Na avaliação do economista Eduardo Giannetti, o governo brasileiro precisa abandonar a ideia de que o reajuste do salário mínimo vai solucionar o problema da desigualdade do País. De acordo com ele, o que vai transformar o cenário do Brasil é crescimento econômico, melhora do nível da educação e aumento da produtividade.
“A política de ganho real salário mínimo é bem-vinda do ponto de vista distributivo para quem está no mercado de trabalho”, afirma. “Mas mesmo aí não se pode ter ilusão de que a desigualdade obscena que existe no Brasil será corrigida à base de aumento de salário mínimo.”
Com uma enormidade de trabalhadores com baixa qualificação de mão de obra, Giannetti diz que existe uma pressão por baixa remuneração, como uma “lei da gravidade na economia”. “Se o País não resolver esse problema, transferências de renda podem atenuar e dar o mínimo de dignidade, mas não vão dar conta do tamanho da desigualdade que esse País tem.”
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A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Em entrevista ao ‘Estadão’ na semana passada, o ministro Fernando Haddad foi contra a proposta da ministra Simone Tebet de desvincular o reajuste das aposentadorias do aumento do salário mínimo. Ela está sozinha nessa briga?
Eu me pergunto se ele falou que era contra a ideia porque não pode se expor sem algum tipo de chancela vinda do alto. Ele se exporia demais ao fogo amigo do PT, ao qual ele já está exposto, se ele saísse nesse momento a campo defendendo isso.
Mas eu acredito que a piora das contas públicas, a dificuldade de geri-las, levará a um amadurecimento dessa questão no Brasil, como aconteceu com a Previdência. O PT não suportava ouvir falar em reforma da Previdência, mas no final a reforma foi feita, embora limitada, mas de maneira positiva. E contou com aprovação da ampla maioria da sociedade brasileira, coisa inédita. Eu imagino que essa questão da Lei de Say das finanças públicas possa seguir um roteiro parecido.
O que o sr. acha dos argumentos a favor da vinculação das pensões ao salário mínimo e dos gastos obrigatórios?
É uma falácia achar que a vinculação obrigatória dá conta do nosso desafio e também que a correção automática seja o caminho adequado para o país que quer organizar as suas contas públicas e quer dar oportunidades de emprego e geração de renda no mercado para um número maior de brasileiros.
O Naercio (Menezes Filho) escreveu um artigo no jornal Valor Econômico com números muito impressionantes: dos 215 milhões de brasileiros, aproximadamente 150 milhões dependem diretamente do valor do salário mínimo. É uma coisa extraordinariamente impactante. A conta inclui quem ganha até dois salários mínimos no mercado de trabalho e todos aqueles que têm previdência, benefício e assistência social corrigidos pelo salário mínimo.
A política de ganho real salário mínimo é bem-vinda do ponto de vista distributivo para quem está no mercado de trabalho. Mas mesmo aí não se pode ter ilusão de que a desigualdade obscena que existe no Brasil será corrigida à base de aumento de salário mínimo.
Por quê?
Eu dou um exemplo que capta um pouco o fundamento dessa ideia. Por que uma faxineira no Brasil ganha aproximadamente um quarto ou um quinto do que ganha sua colega que faz exatamente o mesmo serviço no Canadá? Será que o patrão brasileiro é mais ganancioso, é mais egoísta, não paga direito?
Vamos supor que o empregador canadense resolva pagar para faxineira o que a brasileira ganha no Brasil, uma vez que o serviço é o mesmo. O que vai acontecer? Essa faxineira imediatamente vai pedir as contas e não vai aceitar. Ele não vai encontrar alguém disposto a trabalhar pelo que ganha uma faxineira no Brasil. Agora, vamos supor que uma faxineira no Brasil resolva pleitear um salário digno, como o da sua colega canadense. Mesmo que trabalhe na CUT, se ela fizer isso, vai perder o emprego. E ela não vai conseguir encontrar um emprego que pague o que ganha legitimamente a sua colega no Canadá.
Enquanto a gente tiver alguma oferta abundante de mão de obra não qualificada, existe uma pressão baixista da remuneração do trabalho que é uma lei da gravidade na economia. Se o País não resolver esse problema, transferências de renda podem atenuar e dar o mínimo de dignidade, mas não vão dar conta do tamanho da desigualdade que esse País tem.
O que resolve é crescimento, produtividade e educação?
Não tem outro caminho. Nenhum país se tornou mais equitativo e deu mais oportunidades e condições de uma vida digna do ponto de vista da afluência material sem ter levado consistentemente a sério a melhoria do resultado econômico do trabalho do seu cidadão. Isso depende de capital físico, de capital humano e de instituições. Nós temos muito a fazer nas três dimensões.
Capital físico é a diferença entre você acordar de manhã e ir para uma banca de camelô trabalhar ou você acordar de manhã e ir para uma supercomputador fazer inovação tecnológica. Capital humano é a diferença entre você ser um semianalfabeto ou analfabeto funcional ou você ser um técnico formado, um profissional muito qualificado. E a questão das instituições é saber se os fatores produtivos do país estão direcionados para as áreas em que eles são mais produtivos e rentáveis.
A diferença entre a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental, antes da queda do Muro de Berlim, é quase um laboratório de economia aplicada para ver a importância das instituições. Quando termina a Segunda Guerra Mundial, o capital físico está zerado, o capital humano é o alemão, está dos dois lados da fronteira, e você começa um experimento em que as instituições são polares, um de cada lado. A única diferença são as instituições: planejamento central de um lado, economia de mercado integrada ao fluxo mundial do comércio de outro. Em duas gerações, abriu um fosso. A produção média por habitante do alemão ocidental era cerca de seis vezes maior do que a do alemão oriental. No espaço de 60 anos, abriu uma diferença de um para seis.
O desafio brasileiro precisa de mais de uma geração para ser superado?
Sem dúvida. O capital físico pode até ser acelerado, mas o capital humano é inevitavelmente lento e é por isso que é tão difícil acumulá-lo no Brasil.
Qual é o tamanho do desafio de o Brasil conseguir colocar um objetivo de longo prazo, envolvendo vários governos?
O Brasil teve quase uma obsessão de formação de capital físico durante o desenvolvimento juscelinista e durante o regime militar. Foram muitos governos que consistentemente, até por mecanismos heterodoxos, para dizer o mínimo, forçaram a formação de capital físico. Na industrialização, na infraestrutura e na urbanização. O que nós deixamos lamentavelmente para trás foi o capital humano e as instituições.
O meu sonho de cidadão brasileiro é ter uma espécie de Juscelino Kubitschek do capital humano. Alguém que incendeie uma geração com a imaginação em torno do valor do conhecimento e da educação para uma vida plena. E para o Brasil alcançar o seu potencial, não apenas produtivo, mas de realização humana e de inovação, criatividade, expressão artística e conhecimento científico. Nós nunca tivemos no cargo maior da República, nem na democracia nem no regime militar, um estadista que colocasse o desafio da educação e do capital humano como a prioridade fundamental do país em tudo, como a Coreia do Sul, o Japão e a Alemanha tiveram. Como Estados Unidos, que universalizaram o acesso ao ensino fundamental no fim do século XIX, tiveram. E aí o legado protestante ajuda muito, até pela necessidade de ler a Bíblia.
Como o sr. vê o Lula do terceiro mandato?
Acho que o Lula tá fazendo aquele estilo que é característico dele de abrigar dentro do governo grupos com visões distintas e ele exerce o papel de hábito, cedendo ora para um lado, ora para outro.
Como compara a atuação dele na área econômica em relação aos outros mandatos?
Na primeira experiência do Lula, nos dois primeiros mandatos, ele começou na área econômica com muita responsabilidade e até com surpreendente compromisso com regras fundamentais de equilíbrio e de ordenamento. Mas a partir da escândalo do mensalão ele precisou, para sobreviver politicamente, ceder fatias cada vez maiores do governo à pressão dos políticos que garantiam a sua sobrevivência. Começou a deteriorar. Mas nunca a ponto do que aconteceu no governo Dilma, que foi muito além. Se houver uma grave crise política, eu temo que a correlação de forças dentro do governo Lula possa mudar para pior, por uma imposição, como foi o mensalão de sobrevivência política.
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