Publicidade

Golpes virtuais avançam na pandemia e entram na mira do crime organizado

Polícias e Ministério Público nos Estados vêm fortalecendo grupos especializados em combater crimes cibernéticos, que avançaram na pandemia

PUBLICIDADE

Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

Impulsionada pela maior presença digital da população por causa da pandemia e pela agilidade das transações bancárias, a aplicação de golpes avança no País. Investigações apontam que organizações criminosas também passaram a investir nessa modalidade. Como resposta à alta, as polícias e o Ministério Público dos Estados têm criado, ou mesmo fortalecido, grupos especializados em combater crimes cibernéticos.

PUBLICIDADE

O objetivo principal, apontam, é desarticular quadrilhas que estão investindo em aplicar desde golpes do motoboy a invasão em contas de Instagram e WhatsApp. Parte das investigações é incipiente. A tendência, porém, é que se intensifiquem nos próximos anos. Como mostrou o Estadão, só em golpes bancários o volume devem gerar prejuízos de R$ 2,5 bilhões este ano.

“Há um movimento das facções criminosas em utilizarem certos aparatos tecnológicos para movimentar dinheiro e fazer lavagem de dinheiro. Participam também de esquemas de pirâmide, usando bitcoins e outros ativos”, disse o promotor de Justiça Roberto Alvim Júnior, que coordena o CyberGaeco, do Ministério Público do Rio Grande do Sul, um dos Estados que viram os casos de estelionato triplicarem em um período de três anos, segundo dados oficiais.

Atualmente, os crimes de estelionato descritos como mais frequentes no País são o do perfil falso no WhatsApp, em que criminosos se passam por outra pessoa para pedir dinheiro emprestado, e o das falsas vendas no Instagram, em que perfis são invadidos para publicação de anúncios de produtos que não existem. Os tidos como “clássicos”, como falsos leilões e ofertas de emprego ilusórias, também seguem sendo aplicados.

Publicidade

Os golpes avançaram principalmente na pandemia, afirma Alvim Júnior, já que mais pessoas passaram a recorrer a soluções digitais. Os criminosos, então, seguiram esse movimento e sofisticaram as ferramentas. “A partir do momento em que o smartphone ficou bem mais popularizado, que se consolidou a rede 4G e os aplicativos de banco permitiram mais ações dos usuários, os golpes passaram a se propagar.”

Os crimes de estelionato descritos como mais frequentes no País são o do perfil falso no WhatsApp e o das falsas vendas no Instagram  Foto: FOTO TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Segundo o promotor de Justiça Mauro Ellovitch, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o perfil falso no WhatsApp é o golpe mais recorrente no Estado - foram 32,9 mil registros de estelionato por meio do aplicativo de janeiro a setembro do último ano. Em ação recente, a Coordenadoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos (Coeciber) prendeu uma quadrilha que aplicava golpes do tipo. “Eles usavam como base para aplicar o crime dados vendidos por empresas de big data para score de crédito”, explicou. Após os vazamentos, por infiltrados ou obtidos por meio de hackers, entra em ação um mercado de comercialização de dados entre quadrilhas, o que facilita os golpes.

A partir do momento em que o smartphone ficou bem mais popularizado, que se consolidou a rede 4G e os aplicativos de banco permitiram mais ações dos usuários, os golpes passaram a se propagar

Roberto Alvim Júnior, que coordena o CyberGaeco, do Ministério Público do Rio Grande do Sul

Perfil das vítimas

Muitos dos crimes de estelionato, que dobraram no Estado em três anos, afirmou Ellovitch, são feitos por organizações criminosas estruturadas, algumas delas ligadas a grandes facções. “A gente já identificou quadrilhas ligadas ao PCC (Primeiro Comando da Capital), ao Comando Vermelho. Os crimes cibernéticos são crimes de baixo risco, grande lucro e para os quais o Estado ainda não se estruturou adequadamente para reprimir. O criminoso vê isso como oportunidade, como um mercado a ser explorado.”

Como o Estadão revelou em abril, os altos lucros obtidos por quadrilhas que fazem roubos por meio do Pix, ferramenta de pagamento instantâneo, atraíram a atenção do PCC, conforme investigação da Polícia Civil de São Paulo. O Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) identificou que a facção atua no controle de crimes de transferência de dinheiro com celulares roubados, após rastrear uma célula na Bela Vista, região central.

Publicidade

“Temos visto desde crimes de estelionato cometidos de forma aleatória a alguns cometidos após vazamento de dados”, afirmou o delegado André Junji, da 2ª delegacia especializada em crimes cibernéticos do Deic. Anteriormente, o departamento contava com apenas uma delegacia especializada em crimes cibernéticos. Hoje, são quatro. Cerca de 70 policiais trabalham diretamente só com essa modalidade.

As quadrilhas costumam mirar pessoas com dois perfis: idosos, que estão mais suscetíveis a não ter familiaridade com novas tecnologias, e pessoas que normalmente fazem muitas tarefas ao mesmo tempo. “Esse segundo perfil são pessoas que perceberiam o golpe em situações mais tranquilas. Mas na correria do dia a dia, em que vão fazendo tudo no automático, acabam caindo”, disse Douglas Vieira, titular da Delegacia Especializada de Defraudações (Defa), da Polícia Civil do Espírito Santo.

Dificuldades

”Vi casos em que os criminosos conseguem disparar de 5 a 6 mil mensagens por minuto para números diferentes, isso para ver quem cai no golpe”, afirmou Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Como as quadrilhas não precisam estar no mesmo local da vítima, há dificuldades extras para as polícias. “Um sujeito no Rio consegue aplicar um golpe em São Paulo, um sujeito no Acre consegue aplicar um golpe na Bahia. É preciso ter uma regulação muito maior da abertura de contas e uma desburocratização da investigação criminal.”

Delegado-chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos da Polícia Civil do Distrito Federal, Giancarlos Zuliani destaca que as quadrilhas especializadas em crimes de estelionato podem ser formadas por membros de diferentes Estados. “A pessoa que manda mensagem é um criminoso, a pessoa que arruma uma conta laranja para receber o dinheiro conta é outra e o líder costuma ser quem conversa com quem faz a fraude e com quem recruta as contas”, disse. “Apesar de ter a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), a gente percebe que na prática existem vários sites vendendo dados das pessoas.”

Publicidade

Brasil tem 3.465 casos por dia

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Nenhum crime cresce tanto no País quanto os golpes. Dados reunidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que os registros de estelionato praticamente triplicaram em um período de três anos. As ocorrências foram de 426.799, em 2018, para 1.265.065, no ano passado - o que corresponde a 3.465 casos por dia. Em números absolutos, São Paulo lidera. Em termos proporcionais, destacam-se Distrito Federal e Paraná.

No recorte de golpes aplicados especificamente por meios eletrônicos, o aumento registrado no período é ainda maior: o número de ocorrências passou de 7.591, em 2018, para 60.590, no último ano. Apesar da diferença expressiva, a modalidade ainda é considerada muito subnotificada, uma vez que pouco mais da metade das unidades federativas destaca essa variação nas estatísticas.

A mais recente edição do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em junho, aponta que o Estado que mais registrou golpes em 2021 em números absolutos foi São Paulo, com 382.110 notificações - 1.046 casos diários. A Secretaria de Segurança Pública informou também levar em conta boletins com tentativas de aplicar o crime.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.