortadas por rios e florestas, o que dificultava a construção de redes próprias. “Não faz sentido que cada uma tenha a sua rede. No consórcio, os participantes dividem o custo em partes iguais”, diz Marques, acrescentando que a Claro vai analisar a participação nas próximas infovias.

A MobWire, empresa do grupo Alloha, também está nos dois consórcios. Ela é a líder da infovia 00, portanto, responsável pela administração geral do grupo empresarial e contato com as autoridades. “A iniciativa está totalmente em linha com a nossa visão de que não é possível fazer inclusão social sem o lado digital. E as infovias servem para aumentarmos a cobertura na região e termos uma rede com mais capacidade”, conta o diretor de redes da companhia, Cid Kuahara.

A MobWire fornece internet para empresas, inclusive, para provedores locais de pequeno porte. Ela já atua em Macapá e Santarém, e agora passará a atender também as cidades de Alenquer, Almeirim e Monte Alegre (todas no Pará), por onde passa a infovia 00. Kuahara espera o desenvolvimento das economias locais com a chegada da fibra. “A partir do momento em que aparece a infraestrutura digital, também se vê a atração de empresas de outros setores, que muitas vezes não abrem negócios nesses locais por falta de internet”, comenta.

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Fibra ótica no leito dos rios da Amazônia vai passar por 59 cidades Foto: Circe Bonatelli

Outra grande companhia que se interessou pelo programa foi a TIM. O diretor de assuntos institucionais e regulatórios, Mario Girasole, diz que as infovias serão aproveitadas como uma forma de complementar a oferta de conexão à internet e, possivelmente, lançar novos serviços. “Na região Norte, as cidades são mais distantes umas das outras. É mais difícil conectar a população com fibra. E o satélite não garante transmissão de dados com a velocidade”, diz, ao explicar a importância das infovias.

Para Girasole, o Brasil acertou em criar uma política pública capaz de atrair empresas para atender uma região que, historicamente, conta com pouco acesso à internet fora das capitais. “Não tem como cada empresa construir a sua própria rede em um País tão grande quanto este. Estamos vendo essa onda de interesse porque o programa vai na linha do que as operadoras já fazem há anos no ambiente privado, que é compartilhar as redes”, afirma o executivo, lembrando que a TIM foi pioneira na partilha de redes com a Oi e a Vivo, desde 2013.

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