Os maiores bancos da França anunciaram ontem, em Paris, que assinarão um acordo de cinco pontos em que se comprometem a combater as fraudes fiscais, a lavagem de dinheiro e os paraísos fiscais, além de colaborar com os novos colégios de supervisão lançados após a Cúpula de Londres do grupo das 20 maiores economias, o G-20, realizada em abril. A iniciativa, a primeira do gênero da Europa, também será levada ao Conselho Europeu, em junho, e será proposta a todos os 27 países da União Europeia (UE). Desde a falência do banco de investimentos norte-americano Lehman Brothers, em setembro de 2008, as pressões sobre o sistema bancário por seu envolvimento em paraísos fiscais são crescentes na Alemanha e França, as duas maiores economias do bloco. Encurralada pelo governo de Nicolas Sarkozy, do qual recebeu empréstimos públicos de ? 21 bilhões para garantir a liquidez de suas maiores instituições, a Federação Bancária Francesa (FBF) decidiu agiu por iniciativa própria. No documento de cinco pontos, revelado ontem pelo jornal especializado Les Echos, as instituições financeiras do país se comprometem a cooperar com o fornecimento anual de informações às autoridades de supervisão, entre as quais o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB), que passa por reformas; a aumentar a transparência de seus investimentos e filiais offshore; a reavaliar os investimentos em países listados como "não-cooperativos"; a cooperar com autoridades judiciais sobre movimentações específicas realizadas em filiais em paraísos fiscais; e a defender a expansão das regras para todo o sistema bancário na Europa. "Toda a comunidade internacional deve se engajar para editar as regras desejadas e para fazê-las respeitar", diz a FBF, em comunicado. "Nós queremos ser proativos e mostrar que os bancos têm uma atitude nova sobre esses temas, contribuindo para a elaboração de regras eficazes", explicou a diretora-geral da federação, Ariane Obolensky. Georges Pauget, presidente da FBF, foi mais longe: "Nós não esconderemos nada de nossos supervisores. Eles poderão nos questionar sobre tudo", prometeu. O critério utilizado para definir os paraísos fiscais serão as listas publicadas por órgãos como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). No dia seguinte à Cúpula de Londres do G-20, em abril, a instituição que agrupa 30 países industrializados publicou uma relação de "países não-cooperativos" sobre informações bancárias. ?LISTA CINZA? Nos dias que se sucederam, a chamada "lista negra" - integrada por Uruguai, Costa Rica, Filipinas e Malásia, paraísos fiscais que não colaboravam com o sistema internacional - foi esvaziada graças a novos tratados de intercâmbio de informações assinados às pressas. Hoje, é a extensão da "lista cinza", originalmente com 38 países - entre os quais Mônaco, Liechtenstein, Suíça e Luxemburgo - que preocupa a federação de bancos. "O uso da lista cinza é praticamente inviável em razão de sua amplitude", justificou Ariane. A OCDE já anunciou que vem trabalhando para detalhar a situação de cada país. A nova relação deve ser apresentada na próxima cúpula do G-20, prevista para ser realizada em setembro, em Nova York. Antes disso, Bruxelas deverá apreciar a adoção dos princípios anunciados pelo sistema bancário da França na próxima reunião do Conselho Europeu, em junho. O anúncio do sistema bancário francês foi recebido como uma notícia "que vai no bom sentido" pelo Ministério da Economia da França, mas provocou comentários irônicos de representantes de sindicatos do setor bancário. Desde 1974, quando do primeiro Acordo de Basileia, os bancos centrais nacionais devem ser os controladores e, em último caso, emissores de empréstimos para bancos que desejem realizar operações em sucursais no exterior, medida que, em tese, deveria ajudar a impedir a evasão fiscal. ANISTIA JUDICIAL Em média, dez grandes investidores vêm procurando o Ministério da Economia da França todos os dias para obter informações e repatriar valores depositados em contas bancárias de paraísos fiscais, como Luxemburgo, Áustria, Suíça e Liechtenstein. Há três semanas, Paris vem oferecendo aos interessados a anistia de processos judiciais, que podem resultar em penas de até cinco anos de prisão e 37,5 mil de multa. Mesmo com a isenção judicial, o governo francês impõe penas aos investidores que retornam ao país. "Não se trata de anistia fiscal", ressalta o ministro do Orçamento, Eric Woerth. Iniciativas de repatriamento de capitais alocados em paraísos fiscais não são novidade na Europa. Desde o início da década, a Itália propõe uma multa - de 2,5% para investidores privados e de 15% para companhias - sobre o valor exportado de forma ilegal em caso de repatriamento voluntário. Desde 2002, mais de ? 60 bilhões retornaram ao país, segundo cálculos do Ministério da Economia. Depois da Itália, Bélgica e Irlanda tomaram iniciativas semelhantes.
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