A Web 3.0, conceito que afirma que a próxima geração da internet será descentralizada e menos dependente das estruturas de grandes empresas de tecnologia, possibilitou a ampliação de diversas áreas do mercado financeiro. Agora, a tecnologia tem servido para impulsionar o ESG, em especial as ações voltadas para a proteção do meio ambiente.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, a Web 3.0 já é considerada uma tendência nas empresas para os projetos com foco ambiental. Além de ajudar na redução das emissões de gases do efeito estufa decorrentes do deslocamento de automóveis e aviões, ao reduzir a necessidade de viagens, por exemplo, a Web 3.0 promove experiências por meio de ambiente virtual.
A explicação para o uso está na própria “natureza” da tecnologia, que já chega ao mercado com um viés ambiental. “A Web 3.0 já nasce sustentável, olhando para o usuário e resolvendo problemas. Ela nasce com um ‘pezinho’ no ESG e por isso ela tem sido tão usada [pelas grandes empresas]”, afirma Adriana Rodrigues, especialista em sustentabilidade e sócia-fundadora da Go Digital Factory, que viabiliza projetos dos mais variados segmentos na Web 3.0.
Para Ana Wadovski, também sócia da Go Digital Factury, esta migração dos projetos sustentáveis para a Web 3.0 parece um movimento natural das empresas. “Quando a gente olha as categorias do ESG, a blockchain já dialoga com estes pilares naturalmente. Temos coisas pensadas em comunidade, que vão passar pelo social e o ambiental. A transparência de registros, chamada de protocolo de confiança, está diretamente ligada com a governança corporativa. A Web 3.0 facilita a implementação de uma agenda ESG efetiva.”
A tendência pode ser vista na prática com a adesão de grandes empresas neste mercado, como Carrefour e a Ambipar. “Os maiores projetos de ESG são das grandes empresas. Com a chegada da Web 3.0, da blockchain e da tokenização, elas devem avançar ainda mais”, afirma Adriana, destacando que a participação de empresas com renome no mercado é importante para desenvolver a criação de projetos.
Rodrigues defende ainda que mesmo que algumas empresas tenham feito ações pontuais, elas são de extrema importância para essa união de Web 3.0 e ESG. “As companhias que estão fazendo esses projetos, mesmo que testes, já estão se preparando para o inevitável. Blockchain não tem volta. Se você não está fazendo isso agora, você está atrasado.”
Projetos de grandes empresas
O Carrefour lançou em janeiro deste ano NFTs, sigla em inglês para token não fungível, em apoio à proteção as abelhas: as NFBEEs. Elas foram lançadas de forma presencial em uma das unidades do hipermercado, possibilitando que pessoas sem acesso a Web 3.0 e ao metaverso tivessem contato com a nova tecnologia.
Charles Schweitzer, diretor de Inovação do Carrefour no Brasil, afirma que a ideia surgiu essencialmente pela importância das abelhas em toda a cadeia de alimentação, que tem relação direta com o ramo de atuação da empresa. “Queríamos olhar para algo que fosse sustentável e não tivesse uma simples relação mercantil”, diz.
Além do metaverso propiciar o investimento em um projeto ambiental por meio da tecnologia, Schweitzer afirma que o processo envolveu o social do ESG também, ao convocar a opinião popular. “Compramos um grande terreno no SandBox e depois fizemos um concurso em que todos os colaboradores do Carrefour do mundo podiam opinar sobre a causa que iríamos aderir dentro da Web 3.0.″
O lançamento oficial da iniciativa foi realizado em janeiro deste ano em uma das lojas presenciais da rede de supermercados. Atualmente, as NFBEEs ainda podem ser acessadas por todos no SandBox do Carrefour.
O diretor destaca que além de investir em uma causa que tem relação direta com os valores da empresa, a ideia do projeto também teve como motivação incluir o Carrefour na Web 3.0, já prevendo que a tecnologia se expandirá cada vez mais no futuro.
Leia mais sobre Web 3.0
Assim como o Carrefour, a Ambipar, empresa de capital aberto focada em soluções ambientais, também têm apostado em ações no metaverso por meio do projeto “Ambify”, que permite a rastreabilidade do crédito de carbono desde a sua origem até a “aposentadoria” do recurso, concedendo toda a informação sobre o caminho que ele percorre.
Para o diretor de ativos digitais do grupo, João Valente, o propósito do projeto é incentivar a redução das emissões do efeito estufa, além de contribuir com a compensação das emissões. Neste sentido, a rastreabilidade proporcionada pela Web 3.0 teria sido o maior impulsionador para realizar o projeto no metaverso.
“A tecnologia Web 3.0 foi ideal para o projeto não só por dar mais transparência para todo o processo, mas também por facilitar a auditoria pelas companhias independentes”, diz Valente, adiantando que outros projetos neste sentido devem ser anunciados logo mais pela empresa, envolvendo também DeFi, NFTs, contratos inteligentes e metaverso.
Para Valente, a ideia da Ambipar partir para o Web 3.0 é um processo de evolução natural, tanto pela evolução das tecnologias, quanto para se posicionar diante do anseio mercadológico de se engajar de forma sustentável. Ele destaca que assim como não se fala mais de ”internet discada”, daqui alguns anos não deve mais haver essa dissociação entre a internet usada no dia a dia e a versão 3.0.
Benefícios para as empresas
Ana Wadovski, especialista em ESG, destaca que o uso da tecnologia pelas grandes empresas é uma consequência natural desta nova tecnologia, considerada ideal para a implementação de boas práticas de ESG.
Dentre as principais vantagens estão: a redução de custos e a possibilidade de lançar “protótipos” de um produto/serviço na Web 3.0 antes de seu lançamento. Além disso, as grandes empresas ainda têm a chance de testar a receptividade de um produto perante ao público, o que diminui a chance de gerar grandes estoques.
“Ao criar uma fábrica no universo virtual, você reduz uma grande quantidade de processos, adequa melhor essa planta, faz testes e só depois investe em um lançamento físico”, afirma Wadovski, destacando que também há ganhos ambientais. “Nós temos uma cadeia de produção [na indústria] que gera muito resíduo. Muito lixo. Quando temos propostas de tecnologia que hoje estão ligadas a Web 3.0, a gente reduz a condição de consumo”.
Adriana Rodrigues, também sócia da Go Digital Factory, destaca que outros dois fatores que têm tornado a Web 3.0 uma verdadeira tendência entre as grandes empresas é o aumento de produtividade que a tecnologia gera nas instituições, assim como a transparência que a blockchain concede aos projetos.
Leia mais sobre ESG
“A governança que a blockchain possui de forma intrínseca permite que as empresas tenham um fator motivador. A tokenização dos ativos, que também está dando os seus primeiros passos, é muito mais desburocratizada, tornando mais fácil fazer ações de alto impacto sem tantos processos burocráticos”, explica Adriana.
Além disso, a especialista destaca que a Web 3.0, que se difere da internet tradicional justamente pela verossimilhança com a realidade, ainda tem como trunfo a possibilidade de quebrar barreiras geográficas.
Pequenas empresas
A tendência de ações em prol do meio ambiente na blockchain não se estende somente para os grandes conglomerados, mas também para as startups e empresas menores. Para Adriana Rodrigues, especialista em ESG e Web 3.0, embora os grandes players do mercado estejam aderindo à tecnologia agora, pequenos grupos já são adeptos dela há anos.
“Pequenas empresas, em especial as que são ligadas a pessoas da tecnologia, já haviam traçado um caminho. As grandes empresas agora olham para esse caminho e falam: ‘ok, entendi. Esse caminho funciona e vou adotar’. Por isso estamos vendo esse movimento de gigantes do mercado agora”, explica Adriana Rodrigues, especialista em ESG.
O MetAmazônia, por exemplo, permite que qualquer pessoa do mundo todo visite a região por meio do metaverso. “Nós aproximamos qualquer pessoa da região, acabando com as barreiras de distância”, afirma a chefe global de comunidade da empresa, Ana Leme.
Embora a visita em si tenha como foco permitir que a população conheça meandros da Amazônia, a empresa destaca que uma das motivações para ter aderido a Web 3.0 é entender que é possível lucrar de forma sustentável. Com isso, a proposta para os clientes é não só apoiar uma causa ambiental, mas também encarar os tokens do MetAmazônia como um investimento.
O Onça Cripto também é outra iniciativa de destaque entre as pequenas empresas. Criado em 2021, o projeto teve como ‘mote’ para a sua existência as queimadas no Pantanal que aconteceram naquele ano, deixando várias onças pintadas com queimaduras graves.
“A gente via o fogo acontecendo, a todo momento tinha fumaça na cidade. A gente via quantos animais morrendo e isso me deu um sentimento de impotência”, afirma o consultor de inovação e criador do Onça Crypto, Kaike Closs.
Depois desse episódio, Closs decidiu se especializar em ESG e estudar mais sobre Web 3.0 para viabilizar o seu projeto. Hoje, as pessoas que querem apoiar a preservação dos animais silvestres têm a possibilidade de comprar uma NFT.
Do dinheiro arrecadado pela instituição, que possui pegada negativa e conta com cem toneladas de carbono compensadas imediatamente, 50% é repassado para o Instituto NEX. A cada quatro NFTs vendidos, o Onça Cripto planta uma árvore.
Outra instituição que também aderiu ao Web 3.0 visando implementar ações ambientais foi a Kanna Coin, empresa descentralizada de impacto ambiental que une a tecnologia blockchain ao mercado do cânhamo através da venda do criptoativo KNN.
A empresa usa da blockchain e o cânhamo como meio para financiar ações de compensação de danos ao meio ambiente, criando um ativo digital que representa uma fração de solo revitalizado pela planta. O grande “trunfo” do uso desta planta em específico seria a possibilidade de absorver mais CO2 por hectare do que outras espécies de plantas.
Além disso, o CEO da Kanna Coin, Luis Quintanilha, afirma que as estopas ainda podem ser utilizadas na produção de papel, descartando a necessidade de corte de árvores. Para ele, a ideia de entrar na Web 3.0 com o negócio foi uma forma de trazer credibilidade para o trabalho feita pela instituição.
“Existe um tabu cultural em torno do cânhamo, até porque boa parte do comércio vem do narcotráfico. A blockchain, ferramenta mais poderosa de governança que a gente tem, com registros imutáveis, consegue mapear e registrar isso de uma forma transparente para todo mundo”, diz Quintanilha, destacando que para a Kanna Coin, assim como para outras startups, a transparência da Web 3.0 foi a principal motivação para criar a empresa neste universo.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.