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Em 2023, plateias de cinema preferiram gastar dinheiro com filmes agradáveis, e não com super-heróis

Público lotou as salas para ver Taylor Swift, ‘Barbie’ e ‘Oppenheimer’, mas não ligou muito para o retorno de super-heróis como Flash, Capitã Marvel e Aquaman

Por Brooks Barnes

THE NEW YORK TIMES - As fábricas de Hollywood são movidas a senso comum: noções arraigadas, baseadas na experiência, sobre que tipos de filmes têm mais chance de estourar nas bilheterias globais.

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Este ano, as plateias viraram muitas dessas supostas regras de cabeça para baixo.

Faz tempo que os super-heróis são vistos como o jeito mais confiável de lotar as salas de cinema. Mas personagens como Capitã Marvel, Flash, Homem-Formiga, Shazam e Besouro Azul não conseguiram entusiasmar os espectadores. No fim de semana, Aquaman 2: O Reino Perdido, que custou mais de US$ 200 milhões para ser produzido e dezenas de milhões para ser comercializado, chegou a desastrosos US$ 28 milhões em vendas de ingressos nos Estados Unidos e no Canadá. Os espectadores do resto do mundo somaram outros US$ 80 milhões.

Enquanto isso, o maior filme de bilheteria do ano, Barbie, com US$ 1,44 bilhão em vendas mundiais de ingressos, foi dirigido por uma mulher, baseado em uma boneca super feminina e todo pintado de rosa – ingredientes que a maioria dos estúdios há muito pensa que limitam o apelo público. Uma velha máxima da indústria cinematográfica afirma que as mulheres veem “filmes de homem”, mas não o contrário.

O filme "Barbie" foi um dos destaques em bilheteria no ano Foto: Warner Bros. Pictures via AP

Super Mario Bros: O Filme arrecadou US$ 1,36 bilhão, um segundo lugar que também surpreendeu Hollywood (os estúdios têm um histórico conturbado com adaptações de videogames). Oppenheimer, um drama de três horas sobre um físico, completou o pódio, arrecadando US$ 952 milhões e contradizendo a crença predominante de que, na era do streaming, filmes para adultos não são viáveis nas salas de cinema.

“As coisas estão mudando, sem dúvida, o público está com um ânimo diferente”, disse David A. Gross, consultor de cinema que publica uma newsletter sobre números de bilheteria. “O país e o mundo se transformaram. Tivemos sete anos de divisão política, uma pandemia grave, duas guerras sérias, mudanças climáticas e inflação. Os espectadores parecem menos interessados em espetáculo e em salvar o universo e mais interessados em ouvir uma história, se entreter e se inspirar”.

As maiores surpresas de bilheteria do ano caíram na categoria “ouvir uma história”. O drama policial Som da Liberdade custou US$ 15 milhões, cativou a extrema direita – público geralmente ignorado por Hollywood – e gerou US$ 248 milhões em vendas de ingressos. Ficou no mesmo patamar que The Eras Tour, que teve como alvo os fãs de Taylor Swift e também custou cerca de US$ 15 milhões.

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Som da Liberdade veio da Angel Studios, empresa independente em Provo, Utah, que promoveu o filme com um programa pouco ortodoxo: o “Pague para o Próximo”, que possibilitou que os apoiadores comprassem ingressos online para pessoas que de outra forma não conseguiriam assistir ao filme. Em uma grande ruptura com as normas de Hollywood, Swift eliminou os intermediários (um estúdio) e fez um acordo de distribuição diretamente com a AMC Entertainment, a maior operadora de salas do mundo.

“Nosso telefone está fora do gancho desde o dia em que anunciamos o projeto Eras Tour”, disse Adam Aron, presidente-executivo da AMC, durante uma teleconferência com investidores em novembro, referindo-se a oportunidades de “conteúdo alternativo”.

A Comscore, que compila dados de bilheteria, projetou no domingo que as vendas de ingressos na América do Norte para o ano atingiriam cerca de US$ 9 bilhões, um aumento de 20% em relação a 2022. (Antes da pandemia, os cinemas norte-americanos vendiam tranquilamente cerca de US$ 11 bilhões em ingressos por ano). O preço médio dos ingressos para adultos nos Estados Unidos foi de US$ 12,14, acima dos US$ 11,75 no ano anterior, de acordo com a empresa de pesquisa EntTelligence.

As vendas mundiais de ingressos deverão ultrapassar os US$ 33 bilhões, um acréscimo de 27% que se deve, pelo menos em parte, a um aumento na América Latina. (Antes da pandemia, as vendas mundiais de ingressos superavam facilmente os US$ 40 bilhões anuais).

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A expectativa é que a recuperação de Hollywood pós-pandemia dê uma parada em 2024. Com menos filmes programados para lançamento – as greves recentes paralisaram as linhas de produção dos estúdios – as vendas de ingressos deverão cair de 5% a 11% no ano que vem, dependendo do mercado, de acordo com projeções da Gower Street Analytics, uma empresa de pesquisa de bilheterias.

Fazer previsões sobre bilheteria é como especular sobre o simbolismo de obras de ficção: qualquer teoria mais ou menos plausível já funciona. Mas os chefes dos estúdios precisam de alguma coisa, qualquer coisa, para orientá-los na hora de fazer escolhas de bilhões de dólares para as próximas temporadas.

Aqui estão cinco lições deste ano:

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Os espectadores querem conforto

Nos momentos de estresse, as pessoas procuram nostalgia. E filmes que lembram o passado – ao mesmo tempo em que conseguem dar uma sensação de frescor – estão fazendo sucesso. Barbie, Super Mario Bros: O Filme, A Pequena Sereia, Wonka e a atmosfera retrô de As Tartarugas Ninja: Caos Mutante possibilitaram que as pessoas revisitassem a infância. Sobrenatural: A Porta Vermelha acertou em cheio ao trazer de volta as estrelas originais da franquia.

Indiana Jones e a Relíquia do Destino poderia ter aproveitado a nostalgia para virar um hit. Mas Harrison Ford, 81 anos, esbaforido e mal-humorado, só conseguiu lembrar aos fãs de Indy que está todo mundo envelhecendo. A Relíquia do Destino custou à Disney US$ 295 milhões e arrecadou flácidos US$ 384 milhões. (Os cinemas ficam com cerca de 50% das vendas de ingressos).

Os filmes de arte ainda estão vivos

Dramas sofisticados com orçamentos modestos e voltados para um público mais velho vêm dando sinais de vida depois de dois anos de bilheteria na UTI.

A era do streaming definitivamente trouxe para casa boa parte da exibição de filmes de prestígio, dizem analistas. Mas as salas de cinema viram um pouquinho de sucesso em 2023 com ofertas como Vidas Passadas, um drama melancólico com alguns diálogos em coreano, e a animação O Menino e a Garça, de Hayao Miyazaki. O peculiar Asteroid City conseguiu arrecadar US$ 54 milhões.

Os primeiros resultados de bilheteria também pareceram promissores para filmes que estão de olho no Oscar, como Pobres Criaturas, um romance surreal de ficção científica, e American Fiction, uma sátira sobre um escritor que inventa um livro de memórias falso que gira em torno de estereótipos raciais.

Maior não é melhor

Na última década, Hollywood prendeu o interesse do público com sequências, deixando cada episódio mais inchado e, muitas vezes, mais absurdo que o anterior. Maior! Mais rápido! Mais tudo!

Talvez seja preciso repensar essa estratégia: ela é muito cara, dizem analistas, especialmente agora que os espectadores chineses andam meio enjoados dos blockbusters norte-americanos. Velozes & Furiosos 10, o décimo filme da franquia, custou cerca de US$ 340 milhões e arrecadou US$ 705 milhões em todo o mundo, incluindo US$ 140 milhões na China. Em comparação, Velozes e Furiosos 7, de 2015, custou US$ 190 milhões e arrecadou US$ 1,5 bilhão, com US$ 391 milhões na China.

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O sétimo espetáculo de Tom Cruise na franquia Missão: Impossível, lançado em julho, pouco antes de Barbie e Oppenheimer, custou cerca de US$ 290 milhões e arrecadou US$ 568 milhões, com US$ 49 milhões na China. Em 2018, o sexto Missão: Impossível custou US$ 178 milhões e gerou US$ 792 milhões, com os chineses comprando US$ 181 milhões em ingressos.

Cada vez mais, as sequências e spinoffs de franquias precisam dar uma sensação de novidade para fazerem sucesso. A Lionsgate, por exemplo, foi ainda mais fundo na organização criminosa clandestina Alta Cúpula em John Wick 4: Baba Yaga e apresentou aos fãs de Jogos Vorazes um novo enredo (e um novo elenco) no prequel A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes. Ambos foram bem nas bilheterias. A Lionsgate até ressuscitou sua franquia de terror Jogos Mortais, levando a narrativa de volta ao passado.

“Cada um destes filmes fez algo diferente”, disse Adam Fogelson, vice-presidente do Lionsgate Motion Picture Group. “Não era só uma questão de ‘gastar mais, fazer tudo maior, mais barulhento, com mais ação’”.

Alguns padrões de audiência continuam intactos

O horror manteve seu desempenho confiável, com M3gan e Five Nights at Freddy’s - O Pesadelo Sem Fim inaugurando novas franquias para a Universal e a Blumhouse, sua afiliada. Juntos, os dois filmes custaram US$ 32 milhões e arrecadaram um total de US$ 469 milhões. Outro destaque foi A Freira 2, que custou à Warner Bros. cerca de US$ 38 milhões e arrecadou US$ 268 milhões.

Os super-heróis podem estar em baixa, mas não estão fora do jogo. A divertida e bem estabelecida série Guardiões da Galáxia, da Marvel, voltou para um terceiro capítulo e gerou US$ 846 milhões, com um orçamento de US$ 250 milhões. O ousado Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, da Sony, com influência de anime, custou cerca de US$ 150 milhões e arrecadou US$ 691 milhões.

As estrelas fazem diferença

O senso comum de Hollywood diz que as estrelas de cinema são coisa do passado. O nome de uma celebridade acima do título não tem mais tanto peso entre as pessoas que compram ingressos. O que lota as salas é a “propriedade intelectual”.

As pessoas pagam para ver a Barbie, não a Margot Robbie.

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Só que a Mattel e vários estúdios passaram pelo menos vinte anos tentando transformar a boneca em uma estrela de cinema live-action. Foi preciso trazer Robbie (e Ryan Gosling como Ken) para a coisa finalmente dar certo. Outros filmes que se beneficiaram do poder das estrelas em 2023 foram Wonka, com Timothée Chalamet, e Creed III, protagonizado por Michael B. Jordan.

As estrelas não fazem mais diferença? Tente dizer isso aos produtores de Gran Turismo, Mansão Mal-Assombrada, Dinheiro Fácil e Ruim pra Cachorro, que decepcionaram nas bilheterias e chegaram quando seus elencos estavam proibidos de promover seus filmes por causa da greve do sindicato dos roteiristas./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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