Não vemos problemas no fornecimento de petróleo até agora, diz secretário-geral da Opep

Haitham Al Ghais afirma que o mercado segue ‘equilibrado’ em meio ao conflito no Oriente Médio e que, por ora, nada tende a mudar com relação aos cortes de oferta anunciados esse ano e que foram postergados até 2024

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Foto: PEDRO KIRILOS
Entrevista comHaitham Al GhaisSecretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep)

RIO - Dono de um português impecável, o kuwaitiano Haitham Al Ghais, é o primeiro secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) a visitar o Brasil. A poucas horas de deixar o País, ele concedeu uma entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast no salão vermelho do hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, onde lembrou dos seis anos que morou em Brasília e de quando vendia petróleo do Kuwait para as refinarias da Petrobras.

Na conversa, o secretário-geral afirma que o mercado de petróleo segue “equilibrado”, sem interrupções relacionadas ao conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas e que, por ora, nada tende a mudar com relação aos cortes de oferta anunciados esse ano e que foram postergados até 2024. Em caso de necessidade, garantiu, os 13 países da organização têm condições de elevar produção imediatamente para dar segurança ao mercado.

Haitham Al Ghais, secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), em entrevista no Copacabana Palace Foto: PEDRO KIRILOS

Al Ghais rechaça a imagem de cartel que a Opep carrega nos 63 anos de existência e diz que o grupo continua de “portas abertas” para o Brasil, um dos três países que aumentarão a produção de petróleo fora da Opep nos próximos anos - ao lado de Estados Unidos e Guiana. A Venezuela, país fundador da organização, lembra o secretário-geral, tem agora boa chance de elevar produção após a redução de sanções impostas pelos Estados Unidos.

Os países membros da Opep estão investindo em energia renovável, inclusive hidrogênio, classificado por especialistas como o substituto do petróleo a partir de 2050. Mas isso não quer dizer que estão deixando a commodity de lado, afirma Haitham Al Ghais, que passou esta semana no Brasil a convite do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e tem presença garantida na COP28, no final do ano, nos Emirados Árabes. Assim como Prates, Al Ghais entende que existem várias transições energéticas e não apenas uma, e que cada país encontrará o seu caminho. Mas a mensagem de não investir em petróleo, segundo ele, é equivocada. “É muito importante nos lembrarmos que o acordo de Paris não é sobre escolher que tipo de energia nós temos que usar, o assunto é reduzir as emissões”, afirmou.

Leia, a seguir, a entrevista:

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A Opep promoveu um corte de oferta em outubro de 2022 e outro depois, em abril, que foi estendido até 2024. A situação do Oriente Médio pode encerrar esses cortes antes desse prazo?

Há problema no fornecimento de petróleo até agora? Essa é a pergunta. Não vemos problemas até agora. Vemos, ao contrário, desafios econômicos. Por exemplo, a volta da economia chinesa não foi tão rápida como todos esperavam. (...) Só recentemente estamos vendo notícias mais positivas sobre o crescimento da China. E há outros desafios, como inflação na Europa e nos Estados Unidos. Por isso esses cortes foram feitos. Foram cortes preventivos e proativos, para estabilizar o mercado.

Qual é a estratégia da Opep para dar segurança ao mercado de petróleo ante a guerra Israel x Hamas?

Primeiro esperamos que tudo se acalme politicamente. Essa é uma crise humana. Na Opep, não nos metemos na área política, nosso foco há 63 anos é a estabilidade do mercado internacional de petróleo. Essa crise não é a primeira. Essa não é a primeira guerra. Passaram-se muitos eventos durante a história da Opep. O importante é que os países membros continuam investindo no setor petrolífero e têm capacidade de produção adicional, o que dá segurança ao mercado. É isso o que a Opep oferece.

Nosso papel é sempre manter capacidade adicional para estabilizar o mercado, para ver se tem demanda, problemas, crises. Esperamos que a situação se acalme porque ninguém ganha nessas situações. Mas os fundamentos do mercado, de demanda e oferta, ainda estão equilibrados. Não é preciso fazer nada por enquanto.

Qual volume adicional a Opep teria para colocar no mercado?

Não divulgamos esse número. Cada país tem a sua própria capacidade extra. Mas agora o que sabemos é que o mercado tem bastante fornecimento para fazer frente à atual demanda. Vemos que a demanda está crescendo 2,4 milhões de barris por dia esse ano na comparação com 2022. Isso se deve a uma economia mundial que avança principalmente na Ásia, na China e na Índia.

A Opep traça cenários ou prazos para essa guerra?

Tem guerra, mas tem muita diplomacia também, um forte esforço diplomático mundial para acalmar a situação. Para ser honesto com vocês, esperamos não precisar traçar prazos e cenários sobre a guerra. Mas temos reuniões ministeriais e a próxima vai ser no fim de novembro. Veremos como vai estar a situação. Guerras e temas políticos são questões para ministros de relações exteriores. Temos dados de demanda e oferta de petróleo e estamos olhando como o mercado vai se desenvolver. Sabemos o que fazer se for necessário.

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O Brasil já foi sondado para entrar na Opep no passado. O senhor esteve com o presidente Lula. Qual foi o objetivo da visita?

Foram conversas muito boas com o presidente Lula, com o vice-presidente e ministros. Todos reconhecem o valor e a importância da Opep e o que ela faz pela economia mundial, para estabilizar o mercado de petróleo. Não tem nada concreto, mas nós vamos continuar em diálogo com o Brasil. Nós na Opep acreditamos na importância do diálogo, com parceiros da indústria, com consumidores de petróleo, como China, Índia e União Europeia, com países que não são membros, como a Rússia, e até com a indústria dos Estados Unidos. E o Brasil é um país importante, com uma produção que aumenta a cada ano. Nós acreditamos que esse diálogo é muito importante agora. Vamos ver o que vai sair dessas conversas, passo a passo.

O Brasil já exporta 45% do que produz e esse porcentual pode superar 60% nos próximos anos. A Opep quer ter um país como esse?

Nossa porta está aberta para todo mundo, inclusive para o Brasil. Temos uma política de portas abertas. O Brasil é um grande país produtor e exportador de petróleo. Mas entrar na Opep ou não é uma questão para o governo brasileiro decidir.

Não houve convite formal, então? Foi só bate-papo?

Sim, foi um bate-papo, por assim dizer. Mas veja, há sempre importância em se manter diálogo. Essa é a primeira visita de um secretário-geral da Opep ao Brasil. E vamos continuar nesse diálogo. Eu recebi um convite para voltar ao Brasil em setembro de 2024, para a Rio Oil & Gas. Todos os países membros da Opep têm bom relacionamento bilateral com o Brasil, que tem papel muito importante na área de energia, não só para petróleo. A Petrobras tem tecnologias que são impressionantes e que não se resumem só ao pré-sal.

Analistas dizem que a Opep trabalha para manter um preço do barril razoável para seis membros, mas patamar muito elevado seria indesejado por queimar demanda e estimular alternativas ao petróleo…

É bom deixar claro que a Opep não tem objetivo de preço. Nenhum dos nossos países membros tem um número, um preço. Não sei de onde vêm esses números. O preço do petróleo é feito no mercado. É o preço que o comprador está disposto a pagar para o vendedor. Nosso objetivo é sempre manter o equilíbrio no mercado, ver a oferta, a demanda e a situação da economia global. Não temos nenhum objetivo de preço. Infelizmente essa é a imagem que muita gente tem da Opep.

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Sim, muitas vezes são acusados de cartel. Como mudar isso?

Somos uma organização intergovernamental de 13 países soberanos membros da ONU. Nossa organização é registrada na ONU desde 1961. Essa definição de cartel não se aplica à Opep. É uma imagem que foi criada muitos anos atrás e essa palavra continua sendo usada na imprensa internacional, quando o que fazemos é defender a segurança da energia global. Hoje o petróleo responde por 30% da matriz energética mundial. É importante que nós tenhamos capacidade adicional e façamos investimentos, porque a demanda por petróleo vai continuar a subir e chegar à média de 116 milhões de barris por dia até 2045, como mostra nosso relatório anual.

Como avalia o recente acordo entre EUA e Venezuela, que reduz as sanções sobre o país e abre caminho para investimentos e aumento de produção?

A Venezuela é um país fundador da Opep, com as maiores reservas mundiais de petróleo. Mas, infelizmente, esse país membro muito precioso teve a indústria afetada por sanções. Eu estive lá em 2022 e a indústria, a Pdvsa (estatal de petróleo), têm vontade de aumentar a produção do país (...) Nós esperamos que a situação melhore politicamente para a Venezuela e que ela atraia investidores internacionais, como a Petrobras e outros, tais quais as companhias chinesas, da Rússia etc. Há muitas oportunidades para se investir na Venezuela e aumentar a produção.

Há muitas oportunidades para se investir na Venezuela e aumentar a produção, afirma Haitham Al Ghais Foto: PEDRO KIRILOS

A Venezuela seria capaz de aumentar o balanço de oferta da Opep?

A Venezuela precisa de investimento. Na área de petróleo, para isso ter efeito é preciso tempo, anos. Quando decidimos investir hoje, a produção chega no mínimo daqui a cinco anos. Mas isso (impacto) depende da produção atual. Sabemos que a produção é bem maior do que 600 mil barris por dia e que, imediatamente, a Venezuela pode aumentar o volume de produção em algo entre 250 mil e 300 mil barris por dia. E com mais investimentos pode ir além disso. Acho que vai ser mais porque eles têm reservas enormes de petróleo.

Para chegar a alguns milhões, como Irã e Iraque, ainda vai demorar um tempo...

Para isso têm que investir, ter mais tecnologia. Mas as reservas estão lá. A oportunidade está lá, e eles têm vontade de produzir mais.

Petroleiras do mundo inteiro anunciaram movimentos de transição energética e recuaram na sua intensidade. Como vê isso? Há transição energética nos países da Opep?

Especialmente na União Europeia, muitos países que tinham metas de transição para 2030 as postergaram para 2035. E alguns países já disseram que nem as metas para 2045 serão possíveis. Isso porque todo mundo tem que olhar essa transição energética com equilíbrio. Nós na Opep sempre dizemos que uma única forma de energia não vai sustentar o desenvolvimento econômico. O mundo vai precisar de 23% a mais de energia daqui até 2045. De todas as formas de energia, não renováveis, não só petróleo, não só gás. Porque a população mundial vai crescer. Agora somos 8 bilhões de pessoas no mundo e devemos chegar a 9,5 bilhões em 2045. A economia mundial vai dobrar de tamanho daqui até 2045. Daqui até 2030, 500 milhões de habitantes no mundo vão se mudar de áreas rurais para a cidade. São quase 50 cidades do Rio de Janeiro novas no mundo.

Mas como atender esse crescimento?

Tudo isso vai precisar de muito mais energia. Por isso na Opep sempre falamos que temos de continuar investindo no petróleo. Tudo que nos cerca é feito de petróleo. Então abandonar o petróleo assim em uma década ou duas não é possível. Hoje, 30% da matriz energética é petróleo, assim como há 30 anos.

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Como o senhor vê o potencial do hidrogênio verde, um combustível que está sendo planejado com o substituto do petróleo no futuro?

Entre nossos países membros há muitos que estão investindo em hidrogênio, na tecnologia envolvida, e em outras fontes de energia renovável. Pessoalmente eu não duvido do hidrogênio verde. Nós falamos sempre em transições energéticas, no plural. Porque cada país tem o próprio caminho para alcançar e chegar ao mesmo objetivo, que é cuidar do meio ambiente. Não pode ter um caminho para todos os países. O Brasil tem um caminho próprio, meu país, Kuwait, tem um caminho próprio, mas o objetivo para nós todos é a mesma coisa. Por isso, nós sempre dizemos que somos países exportadores de petróleo, mas também somos países investidores em energias renováveis.

Qual tipo de investimento está acontecendo nos países produtores?

Por exemplo, os Emirados Árabes Unidos, onde vai ter a COP28, têm uma companhia chamada Masdar, que investe só em energia renovável e em 40 países no mundo. Não investe dentro dos Emirados, só em outros países. Nós na Opep, temos o fundo Ofid (Opep for Internacional Development), criado em 1976, que só investe em países fora da Opep também. Até hoje temos investidos mais de US$ 25 bilhões em países que ainda não se desenvolvem na área de saúde, educação, infraestrutura e também energia renovável.

Sobre transição, como a Opep avalia a corrida pela energia renovável?

Quando a Agência Internacional de Energia traça cenários, às vezes passa a mensagem de que o mundo vai parar de investir em óleo e gás. Isso é muito perigoso, porque se o mundo não tiver bastante investimento, vai ter problema com o fornecimento no futuro, enquanto a demanda vai continuar subindo. A Opep sempre diz que essas mensagens são muito perigosas e que temos de continuar a investir. Nosso relatório diz que até o ano 2045, a indústria de petróleo vai precisar de US$ 14 trilhões, então são US$ 610 bilhões de dólares por ano em produção, refino, petroquímica, logística, tudo.

Protesto de ativistas do Greenpeace contra extração de petróleo Foto: Laurent Cipiani/AP

Como acontece a transição energética em países da Opep?

Está correndo muito bem, temos muitos países membros que estão investindo bilhões de dólares na área de energia renovável, por exemplo, no hidrogênio. Eu mencionei a Masdar, mas tem uma companhia na Arábia Saudita chamada Aqua Power, e o meu país (Kuwait) está desenvolvendo sua própria indústria solar. Vamos transformar o setor de petróleo inteiro, e a eletricidade vai ser de origem solar no Kuwait até 2030. Também estamos investindo no petróleo, e em tecnologias para reduzir as emissões. É muito importante nos lembrarmos que o acordo de Paris não é sobre escolher que tipo de energia nós temos que usar, o assunto é reduzir a emissões.

Como vê a Petrobras no cenário internacional?

Eu conheço a Petrobras muito bem, porque há mais de 32 anos eu comecei a trabalhar com petróleo e vendia petróleo do Kuwait ao Brasil. Então eu conheço muito o pessoal da Petrobras, como a companhia funciona. Vocês têm que ter orgulho de ter uma companhia com a Petrobras. É uma companhia fascinante. Com o tamanho do país, com a população desse país, a gente chega ao posto de gasolina abastece o carro vai embora, nem pensa. Vai ao aeroporto, pega seu voo e vai embora. Quem faz tudo isso aqui? As pessoas não pensam nessas coisas. É importante lembrar a importância de ter uma companhia sólida como a Petrobras. Isso permite a você nem pensar se amanhã vai ter gasolina no posto de gasolina ou não. Porque é perto de casa, é só pegar.

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E o Brasil no cenário do petróleo? Como o senhor imagina o País em alguns anos?

O Brasil tem muito potencial, vai chegar a uma produção de 5 milhões de barris de óleo equivalente por dia em 2030. Isso não é petróleo bruto, é total líquido. Então, 5,3 milhões de barris por dia é mais do que muitos países membros da Opep. A produção de petróleo fora da Opep vai ser concentrada em três países: Estados Unidos, Guiana, e Brasil, com crescimento até 2030 e, pouco depois, vai chegar a um platô de estabilidade.

Mas com a transição energética a demanda por petróleo não deve cair?

A demanda vai continuar subindo e a Opep vai ter que fornecer mais. Por isso, exatamente, a razão de nós sempre continuarmos investindo em mais produção. Por exemplo, a Arábia Saudita está investindo para chegar a 13 milhões de barris por dia de capacidade; os Emirados a 5 milhões; o Kuwait, meu país, de 3 agora para 4 milhões, e vários outros membros estão todos investindo, porque nós sabemos que no futuro a demanda para o petróleo da Opep vai subir de 32 milhões de barris por dia agora para 46 milhões de barris por dia em 2045.

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