A necessidade de concessão do auxílio emergencial durante a presente crise sanitária mostrou a falta que faz um cadastro que alcance todos os trabalhadores brasileiros. A falta de bons cadastros dificulta não apenas a concessão de benefícios em períodos de emergência, mas prejudica, de forma geral, o desenho adequado dos programas sociais. Pode-se avançar no sentido de ampliar o alcance de cadastros declaratórios, como o Cadastro Único dos programas sociais, mas o risco de imprecisões, e mesmo de fraudes, é relevante. O ideal seria formalizar a renda de todos os trabalhadores brasileiros, de modo a que todos pudessem ter acesso a benefícios não apenas assistenciais, mas também contributivos.
A ampliação da formalização esbarra, no entanto, em duas dificuldades. A primeira é o alto custo do emprego formal. Para um trabalhador que recebe um salário mínimo (SM), o custo das contribuições incidentes sobre a sua remuneração (incluindo a parcela do empregador) é de mais de 40%.
A segunda dificuldade é a existência de um piso (de um SM) para as contribuições e os benefícios previdenciários. Se um trabalhador informal tem renda mensal de R$ 500,00 – seja por não conseguir ter uma renda maior, seja por trabalhar em tempo parcial –, é difícil que se formalize, pois teria de contribuir sobre um salário mínimo.
O estímulo à formalização da renda dos brasileiros passa, portanto, pelo enfrentamento dessas duas questões. Por um lado, é preciso reduzir o custo da formalização dos trabalhadores de baixa renda. Para tanto, o Centro de Cidadania Fiscal propõe uma grande redução das contribuições incidentes sobre o primeiro salário mínimo da renda de todos os trabalhadores, simultaneamente à criação de uma renda básica universal para todos os idosos.
Por outro lado, é necessário que as contribuições e os benefícios – ao menos os benefícios de risco – possam ter valor inferior ao SM. Se uma pessoa tem renda de R$ 500,00, deveria poder contribuir e ter acesso a benefícios (como o auxílio-doença ou invalidez) sobre esse valor.
É verdade que já existem hoje no Brasil regimes com contribuições reduzidas para autônomos ou informais, como é o caso do MEI (contribuição de 5% de um SM). Mas tais regimes geram muitas distorções, como o estímulo a substituir empregados formais por MEI. O ideal é que a redução do custo das contribuições sobre o primeiro SM alcance igualmente todos os trabalhadores e todas as formas de relação de trabalho, estimulando de forma generalizada a formalização.
Mesmo com alíquotas reduzidas sobre o primeiro SM, no entanto, a experiência do MEI mostra que o modelo ainda deixa de alcançar boa parte dos informais, além de ter alto grau de inadimplência. Ou seja, é preciso haver um estímulo mais forte para a formalização. Este estímulo poderia advir da integração da desoneração das contribuições com um programa de renda básica para pessoas em idade laboral. Neste caso, bastaria o trabalhador declarar sua renda mensal – sem qualquer burocracia. O valor da contribuição incidente sobre a renda declarada seria deduzido da renda básica, tornando desnecessário o recolhimento mensal das contribuições (para níveis de renda que resultassem em contribuição inferior à renda básica).
Tal modelo geraria um forte incentivo para a formalização, pois a renda declarada seria a base para a percepção de benefícios de risco e, também, de auxílios emergenciais, como o da atual pandemia.
É claro que tanto a desoneração das contribuições sobre o primeiro SM como, principalmente, um programa de renda básica têm elevado custo fiscal, que precisa ser adequadamente financiado para que o programa proposto se torne viável. O objetivo deste artigo foi apenas mostrar que, se bem desenhado, um programa de renda básica integrado com um modelo inteligente de financiamento da previdência pode ser instrumento extremamente poderoso para estimular a formalização da renda de todos os brasileiros.
*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL
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