Exportador brasileiro tem lucro baixo mesmo com real desvalorizado; entenda

Entre 2012 e 2022, a rentabilidade das exportações cresceu apenas 7,3%

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Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Foto do author Anna Carolina Papp
Atualização:

SÃO PAULO E BRASÍLIA – Em uma década, o ganho do exportador brasileiro ficou praticamente estagnado, mesmo com a forte desvalorização do real nesse período. Na prática, o empresário viu a perda de valor da moeda – uma cobrança tão recorrente da indústria – ser corroída por aumentos de custos externos e internos.

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Na comparação entre o acumulado de janeiro a novembro de 2022 com o mesmo período em 2012, a rentabilidade das exportações ficou praticamente estagnada: cresceu apenas 7,3%, mostram dados compilados pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) obtidos com exclusividade pelo Estadão. Nesses 10 anos, a taxa média do dólar subiu de R$ 1,95 para R$ 5,15.

Nesse período, o comércio exterior do Brasil lidou com diversos cenários. Houve épocas de forte valorização da moeda brasileira e de queda de preços no comércio global. Mais recentemente, a conjuntura é de real desvalorizado e alta de preços globais. Em tese, a desvalorização do real beneficia o exportador, pois torna os produtos, comercializados em dólar, mais competitivos no mercado externo. Mas há outros fatores nessa equação.

“Depois do início da covid, houve uma tendência de alta dos preços dos produtos que o Brasil exporta e uma depreciação do real, mas o custo corroeu todo o ganho dessas duas variáveis”, afirma Daiane Santos, economista da Funcex e autora do levantamento.

A pandemia de covid-19 provocou uma desorganização do comércio internacional, com interrupção nas cadeias globais de fornecimento. O resultado foi um aumento dos custos de se fazer negócio entre os países, com preços mais altos de insumos e commodities. O frete e o aluguel de contêineres para a exportação também encareceram. Esses custos são em dólar – e, portanto, aumentam com a desvalorização do real.

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O que os dados da Funcex mostram, portanto, é que, sozinha, a desvalorização cambial não foi capaz de elevar o ganho do exportador e que um aumento da rentabilidade também passou a estar atrelado à dependência de insumos importados em cada setor.

Nos setores não industriais, como a agropecuária, por exemplo – em que há uma dependência menor de insumos importados – houve um ganho de 26% na rentabilidade de 2012 para 2022, aponta o estudo. Na indústria extrativista, foi registrada uma queda de 10%. Na de transformação, a alta foi de 6%.

“No setor de alimentos, papel e celulose, a desvalorização cambial até ajuda, mas isso não é verdade para parte da indústria que depende de muito insumo importado”, diz Renato da Fonseca, superintendente de desenvolvimento industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “No início do século, naquele período de forte valorização do real, entre 2004 até a crise de 2008/2009, houve uma mudança significativa, com o aumento da participação de insumos importados em vários setores”, acrescenta.

Brasil precisa resolver gargalos para melhorar ganho do exportador Foto: Werther Santana/Estadão

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), destaca que o déficit da balança comercial brasileira de manufaturados – ou seja, a diferença entre os manufaturados que o Brasil exporta e os que importa –, vem crescendo de forma contínua. “No ano passado, atingimos um recorde: um déficit de US$ 128 bilhões. Isso mostra quantos milhões de empregos estamos deixando de gerar”, observa.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em 2022, 90% de todas as importações brasileiras foram compostas por insumos, bens intermediários e bens de capital. No levantamento mais recente da CNI, divulgado em dezembro passado, a participação de insumos importados chegou a 24,3% do total utilizado pela indústria. Em 2019, correspondia a 22,7%.

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“Na pandemia, esse impacto foi forte, porque houve um aumento da energia – nós vimos o que aconteceu com os preços dos derivados de petróleo –, e uma alta em diversos insumos, sendo que no caso de chips, por exemplo, eles seguem em falta na indústria automobilística”, afirma Fonseca.

Inflação de dois dígitos

No ramo de máquinas e equipamentos, o aumento de custos dos últimos dois anos mitigou a melhora dos números de exportações – os dados da Funcex mostram uma rentabilidade estagnada na última década. A inflação do setor foi de 17,6% no ano passado e de 25% em 2021.

Com a pandemia, os empresários do setor enfrentam aumento de custos com plásticos e aços, num cenário em que é difícil absorver esses impactos. O preço de venda de uma máquina é fechado antes do embarque do produto.

“A desvalorização cambial não acompanhou”, afirma José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). “Todo aumento de custo, com frete e container, não é possível de ser repassado.”

E o que fazer?

Há um consenso entre os especialistas de que o Brasil tem um longo caminho a percorrer se quiser garantir um ganho maior para o exportador. Há sempre o chamado Custo Brasil – expressão utilizada para se referir a um conjunto de dificuldades estruturais que atrapalham o crescimento do País. “O Custo Brasil envolve insegurança jurídica, o aspecto tributário, problemas de logística. Se não reduzir esse custo, nós vamos sempre exportar commodity e pouco produto manufaturado”, diz Castro.

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Fonseca, da CNI, diz que, se atacado pelo governo, o Custo Brasil, que se estende há décadas, pode ajudar a reduzir problemas internos – mas que se trata de um processo gradual. “A melhora não é um processo do dia para a noite”, diz. Ele aponta que se o governo der indícios de uma modernização da economia, os empresários podem voltar a investir no País, o que ajudaria a reduzir os custos para os exportadores, beneficiando o comércio externo brasileiro.

Na lista de prioridades está a reforma tributária, que pode ajudar a reduzir o custo das exportações. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, montou um grupo de trabalho sobre o tema, como mostrou o Estadão, e prometeu enviar uma proposta ainda no primeiro semestre. O compromisso com a reforma foi reforçado ontem pelos reeleitos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A proposta, porém, deve enfrentar resistências no Congresso.

“A reforma tributária é uma sinalização importante, inclusive para as multinacionais, que, em vez de irem embora, vão voltar a investir aqui dentro”, diz Fonseca.

Procurado, o MDIC, por meio da Secretaria de Comércio Exterior, afirma que a competitividade das exportações depende diretamente do aumento da competitividade da própria produção brasileira. “Isso passa por reforma tributária, investimentos em logística, qualificação de mão de obra e incentivos à inovação”, diz a nota. A secretaria também destaca a necessidade de “redução de burocracia, diminuição de barreiras comerciais, ampliação de acordos internacionais e fortalecimento de mecanismos que evitem que a empresa brasileira exporte tributos.”

Com o vice-presidente Geraldo Alckmin à frente do MDIC, o presidente da AEB avalia que o governo deve endereçar esses entraves. “O Alckmin é uma pessoa que tem uma abertura muito grande. Já foi governador, conhece os problemas. Não sei se vai conduzir reduzir esses custos, mas pelo menos ele fala o nosso idioma, o que é muito importante”, afirma Castro. “É uma força política que pode nos ajudar a destravar algumas pendências que nós temos nos últimos anos.”

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