BELO HORIZONTE E BRASÍLIA - O diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse nesta segunda-feira, 19, que jamais sofreu pressão do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para tomar uma atitude em determinada direção. O chefe do Executivo é um dos mais contumazes críticos dos juros altos.
Galípolo é cotado como sucessor de Roberto Campos Neto no comando da instituição em 2025. A partir do próximo ano, o colegiado será composto, majoritariamente, pela primeira vez neste mandato, de integrantes indicados pelo petista.
O diretor do BC falou sobre o tema durante evento em Belo Horizonte quando foi questionado por um participante sobre a possibilidade de interferência política sobre o comitê, alegando estar preocupado com o “voluntarismo do presidente”. “Não. O que eu posso fazer é dar um testemunho no sentido contrário. Eu jamais me senti pressionado a fazer qualquer tipo de atitude, a partir da minha indicação no Banco Central”, garantiu.
Para Galípolo, o presidente da República tem tido uma atitude “absolutamente republicana”, argumentando que tem ido a público fazer um debate sobre os juros. “O presidente fala o que ele pensa publicamente. Acho que isso tem sido claro nas últimas entrevistas dele. Eu jamais me senti pressionado pelo presidente a fazer qualquer tipo de atitude”, afirmou.
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O diretor do BC disse que a entrevista do presidente Lula, na semana passada, com a indicação de que os diretores do órgão vão trabalhar na normalidade “foi importante”. À Rádio Gaúcha, na última sexta-feira, 16, o presidente disse que a pessoa que vai indicar como novo presidente do Banco Central vai precisar ter “compromisso com o povo brasileiro” e “coragem” para alterar a Selic sempre que for necessário.
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“Na hora que precisar reduzir a taxa de juros, ele vai ter de ter coragem de dizer que vai reduzir. Na hora que vai aumentar, ele vai ter de ter a mesma coragem de dizer que vai aumentar”, afirmou o presidente.
Galípolo avaliou ainda que todas as vezes em que são renovadas a liberdade e a autonomia do Banco Central, é permitido que elas ajam com mais atuação técnica. O BC recebeu autonomia operacional há dois anos e, neste momento, há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para conceder também autonomia financeira à instituição. Toda a diretoria do BC já se declarou favorável à PEC 65, mas o governo não tem pressa na sua votação.
BC tem de perseguir meta de 3% e as expectativas estão acima disso
Galípolo afirmou que o BC seguirá firme no objetivo de perseguir a meta de 3% da inflação, em meio à postergação do início do ciclo de baixa da taxa de juros dos Estados Unidos, à piora das expectativas de inflação no Brasil e à retomada da atividade econômica brasileira. Para alcançar o objetivo, toda a diretoria se põe à disposição de elevar juro sempre que necessário, disse.
“Não há centro da meta. O BC tem de perseguir a meta de 3%, e as expectativas estão acima disso. A ata do Copom deixou bem claro que nós estamos dependente de dados, e como eu falei, existe um rol de dados que vão ser publicados (até a próxima reunião), e as alternativas estão abertas”, disse.
Segundo ele, a inflação projetada para os próximos 18 meses está acima da meta, como afirmado na ata. “Eu disse que inflação acima da meta significava que variáveis estão desconfortáveis”, afirmou. Ele ainda mencionou que a inflação no setor de serviços também roda em patamar acima da meta e igualmente desconfortável.
Segundo o diretor, os limites de tolerância do intervalo do alvo do regime em vigor no País não existem para reduzir o esforço da política monetária. Cabe ao BC perseguir a meta, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). “Melhor fica o arcabouço do BC quanto mais respeitarmos esse conceito.”
Ainda de acordo com ele, foi muito importante ter conseguido afastar ceticismo sobre eventual alta de juros. “Havia leitura do mercado de que o BC jogava com uma das mãos amarradas. Havia ceticismo quanto à disposição do BC de aumentar a taxa de juros. A leitura era que o BC estava impossibilitado de usar ferramentas da política monetária.”
Piora nas expectativas gera incômodo no BC
O diretor do Banco Central afirmou que “a piora nas expectativas por si só já gera incômodo significativo para o BC”. Ele citou a “redução marginal” nas projeções do mercado para o IPCA de 2025, segundo pesquisa Focus divulgada nesta segunda.
Galípolo afirmou que os integrantes do BC estão dependentes de dados e abertos a juro alto por mais tempo ou elevação. “Colocamos na mesa a possibilidade de elevação da taxa de juros”, reforçou.
O diretor citou ainda que, num período de três reuniões, o BC saiu de ciclo de flexibilização para um sinal de juro mais restritivo. “A elevação das expectativas de inflação foi acompanhada de aumento do juro esperado. O mercado agora espera mais inflação e juros mais altos.”
BC está a quatro semanas da reunião do Copom e precisa observar dados
O diretor do Banco Central disse que seria um equívoco tentar antecipar o que Copom vai fazer a partir de uma variável. “Está colocada a possibilidade de alta da Selic, mas faltam quatro semanas para reunião. Estamos a quatro semanas do próximo Copom, precisamos observar vários dados.” Segundo ele, o BC sempre está em posição de não tomar risco, de não ser pego de surpresa.
Ele comentou também que alterações recentes nos cenários econômicos global e nacional levaram a uma mudança de perspectiva para a taxa de juros nos próximos meses. Além disso, disse que é um equívoco acreditar que o Banco Central vai decidir sobre a elevação das taxas de juros na próxima reunião a partir de um único cenário.
“Tivemos mudanças de cenário muito abruptas. O cenário está aberto para a próxima reunião. Vamos observar IPCA, IPCA-15, Caged, Pnad, PIB, lá fora, a própria fala do presidente do Federal Reserve.”
Indicadores de atividade econômica são pontos de atenção
Galípolo disse que a melhora das perspectivas para a atividade econômica é um dos pontos de atenção, e o BC tem por função “tomar os cuidados para que esses indicadores não se transformem em um desarranjo”.
Segundo ele, uma série de dados que vem demonstrando uma surpresa do ponto de vista da atividade econômica, como o menor nível de desemprego desde 2014, um crescimento da renda e um mercado de trabalho apertado por diversas métricas. Ele citou ainda o PIB, revisado sistematicamente para cima das expectativas de crescimento.
“Obviamente que, todos nós, inclusive que estamos lá no Banco Central, entendemos como um êxito a possibilidade que as pessoas possam ganhar mais dinheiro, possam ter mais oportunidades, encontrar mais emprego. Ninguém tem nenhum tipo de sentimento perverso para torcer pelo contrário”, comentou.
“Mas a função do Banco Central, o Banco que deve zelar pela inflação, é tomar cuidado para que esses indicadores não se transformem em um tipo de desarranjo que sinalize o crescimento da demanda numa velocidade muito descompassada do crescimento da oferta”, disse o diretor do BC. “O BC tenta dissecar quanto economia aquecida está sendo repassada para preços.”
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