Mais de R$ 1,2 trilhão em recursos transferidos por meio do Pix foram movimentados em dezembro de 2022, de acordo com o Banco Central. A plataforma de pagamento instantâneo já ultrapassou em dois anos o número de transações registradas nos cartões de débito. À medida que a adoção massiva ao sistema cresce, também se multiplicam novos esquemas de golpes financeiros.
É o caso do golpe dos R$ 20, ou das pequenas tarefas que, embora não seja novo, tem se intensificado recentemente. Por WhatsApp, uma falsa empresa entra em contato com a proposta de uma oportunidade de renda extra online, focada em marketing digital. Prints de conversas no WhatsApp que circulam nas redes sociais mostram que os criminosos afirmam que os usuários podem ganhar de R$10 a R$ 350 por dia. Outras conversas chegam a mencionar um salário mensal de R$10 mil a R$30 mil.
De acordo com Marcia Netto, CEO da fintech de proteção financeira digital Silverguard, a tática se encaixa em um golpe da falsa oportunidade de investir ou de multiplicar dinheiro. Esse tipo de golpe é o terceiro mais comum entre fraudes feitas por meio do Pix e o mais recorrente entre jovens de 18 a 29 anos, segundo um estudo conduzido pela Silverguard.
Como funciona o golpe das pequenas tarefas?
Caso demonstre interesse pela proposta feita no WhatsApp, o usuário é orientado a responder uma pesquisa e indicar sua chave Pix e, logo após, é levada para um grupo no Telegram, onde supostos resultados financeiros positivos da oportunidade são compartilhados, indicando uma falsa confiabilidade no esquema.
“Você cai em um grupo com milhares de pessoas. Gera aquele senso de comunidade, ‘não estou sozinho, então não deve ser um golpe’. É um grupo de milhares de pessoas, em que só o administrador pode mandar mensagem. Você acredita que todo mundo está no mesmo cenário que você”, explica a CEO Silverguard.
Neste grupo, a vítima recebe tarefas fáceis, como seguir alguém no Instagram. Há táticas também como seguir criadores de conteúdo no TikTok, assistir a vídeos nesta mesma plataforma de vídeos curtos, fazer capturas de tela no YouTube ou deixar avaliações para estabelecimentos no Google. “São coisas simples, que teoricamente qualquer pessoa consegue fazer”, diz Marcia.
A cada desafio cumprido, é preciso enviar um print comprovando que o realizou. Em troca, depósitos de valores baixos são feitos, como R$ 4, R$ 10 ou R$ 20. Alguns usuários, nas redes sociais, também relataram que receberam R$ 40. Embora pareça estar sendo bem sucedido, o procedimento, na verdade, faz parte da fraude, tentando gerar confiança por parte do usuário.
“Depois que ganham essa confiança, muda a tática. Eles vão evoluindo para uma história de investimento. Nesse investimento, supostamente, você tem um lucro muito acima, como 30% ou até 100%”, conta a CEO. Esse “investimento”, que é feito para aumentar os ganhos com as tarefas, pode ser apresentado como uma compra em uma cota de bitcoins.
Ao progredir os pagamentos feitos à empresa, porém, com uma valor alto depositado, a pessoa é excluída do grupo e bloqueada pelos administradores. É aí que ocorre o golpe.
É possível estornar o dinheiro em caso de fraude?
Sim, é possível. Mas para isso, é preciso entrar em contato com o banco utilizado para fazer o Pix o mais rápido possível, segundo Márcia. Desde 2021, o Banco Central dispõe do Mecanismo Especial de Devolução (MED), para que vítimas de golpes financeiros recebam seu dinheiro de volta.
Nove em cada 10 brasileiros não sabem o que é ou como funciona o MED, segundo o estudo da Silverguard sobre golpes com Pix. Mesmo quem já foi vítima de algum golpe deste tipo não conhece essa possibilidade de retorno. Um terço dessas pessoas não tomou nenhuma atitude ao perder dinheiro.
Para acionar o MED, não é necessário fazer boletim de ocorrência, e não se deve ir à agência física, mas sim telefonar ou entrar em contato pelo chat do aplicativo do banco antes de qualquer coisa. É preciso descrever o golpe, fornecer os dados da conta do golpista e pedir para que seja feita a solicitação, ao banco de destino, a devolução do dinheiro. A partir da análise feita pelas instituições, que pode levar até sete dias corridos, o valor bloqueado será devolvido em até 96 horas após a confirmação de golpe ou crime.
Entretanto, para receber este valor, as vítimas do golpe estão em uma corrida contra o tempo. Isso porque, explica Marcia, muitas vezes o dinheiro não é devolvido por falta de saldo ou encerramento da conta que recebeu o dinheiro. No fim do dia, o golpista costuma “limpar a conta” onde o dinheiro foi recebido, para que não haja essa possibilidade de devolução do valor. É por isso que ir presencialmente na agência, por exemplo, já diminui as chances de conseguir o dinheiro do golpe de volta.
Leia também
Como se prevenir contra golpes de Pix?
A dica máxima, e já clichê especialmente em casos de golpes virtuais, é o ditado popular: “quando a esmola é demais o santo desconfia”. Portanto, é preciso “deixar o radar ligado”, alerta Marcia, para olhar com cautela nessas propostas e saber identificar possíveis fraudes. “Não existe oportunidade de investimento com retornos tão altos”, ressalta.
Outro cuidado é para não escorregar nas táticas de ganho de confiança utilizadas pelos criminosos. “Às vezes, duas ou até três vezes ele retornam dinheiro. Mas é no valor alto que o golpe acontece. Mesmo voltando (o dinheiro), não necessariamente isso vai acontecer em um valor mais alto”, diz.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.