BRASÍLIA - O diretor de política monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmou nesta terça-feira, 25, que a autoridade monetária não tem de discutir a meta de inflação, atualmente fixada em 3% ao ano, e que precisa ter segurança de que os juros estão em patamar restritivo o suficiente para a convergência da inflação.
“A função do BC não é ser tomador de risco, é ser mais cauteloso e ter alguma segurança de que a taxa de juros está no patamar restritivo o suficiente para colocar a inflação na meta”, disse durante evento promovido pela Warren Investimentos sobre a condução da política monetária em ambiente mais adverso.
Galípolo reiterou que, na política monetária, nada será usado como pretexto para se esquivar de perseguir a meta. “De maneira alguma vai se usar o fiscal como muleta ou desculpa para que não se persiga a meta de inflação”, disse.
Ele pontuou que há fatores que o BC não pode controlar e que impactam a inflação e as expectativas. “Você pode atingir a meta com mais custo ou menos custo, a depender desses fatores. O fato é que o Banco Central tem ferramentas para perseguir e atingir a meta e ele vai utilizá-las”, disse.
Ele afirmou que a condução da política fiscal já surgia no debate da autoridade monetária quanto se discutiam os cortes de 0,5 ponto porcentual na taxa Selic. “O que a gente vem assistindo é que temos uma dissonância entre como vem se apresentando a inflação corrente e como vem se apresentando as expectativas”, disse.
Galípolo comentou que a vivência que teve nos seis meses em que foi secretário-executivo do Ministério da Fazenda foi ver como a realidade política se impõe. “Na posição em que estou, de diretor de política monetária, tento evitar comentar a política fiscal”, disse. Uma das razões é institucional, de respeitar os limites de cada órgão, segundo ele.
O diretor entende que cabe ao BC, e que a autoridade monetária vem fazendo isso, reafirmar o que é o arcabouço legal e institucional da política monetária no País. “Cabe ao poder democraticamente eleito estabelecer meta de inflação para a autoridade monetária, que é o Banco Central. Cabe ao BC colocar a taxa de juros num patamar restritivo pelo tempo suficiente para atingir meta. É disso que se trata”, disse.
“A pergunta para mim é: se as coisas piorarem, o Banco Central vai agir? Sim, com certeza. E se as coisas melhorarem, o Banco Central vai reagir? Sim, também. Deixar as coisas em aberto já é uma linha que determina isso”, pontuou. Ele reiterou que, se o ambiente demandar a manutenção dos juros, eles serão mantidos. Caso a exigência seja por elevação dos juros, eles serão elevados. Por fim, se houver necessidade de corte de juros, eles serão reduzidos.
Segundo Galípolo, com o mercado de trabalho mais apertado, o processo de desinflação pode ser mais lento. Além disso, discussões que entraram na ata do Comitê de Política Monetária (Copom), como o patamar do juro neutro e hiato do produto, são discussões globais, não restritas ao Brasil.
Ele avaliou que o relatório Focus é uma ferramenta “ultra-relevante” para guiar a política monetária, e que o BC, em sua institucionalidade, sabe consumir a pesquisa e avaliar eventuais dissonâncias.
Ata do Copom
O diretor do BC afirmou que o Copom usou a palavra interrupção para posicionar o colegiado em relação ao ciclo de juros para deixar o cenário aberto, sem fixar uma guidance (orientação).
Ele afirmou que se ateria o máximo possível à comunicação oficial, com o que saiu no comunicado ou ata, porque qualquer fala dissonante seria interpretada como um deslize e tanto ata quanto comunicado representavam plenamente o que estava em sua cabeça.
“A palavra que usamos é interrupção, mas claramente não queremos fazer nenhum guidance a frente. Usamos a palavra interrupção, mas vamos deixar aberto para ver como as coisas vão se desdobrar”, disse ao ser questionado se o ciclo de corte de juros havia sido interrompido ou encerrado.
Galípolo disse que, desde o Copom de maio, em que houve a divisão do colegiado, ele vinha afirmando que o tempo jogaria a favor do BC e que não havia divergências sobre o diagnóstico de cenário. “A ata é uma reafirmação e corroboração nesse sentido da coesão que temos aqui dentro, do que está acontecendo no BC”, disse.
Segundo ele, o BC tenta ser transparente com o mercado em relação ao que está se observando, e o foco em expectativas é um dos elementos que mais incomoda. Ele ponderou que não pode falar em nome dos demais diretores, mas que sente que esse incômodo sobre a desancoragem afeta a todos.
“Passamos, no último ciclo, a dar mais ênfase à desancoragem das expectativas”, disse. Ele explicou que a desancoragem das expectativas não é o único elemento que fundamenta a interrupção do ciclo de corte de juros. “Tivemos uma mudança bastante acentuada no cenário de câmbio, do ponto de vista de inflação implícita, de taxa de juros longa, de demonstração de economia com dinamismo mais resiliente. Todos esses elementos juntos fundamentaram isso”, disse.
Em sua avaliação, a partir da reprecificação da política monetária dos Estados Unidos, foi observado em vários pares a elevação dos prêmios de risco. O que colocava o Brasil em situação delicada era a continuidade da desancoragem das expectativas mesmo com elevação da taxa de juros terminal.
Coesão entre os diretores
O diretor do BC afirmou ainda que existe “coesão” entre os membros do Copom. Na avaliação dele, a unidade nas avaliações vai ficar mais clara à medida que o tempo passar. “Com o tempo, vai ficar cada vez mais claro que existe essa coesão, que é própria de quem está submetido aos mesmos dados o tempo todo, debatendo e em um ambiente de muita honestidade intelectual”, disse.
Galípolo defendeu que o consenso é importante porque a chance de os nove membros do Copom errarem é menor do que de um diretor errar sozinho. Mesmo assim, disse considerar importante que cada um dos membros vote de forma coerente com o que acredita, e que o consenso “não vire um escudo” para evitar críticas.
“Quando eu entrar numa reunião do Copom pensando que vou fazer isso ou aquilo com receio de tomar críticas de A ou de B, eu vou começar a empilhar decisões equivocadas e vou ter muita dificuldade”, disse. “Ser criticado ou não ser criticado não é uma opção, a gente não controla isso. A única coisa que a gente controla é ter a coerência para poder ter paz de espírito e fazer aquilo que a gente realmente acredita.”
O diretor acrescentou que as reuniões do Copom se dão em ambiente tranquilo e que isso foi verdade mesmo no encontro de maio, quando houve uma divisão dos membros. Ele lembrou que a divergência entre um corte de 0,5 ou 0,25 ponto porcentual ocorreu no intervalo de confiança dos modelos.
Galípolo ainda acrescentou que, embora tivesse votado por um corte de 0,5 ponto porcentual na Selic em maio, defendeu os méritos dos diretores que votaram por um corte menor, de 0,25 ponto. Também fez um elogio à equipe técnica do BC e ao diretor de Política Econômica, Diogo Guillen, dizendo que os dados compilados por eles dão “muita segurança” na hora de definir os juros.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.