BRASÍLIA - Em uma reviravolta, o ministro Gilmar Mendes mudou de entendimento, seguiu uma proposta de Luís Roberto Barroso e votou no Supremo Tribunal Federal (STF) a favor da cobrança da contribuição assistencial de trabalhadores não sindicalizados. Caso a maioria dos integrantes da Corte siga o novo posicionamento do decano, que era contra a medida, o governo Luiz Inácio Lula da Silva poderá se livrar de discutir no Congresso – onde ainda se esforça para construir uma base – um dos eixos mais sensíveis da reforma trabalhista de Michel Temer (MDB).
A nova Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) extinguiu o imposto sindical no fim de 2017 e secou a principal fonte de custeio das organizações. Independentemente do número de associados ao sindicato, os cofres das entidades eram abastecidos com o desconto referente a um dia de expediente do empregado. Com o fim da obrigatoriedade, sindicalistas passaram a tentar instituir taxas a serem recolhidas diretamente dos holerites após aprovação em assembleias dos trabalhadores.
Em vaivém, a campanha de Lula sugeriu durante a eleição a revogação da reforma de Temer e depois, para suavizar o discurso, o petista passou a falar em revisão da legislação. Entre os pontos mais delicados para o sindicalismo – base do atual presidente e movimento no qual o petista despontou para a vida política – está o financiamento das entidades. Em 2018, após uma enxurrada de 20 ações, o STF declarou constitucional o fim do imposto sindical obrigatório.
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“Se o STF admitir essa cobrança (de contribuição assistencial ou negocial), acredito que o problema (das receitas sindicais) se resolve e o governo atual não precisará nem mesmo tomar qualquer iniciativa para alterar a legislação sobre o tema”, diz Rogério Neiva, ex-juiz-auxiliar da Vice-Presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Enquanto atuou na Corte, depois da reforma, Neiva participou da elaboração de uma cota negocial prevista em acordo coletivo da Vale com o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias dos Estados do Maranhão, Pará e Tocantins (STEFEM) mediante aprovação em assembleia – medida que considera justa.
O caso em julgamento data de antes da reforma, envolve o Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba e ganhou repercussão geral – valerá para todas as entidades do País. No processo, o STF já havia estabelecido no início de 2017 o entendimento, de acordo com o voto de Gilmar – relator do processo –, de que a cobrança de contribuição assistencial de não sindicalizados é inconstitucional. O argumento dos sindicalistas é que a taxa é legítima porque conquistas em negociações coletivas beneficiam tanto sindicalizados como não sindicalizados.
Derrotada, a entidade apresentou ao STF embargos de declaração – espécie de recurso destinado a esclarecer, por exemplo, uma contradição ou omissão na decisão. O julgamento foi iniciado em agosto de 2020 no plenário virtual. Na ocasião, Gilmar rejeitou os pedidos feitos e foi seguido por Marco Aurélio Mello. Dias Toffoli pediu, então, destaque para que o recurso fosse levado ao plenário físico, o que ocorreu em junho de 2022. Já com o voto de Marco Aurélio, Gilmar foi seguido por Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes. Edson Fachin divergiu, mas manteve a posição do relator.
Guinada
Na sessão, Barroso pediu vista e agora devolveu o caso para julgamento, que foi retomado no plenário virtual no dia 14 deste mês, se encerrará na segunda, dia 24, e poderá mudar a decisão do próprio colegiado. Com o voto de Barroso, Gilmar, que havia traçado a tese de que “é inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados”, deu uma guinada.
“Assim, evoluindo em meu entendimento sobre o tema, a partir dos fundamentos trazidos no voto divergente (de Barroso) ora apresentado – os quais passo a incorporar aos meus – peço vênias aos ministros desta Corte, especialmente àqueles que me acompanharam pela rejeição dos presentes embargos de declaração, para alterar o voto anteriormente por mim proferido, de modo a acolher o recurso com efeitos infringentes (modificativos), para admitir a cobrança da contribuição assistencial prevista no art. 513 da Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive aos não filiados ao sistema sindical, assegurando ao trabalhador o direito de oposição”, escreve Gilmar.
Em seu voto, Barroso afirma que o cenário mudou ao longo da análise do recurso e que a reforma trabalhista “promoveu uma importante alteração na forma de custeio das atividades dos sindicatos”. “Caso mantido o entendimento de que a contribuição assistencial também não pode ser cobrada dos trabalhadores não filiados, o financiamento da atividade sindical será prejudicado de maneira severa. Há, portanto, um risco significativo de enfraquecimento do sistema sindical”, afirma o ministro. Junta-se ao argumento, além de Barroso e Gilmar, a ministra Cármen Lúcia. Falta o posicionamento dos outros sete ministros, que podem apresentar um voto novo ou mudar o que já tinham proferido.
Reações
Um eventual novo entendimento na Corte causa surpresa. “Não há registro histórico de que a figura dos embargos de declaração, na área trabalhista, tenham mudado resultados de decisões judiciais no STF. Logo, a prevalecer o efeito modificativo da decisão, na prática, está se recriando um novo julgamento”, diz Ricardo Calcini, advogado, professor e sócio-consultor de Chiode Minicucci Advogados | Littler Global. Segundo ele, a liberação da cobrança afronta a ideia da reforma trabalhista de tornar facultativo, e não obrigatório, o financiamento sindical. “O problema de Lula com os sindicatos e as demais centrais sindicais estará resolvido.”
Professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP e atualmente professor sênior, Nelson Mannrich afirma que mudança de decisão por meio de embargos de declaração é discussão lateral. “Importa uma decisão no final. O que importa é o resultado da decisão, o que pode impactar na segurança jurídica é a orientação final”, afirma o advogado em razão do risco de a Corte mudar uma jurisprudência trabalhista que já estava consolidada havia anos.
Segundo Mannrich, porém, é urgente uma reforma sindical com base no conceito de liberdade sindical que garanta às entidades o direito de estabelecerem taxas. A iniciativa, contudo, cabe ao Congresso. “Quando houver liberdade sindical, vamos resolver tudo isso. Até lá, vamos continuar com o velho sistema de Getúlio Vargas, no qual o sindicato é por categoria, no qual o empregado não tem liberdade de escolher o seu sindicato, no qual o sindicato não tem representatividade”, afirma.
Já há expectativa em torno de uma mudança jurisprudencial com impacto nas fontes de custeio das entidades. “A decisão do Supremo vai ajudar, e muito, não há dúvida”, diz Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT). Ele, que discute com representantes de outras centrais e o governo Lula mudanças na CLT, refuta, no entanto, a volta do imposto sindical obrigatório.
Segundo Patah, a ideia de Barroso e Gilmar serve de referência para uma futura reforma. “Uma das alternativas de financiamento é a que o próprio Supremo está sinalizando, que a própria assembleia poder decidir. Se a assembleia pode decidir por diminuir salário, por mudar função, por que não pode decidir se quer contribuir e com quanto quer contribuir para o sindicato?”, questiona. Para Patah, mudanças legislativas não devem ser descartadas: “Para ter segurança jurídica, é bom que haja debate no Parlamento”.
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