Equipe econômica: sai o liberalismo da Escola de Chicago, entra a heterodoxia de Unicamp e PUC-SP

Profissionais da equipe de transição e indicados para o novo governo têm em comum formação em centros considerados mais ‘heterodoxos’

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Atualização:

Depois de o início do governo Bolsonaro ter sido marcado por economistas formados no berço do liberalismo, a Escola de Chicago, nos Estados Unidos, o novo governo Lula começa com uma forte presença de profissionais ligados a centros brasileiros de pensamento econômico heterodoxo (que defendem maior participação do Estado na economia), sobretudo à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e à Unicamp.

Futuro número dois do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, por exemplo, é formado e tem mestrado pela PUC-SP, além de ter sido professor da mesma instituição. Colega de turma de Galípolo, Guilherme Mello também fez graduação e mestrado na PUC-SP, mas doutorou-se pela Unicamp, da qual é docente. Mello foi porta-voz da área econômica durante a campanha eleitoral e membro da equipe de transição.

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Outro membro da equipe de transição, Antonio Lacerda é coordenador da pós-graduação em Economia Política da PUC-SP. Lacerda se graduou e fez mestrado na PUC, além de doutorado na Unicamp. Futuro presidente do BNDES, Aloizio Mercadante é formado em economia pela Universidade de São Paulo (USP), mas tem mestrado e doutorado pela Unicamp.

Enquanto a Escola de Chicago ficou famosa por defender o livre mercado (embora hoje a visão predominante na instituição seja a de que o mercado tem suas imperfeições), a Unicamp e a PUC-SP são tidas como centros de pensamento alinhados à ideia de que o Estado é peça fundamental no desenvolvimento da economia. No caso da PUC-SP, há uma diferença de pensamento em relação à PUC-RJ, tida como um centro da ideologia mais liberal.

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Ainda que haja uma predominância de docentes considerados heterodoxos na Unicamp, entre pesquisadores, a escola é vista como plural, por apresentar diferentes linhas de pesquisa e dar ao aluno a possibilidade de seguir correntes de pensamento distintas. Na pós-graduação, a instituição oferece dois mestrados e dois doutorados. Dois desses programas têm nota 5 e dois, 6, segundo a avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Isso indica, respectivamente, nível muito bom e de excelência.

Já a PUC-SP tem um programa de mestrado com nota 4, um ponto a mais do que a mínima necessária para operar. A pós-graduação da instituição reúne professores que desenvolvem estudos em linhas de pesquisa consideradas mais heterodoxas.

Egresso das duas instituições, Mello diz que a formação acadêmica “diz pouco” sobre os membros da equipe econômica e sobre o futuro do governo. “O conjunto da obra é mais amplo. Por exemplo, o Lacerda é professor da PUC, mas foi por muitos anos economista-chefe da Siemens, foi ligado ao setor produtivo. Para analisar os integrantes, tem de olhar o conjunto de experiências que cada um teve.”

Segundo ele, a formação dos profissionais não indica um sinal de direção das políticas econômicas. “É um governo de frente ampla, e o Fernando Haddad (futuro ministro da Fazenda) é o tipo de pessoa que gosta muito de ouvir. Ele não costuma se fechar a uma visão de mundo. Ele ouve várias vertentes, e acho que essa característica vai se refletir no perfil da equipe.”

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Futuro secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo se formou pela PUC-SP e foi presidente do banco Fator Foto: Felipe Rau/Estadão - 7/2/2018

Mello, no entanto, admite que haverá um quadro maior de funcionários com formação heterodoxa por se tratar de um governo “progressista”. “A novidade é que alguns debates que foram escanteados nos últimos anos voltam a participar. Vai ter uma participação maior de pessoas que não tinham nenhum espaço no governo Bolsonaro, mas isso não quer dizer que não haverá espaço para pessoas com visões mais liberais.”

Para Mello, a tendência é que o novo governo tenha uma orientação mais ampla do que o de Bolsonaro. “A equipe anterior tinha o ponto de vista econômico do velho liberalismo dos anos 70. Tinha o posto Ipiranga (o ministro da Economia, Paulo Guedes) com essa visão antiga de Chicago e que só trazia pessoas que compartilhavam dessa visão.”

Guilherme Mello é professor na Unicamp e fez parte da equipe de transição Foto: Werther Santana/Estadão - 6/9/22

Antonio Lacerda, da equipe de transição, também diz que deve haver alguns economistas “ortodoxos” no novo governo, mas encara a formação dos integrantes da equipe de forma diferente da de Mello: como um indicativo do caminho econômico. “A linha que prevaleceu sob Michel Temer e Bolsonaro apostava na confiança. Trabalhava o lado fiscal para gerar confiança e fazer com que o empresário investisse. Nós apostamos no papel do Estado como articulador do processo, sem desprezar o peso do setor privado.”

Economistas ‘mofados’?

Em relação à crítica que vem sendo feita de que o pensamento de instituições como PUC e Unicamp é “mofado”, Lacerda afirma se tratar de um julgamento “desinformado”. De acordo com o professor da PUC, Estados Unidos, Coreia do Sul, Alemanha e China são países cujas políticas econômicas são semelhantes às que o novo governo pretende adotar. “Eles têm em comum uma visão moderna do Estado, com uma política industrial voltada para a reindustrialização, para a transição energética e para a economia digital.”

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Ainda em relação à crítica, Lacerda cita a “industrialização por substituição de importação” (ISI), teoria defendida pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) nos anos 50 que propõe a adoção de uma economia fechada para promover a indústria do país. “Não é possível replicar esse modelo. Os tempos são outros. Por outro lado, não vemos a abertura unilateral (do comércio) como saída. É preciso usar a abertura inserida em um projeto de desenvolvimento.”

Também questionado sobre as críticas, o diretor do Instituto de Economia da Unicamp, André Biancarelli, segue o raciocínio de Lacerda. “A história de ‘mofados’ talvez queira fazer referência a uma determinada concepção de estratégia de desenvolvimento com participação do Estado, que supostamente teria ficado pra trás nos anos 90. Mas dizer que isso está desatualizado depende da perspectiva de cada um. Não é mais 100% garantido que o Estado não tem de ter papel algum.”

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