‘Vitória de Trump pode tornar o Brasil mais periférico no comércio global’, diz professor da USP

Para Yi Shin Tang, globalização ficou para trás e o mundo está na era das alianças bilaterais, que deve ser aprofundada com o novo presidente dos EUA

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Entrevista comYi Shin TangProfessor de Relações Internacionais da USP

Há um esgotamento do modelo comercial que prevaleceu desde o começo dos anos 1990 e perdurou até o fim dos anos 2010, a chamada globalização. É o que diz Yi Shin Tang, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em comércio internacional e políticas antitruste, entre outros temas.

“Havia, nos anos 90, a ideia de comércio internacional como fator de estabilização política. E a estabilização política também como um fator de aumento do comércio global. As coisas estão se invertendo um pouco agora. E esse esgotamento está sobretudo na ideia de que o comércio não está trazendo os benefícios esperados. Tanto para quem promovia essa agenda como para aqueles que seguiram mais recentemente nesse movimento”, diz.

As duas grandes potências mundiais - Estados Unidos e China - agora passam por cima dos blocos de comércio para realizar alianças bilaterais em que o mais forte sempre é uma das duas nações. Com a vitória de Donald Trump nos EUA, o comércio mundial vai enfrentar ainda mais protecionismo segundo ele.

Yi Shin Tang será um dos participantes do Fórum Estadão Think — Do Brasil para o mundo: Desafios para a nossa inserção global, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre nesta terça-feira, 12, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui.

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Veja a seguir o principais pontos da entrevista:

As pessoas ainda concordam quando dizem que vivemos em um mundo globalizado. Mas o que vem mudando em relação ao comércio global?

Na década de 90, o período exatamente após a Guerra Fria, entendia-se que por meio de maior integração econômica e maior integração do comércio internacional se chegaria a um efeito democratizador. Então países que estavam em processo de transição democrática, como os do bloco soviético, e os menos desenvolvidos, se fizessem parte de uma integração comercial e econômica, teriam uma oportunidade de se tornarem mais democráticos. Sabe a imagem da cenoura e do cavalo? Era como se os países desenvolvidos dissessem: “Vamos dar a eles uma cenoura chamada crescimento econômico e acesso aos nossos mercados e, por consequência, vamos exigir deles que adotem instituições mais democráticas.” Isso aconteceu com países da América Latina, Ásia, África e Oriente. Eles passaram a aderir às instituições de integração econômica, ao sistema da Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo. E o mundo, assim, foi caminhando. Até que houve um grande ponto fora dessa curva: a China. Foram os Estados Unidos que levaram a China para dentro do sistema da OMC. Isso aconteceu naquele cenário de ressaca do Massacre da Praça da Paz Celestial, que aconteceu na China no fim da década de 80. Houve grande pressão do bloco ocidental sobre a China para ela de fato se integrar ao mundo ocidental. E a premissa era que isso ia fazer o país se democratizar.

E a China se beneficiou muito disso… Qual foi o problema?

Sim, ela passou a ser cada vez mais um grande exportador do comércio internacional. Qual foi o grande problema? Ela não se conformou com as instituições ocidentais. Ela passou também a moldar as instituições do comércio internacional, influenciando as regras nesse comércio global. O feitiço se vira contra o feiticeiro, os Estados Unidos, porque ela passou a ser o grande rival dos americanos em termos de comércio global, uma ameaça. A indústria doméstica americana começou a ficar extremamente preocupada com a invasão de produtos chineses. Na Europa foi a mesma coisa. E aí os países ocidentais passaram a adotar medidas cada vez mais protecionistas.

E isso se acentuou mais ainda depois da pandemia, certo?

Sim, o livre comércio está sendo visto como uma ameaça à própria estabilidade interna de diversos Estados. E isso leva cada vez mais a uma fragmentação e uma fragilização do comércio global e das instituições. E a OMC passou a ser um sistema extremamente esgotado. Os Estados Unidos se recusam a validar a nomeação desses árbitros (da OMC), então é um é um órgão que não tem mais tomadores de decisões...

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Então, em vez de blocos de vários países para comércio livre, como o Mercosul, a União Europeia, passamos a ter outra configuração?

Sim, bilaterais. Os Estados Unidos, para preservar seu espaço de poder, ele passa a estimular acordos bilaterais, com diferentes estados. E isso traz uma vantagem de negociação. Um Estados Unidos conversar com uma Argentina, com um Chile, Uruguai, bilateralmente, nessa relação, os americanos têm muito mais poder de barganha do que se tratasse com um bloco. E a China também faz a mesma coisa, por exemplo, com países africanos.

E o Brasil, onde fica nesse cenário?

O Brasil sempre optou pela diplomacia neutra, certo? Sempre com uma premissa de negociação acima de tudo. E de não alinhamento automático às diversas potências e hegemonias que existem pelo mundo. Só que esse é um modelo que vem se esgotando, que tem encontrado limitações importantes. Essas potências têm exigido também certa exclusividade. Com a vitória de Donald Trump nos EUA, a política dele é muito clara: privilegiar a América, muito protecionismo e alianças só com parceiros tradicionais. Isso pode trazer uma maior “periferização” para o Brasil.

Pelo fato de o governo aqui ser de esquerda? E se isso mudar nas próximas eleições?

Não acredito que mude muita coisa. No passado o Brasil tinha um alinhamento ideológico com Trump e essa aliança não aconteceu efetivamente. Quando houve o governo Trump e de Jair Bolsonaro simultaneamente havia um discurso ideológico afinado mas, claramente, não havia benefícios comerciais. Na verdade, o mundo todo vai sentir essa onda protecionista dos EUA. O Brasil por ser um país com menor peso econômico global, pode sentir ainda mais e se tornar mais dependente de outros mercados, como a China.

O que o Brasil perde se continuar com essa linha de neutralidade?

O Brasil perde com isso a oportunidade de aprofundamento das relações com esses países. E, muitas vezes, ele pode ser um país que pode, em vez de agradar todo mundo, conseguir o contrário. O Brasil, por exemplo, tem elevado tarifas de importação de diversos produtos chineses, não só a taxa das blusinhas. Acontece isso na indústria do aço, na de químicos. E isso é uma medida que, por princípio, desagrada o Estado chinês.

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E as guerras e conflitos armados, como afetam o comércio global?

A posição dos Estados Unidos agora vai se tornar cada vez mais, digamos, doméstica. Cada vez mais fechado em si mesmo. A China vê isso como uma oportunidade de ampliar sua agenda expansionista em relação a Taiwan. Então, esses conflitos tendem a se aprofundar diante das limitações das instituições internacionais. Qual é a consequência sobre o comércio global? Maior instabilidade. Se há um aprofundamento dessa divisão entre Rússia e bloco ocidental, ou o comércio vai começar a se desenhar em torno dessa divisão, ou a União Europeia vai começar a fechar seus mercados para aliados da Rússia. E os russos vão começar a aprofundar suas relações comerciais com quem tenha uma agenda, digamos, neutra em relação a essa agenda expansionista deles. Por isso o governo brasileiro foi extremamente cuidadoso em criticar a posição da Rússia em relação à Ucrânia. Porque a Rússia tem uma posição importantíssima para o Brasil, com a venda para nós de um insumo fundamental, os fertilizantes. Então, muitas vezes os interesses comerciais moldam o discurso, a posição geopolítica dos Estados.

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