Ganhos atípicos do Master chamam atenção de auditoria e turbinam lucro do banco em 2024

Auditoria vê ‘nível maior de incerteza’ na participações do banco em fundos e analistas destacam impacto de receitas não recorrentes em métricas para ampliar empréstimos; procurado, o Master não se manifestou

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Atualização:

BRASÍLIA – O lucro apresentado no balanço do Banco Master, na noite desta terça-feira, 1º, foi obtido por meio de efeitos atípicos, que ajudaram a turbinar o resultado e são alvo de desconfiança de agentes do mercado bancário, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão que analisaram os números. Alguns desses elementos foram apontados como uma fonte de incerteza pela KPMG, que assinou e aprovou a auditoria do balanço.

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O banco está nos holofotes do mercado financeiro após receber uma oferta de compra pelo Banco de Brasília (BRB), banco estatal do Distrito Federal (DF), na última sexta-feira, 28. O negócio, que consiste na aquisição de 58% do capital total do Master, é estimado em R$ 2 bilhões e ainda precisa ser aprovado pelo Banco Central (BC) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Procurado, o Banco Master não se manifestou.

Daniel Vorcaro, fundador do Banco Master Foto: Divulgação Banco Master

O Estadão conversou com quatro analistas sobre o balanço do Master, sendo que três pediram anonimato. Em resumo, a prática que turbinou os resultados do Banco Master consiste em usar participações em fundos e outros tipos de receitas sem detalhar a forma como precificou esses ativos, o que permite à instituição ter capital para fazer frente às obrigações impostas pelo Banco Central para conceder empréstimos.

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Participação de fundos com ‘nível maior de incerteza’

Nas avaliações dos especialistas, o primeiro elemento apontado como fonte de incerteza diz respeito às participações do banco Master em fundos de investimentos. Segundo a KPMG, o banco possuía R$ 19,55 bilhões nesses fundos – o que representa cerca de um terço do total de ativos.

Há pouca transparência sobre o resultado desses fundos, que, como registrado pela auditoria, “investem substancialmente em ativos que não são ativamente negociados”. Em outras palavras, ativos com pouca liquidez (ou seja, que não podem ser vendidos em tempo curto), que elevam a incerteza em relação ao preço que foi contabilizado no balanço.

“A determinação dos valores de mercado dos ativos investidos pelos fundos de investimentos, cujos preços ou parâmetros de mercado não são observáveis, está sujeita a um nível maior de incerteza, especialmente em relação à definição do risco de crédito e de realização de tais ativos”, diz a KPMG. Ainda assim, a auditoria não fez ressalvas.

BRB faz oferta para comprar o banco Master: entenda o que está em jogo

3:10

Master levanta preocupação por fortes emissões de CDBs com juros acima da média

Os ativos de pouca liquidez do Master foram motivo de preocupação pela agência Moody’s, que soltou relatório nesta quarta-feira classificando a aquisição pelo BRB como uma operação de “alto risco”.

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“Os riscos de execução e integração incluem também o estatuto público do BRB, que implica uma estrutura de governança complexa, e a carteira de empréstimos altamente concentrada do Master, parte da qual está estruturada em fundos de investimento em valores a receber ilíquidos.”

‘Compra vantajosa’ do banco Voiter

Outro ponto destacado é o valor que o Master atribuiu à compra do banco Voiter, que entrou no seu balanço a preço superior ao custo de aquisição pelos controladores. A KPMG registrou que a “compra vantajosa” do Voiter rendeu R$ 435,55 milhões ao Master no ano passado – quase a metade do lucro registrado pelo banco, de R$ 1,068 bilhão.

Esse ganho atípico com a entrada do Voiter no balanço do Master elevou o patrimônio líquido e contribuiu para que o banco mantivesse os índices exigidos pelo Banco Central para seguir emprestando, embora bem próximo do limite mínimo. De 2023 a 2024, o patrimônio líquido do banco saltou de R$ 2,38 bilhões para R$ 4,74 bilhões.

O Master informou que o índice de Basileia – uma relação entre o patrimônio do banco e o que ele tem em ativos, como empréstimos a receber, por exemplo – ficou em 11,5% em 2024. O mínimo exigido pelo BC é de 11% (ou seja, é preciso que para cada R$ 100 emprestados, o banco tenha no mínimo R$ 11) . Isso permitiu que o Master seguisse fazendo empréstimos.

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R$ 5,4 bi vendidos ao BRB em 2025

Boa parte dessa carteira de empréstimos foi vendida ao BRB antes mesmo do anúncio de compra do Master anunciado na última sexta-feira, 28. Foram cerca de R$ 8 bilhões em empréstimos vendidos ao banco estatal do DF no ano passado.

Segundo apurou o Estadão, mais R$ 5,4 bilhões foram vendidos ao BRB no início deste ano. Há dúvidas, porém, sobre qual tipo de empréstimo foi revendido, uma vez que o balanço do Master mostra que só havia R$ 919 milhões emprestados em crédito consignado (o de melhor qualidade) em dezembro.

O patrimônio do Master também ganhou reforço com a precificação (para cima) dos precatórios – títulos de dívida que têm origem em decisões judiciais contra o governo – que estão no balanço. A valorização deles foi de 15% no ano passado, o que chamou a atenção de analistas ouvidos pela reportagem.

Não há detalhes sobre prazo em que esses precatórios serão executados, nem mesmo o valor de cada um deles. A auditoria da KPMG registrou essa baixa transparência no balanço do Master, mas se deu por satisfeita ao observar informações internas sobre os direitos sobre esses títulos.

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Segundo Luis Miguel Santacreu, da consultoria Austin Rating, especializada em analisar contas de instituições financeiras, sem o ganho atípico obtido por meio da incorporação contábil do Voiter e a venda de carteiras de crédito para o BRB, o Master não atingiria o requisito mínimo exigido pelo BC no índice de basileia. Na prática, o banco não conseguiria operar no mercado de crédito.

“Quase que 43% do lucro do Master veio de um ganho que não é um resultado recorrente. Então, o que isso denota? Que ele não terá esse lucro no patamar de R$ 1 bilhão daqui em diante. Isso é uma coisa que aconteceu extraordinariamente”, afirma o analista.

“O patrimônio, no final do ano, cresceu com a ajuda de um ganho não recorrente no lucro do banco. Cerca de 40% do (aumento do) lucro do Master adveio de um ganho não recorrente. Isso contribuiu para melhorar as métricas de basileia em 2024.″

Por que preocupa fundos controlarem um terço dos ativos do Master?

O balanço mostra que dos R$ 19,5 bilhões de ativos em fundos, o Master tinha R$ 10,2 bilhões em fundos de dívidas de empresas (FIDCs) e R$ 8,1 bilhões em fundos multimercados.

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Ambos não têm saque rápido, o que pode ser um problema adicional para um banco que tem R$ 7,6 bilhões a honrar em CDBs – títulos de dívida – ainda no primeiro semestre deste ano, como mostrou o Estadão/Broadcast. O Master se notabilizou em oferecer CDBs a pessoas físicas prometendo pagar até 140% do CDI – ou seja, uma captação cara e com rentabilidade bem acima da média do mercado.

Os bancos costumam fazer esses pagamentos de curto prazo usando como poupança títulos do governo, que são mais seguros e têm liquidez imediata. O balanço mostra que o Master tinha apenas R$ 3,7 bilhões nesse tipo de papel. Mas, para entregar os altos rendimentos prometidos, a rentabilidade dos títulos do governo não bastaria.

Não é possível determinar quais são as dívidas de empresas ou os papéis que compõem esses fundos no balanço do Master. Santacreu afirma que esses fundos podem render mais ao banco para fazer frente aos seus compromissos, mas ressalta que a liquidez não é imediata.

“Esses dois tipos de fundos, com essa magnitude na carteira de títulos (do Master), é muita coisa. No patrimônio desses fundos cabe qualquer coisa, principalmente no multimercado. Então, isso mostra que não há liquidez, a não ser que ele esteja aplicando num fundo multimercado com resgate em D30 (30 dias). Ou, pelo lado pessimista, comprando cotas de multimercado com ativos de baixa liquidez. Isso seria uma gestão não adequada da liquidez – ou seja, não seria adequado para pagar depositantes no curto prazo.”

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