A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão governamental que regula o setor aéreo no Brasil, foi colocada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como a de melhor governança entre as 29 similares na América Latina e Caribe. O relatório da OCDE, publicado em setembro de 2022, avaliou questões como o escopo de atuação, a independência em relação aos segurados e ao poder político - apesar do controle feito pelos poderes executivo e legislativo - e a responsabilização, ou seja, a capacidade de prestação de contas do órgão regulador.
No escopo de ação, a Anac aparece como a segunda com menos limitações, abaixo do Haiti e ao lado da Argentina. Em relação à independência, a agência brasileira recebeu a melhor avaliação, assim como na responsabilização. A OCDE fez recomendações de forma geral às reguladoras do setor aéreo para a governança, como ter independência financeira e garantir que as lideranças sejam escolhidas por meio de processos transparentes, com a participação do poder Legislativo, além de prevenir demissões arbitrárias; medidas que já são aplicadas no Brasil.
Em entrevista ao Estadão, o presidente da Anac, Juliano Noman, atribuiu os bons resultados a um trabalho realizado ao longo de anos para aprimorar a governança e garantir competitividade no setor. Noman destaca a troca de informações da Anac com o Congresso e os regulados e a publicação de relatórios, e indica que caminhos possíveis de melhorar como a desburocratização e melhores medições de desempenho.
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O que levou a Anac aos bons resultados obtidos na avaliação da OCDE?
Esse tipo de resultado não vem do dia para a noite. É fruto de anos de um trabalho estruturante para a implementação de boas práticas de gestão, governança e qualidade regulatória. Durante décadas, a legislação e a regulação sobre o setor de aviação civil vêm sendo aprimoradas, focadas em construir um ambiente de negócios adequado e voltado para o aumento da competitividade, tendo como principal destinatário o cidadão brasileiro. Muito recentemente conseguimos dar um salto muito importante com a revisão do Código Brasileiro de Aeronáutica e outros três diplomas legais, extinguindo dispositivos que simplesmente não faziam mais sentido no arcabouço regulatório do setor após tantas inovações tecnológicas, além de novos desenhos de negócios criados pela evolução natural do mercado de transporte aéreo.
O que diferencia a Anac em relação às outras reguladoras do setor aéreo na região da América Latina e Caribe?
Posso falar, com toda a tranquilidade, que hoje a Anac conta com um sistema de gestão compatível com as melhores práticas internacionais, inclusive quando comparada a grandes empresas privadas. Temos uma agenda regulatória que é discutida com os agentes do setor e determina as prioridades da agência. Implantamos políticas de governança, integridade, riscos e outros aspectos fundamentais para a atuação efetiva como órgão regulador. Entre eles, destaco a transparência das nossas discussões, decisões e encaminhamentos para o setor, com um processo robusto de participação social.
O marco regulatório do setor aéreo no Brasil é adequado em relação ao previsto pela OCDE?
De maneira geral, o marco regulatório do setor aéreo brasileiro apresenta muitas características positivas na avaliação da OCDE. O marco das agências reguladoras, que estabelece parâmetros de autonomia administrativa, orçamentária e técnica para sua atuação, elenca critérios para a nomeação de dirigentes, regras de transparência e qualificação técnica das decisões regulatórias, dentre outros. Já o arcabouço regulatório específico do setor aéreo, que define parâmetros importantes para a competitividade e o livre mercado, como as liberdades tarifária e de rotas para o transporte aéreo e a desestatização da operação dos principais aeroportos, acaba de passar por uma atualização que coloca o Brasil em linha com os grandes mercados de transporte aéreo mundiais. Recentemente, aprovamos no âmbito do Programa Voo Simples, a Lei 14.368, de 14 de junho de 2022, que ficou conhecida como a Lei do Voo Simples. A iniciativa veio para modernizar a regulação, atualizar regras defasadas, simplificar e melhorar a prestação dos serviços, além de fomentar o desenvolvimento e aumentar a eficiência.
O que garante a independência da agência em relação a atores políticos?
Atualmente as agências reguladoras federais têm uma série de salvaguardas e mecanismos institucionais de proteção à sua autonomia e independência. Por exemplo, os dirigentes das agências, após sabatina pelo Senado Federal e nomeação pelo Poder Executivo, não podem ser demitidos de seus cargos. Isso traz, naturalmente, um maior grau de autonomia técnica para a atuação da Anac. Além disso, as agências possuem quadro técnico específico, têm autonomia para sua gestão financeira e orçamentária, entre outras prerrogativas. As boas práticas recomendadas pela OCDE reforçam a importância desses mecanismos para assegurar uma atuação isenta do contexto político. Somos uma instituição de natureza técnica e o que se espera de nós é uma atuação que mantenha a aviação brasileira entre as melhores do mundo.
Como a Anac trata a coleta e análise de dados do setor? E quanto à publicização das informações?
Nós estabelecemos uma série de obrigações a nossos regulados de informar e compartilhar dados sobre suas operações. Esses dados são analisados e estruturados, e nos permitem ter uma boa visão sobre as atividades da aviação, seja sob o aspecto de mercado, seja sob o aspecto da segurança das operações aéreas. Temos, inclusive, áreas internas dedicadas exclusivamente à coleta e análise de dados. A Anac tem uma política de dados abertos e disponibiliza ao público todas as informações que coleta, exceto aquelas que sejam protegidas por aspectos legais.
Temos diversas publicações específicas, voltadas para segurança, dinâmica do mercado, demandas dos consumidores, entre outros. Destaco aqui a publicação anual do Relatório de Gestão e Atividades, que é uma grande prestação de contas da Anac para a sociedade, onde são reportadas as principais ações da Agência em relação a suas ações de normatização, fiscalização, concessões, sancionamento, governança, gestão orçamentária e outros temas relevantes. Esse relatório anual está disponível no site da Agência.
Como a Anac trata a responsabilização de empresas quando necessário?
A Anac hoje tem à sua disposição diversas formas de atuar ao observar algum tipo de descumprimento, que vão desde avisos e advertências, passando por multas, chegando até à cassação de certificados e autorizações para operar no setor. As boas práticas da OCDE recomendam que sejam escolhidos os instrumentos administrativos aplicáveis a cada caso conforme o risco incorrido pelo agente ao descumprir um normativo, a repetição da conduta, a intenção e a capacidade do agente, dentre outros fatores.
Como se dá o diálogo com as empresas do setor e com o Congresso? Há canais estabelecidos para contato oficial e entrega de relatórios?
Essa é uma questão muito importante para a Anac e estamos investindo muito para melhorar continuamente o contato com nosso público regulado. A Agência vem realizando um esforço para aprimorar o diálogo e seus canais de comunicação com a sociedade e públicos interessados. Em meio à pandemia da Covid-19 e o distanciamento que se impôs entre os agentes, nós inauguramos uma série de iniciativas para facilitar e fortalecer o diálogo com o setor aéreo. Um exemplo são as reuniões técnicas virtuais, em que todo regulado pode procurar a Anac e propor reunião com especialistas da Agência para entender sobre algum aspecto da sua atividade ou norma em atualização. Fora isso, já há cinco anos, as principais decisões regulatórias são tomadas em reuniões de Diretoria que são públicas e transmitidas ao vivo na internet, com pauta também publicada antecipadamente. Os atos normativos são sempre precedidos de consulta pública, por meio da qual regulados e sociedade em geral podem sugerir alterações no que está sendo proposto pela Agência. Realizamos ainda fóruns para tratar de temas técnicos mais específicos por meio de seminários, webinários, comitês e grupos de estudos. Também temos canais específicos para coletas de sugestões de aprimoramento para nosso setor, e as sugestões recebidas são analisadas pela área técnica e pela Diretoria da Anac, respondidas de forma embasada e publicadas no site da Agência. Essa é uma boa prática sugerida pela OCDE que já foi incorporada pela Anac há mais de 10 anos.
Já o Poder Legislativo com frequência recebe representantes da Anac para discussões sobre temas específicos, assim como a Agência recebe parlamentares que buscam informações sobre o funcionamento do setor aéreo e sua regulação. Acreditamos que o bom relacionamento contribui para que os parlamentares compreendam cada vez mais sobre a aviação civil, o que dá a eles o suporte necessário para fazerem as mudanças necessárias ao aumento da concorrência e à expansão do transporte aéreo no país, sempre visando mais usuários atendidos.
Em quais sentidos a Anac considera que pode avançar na governança do setor aéreo?
Qualquer instituição que busque excelência está sempre aprimorando seus instrumentos de gestão e governança. Entendemos que, na Anac, os fundamentos já estão postos e já foram testados. Exemplo disso é a avaliação de governança que é realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) anualmente. Vimos seguidamente obtendo posição de destaque nessa avaliação. No processo de melhoria contínua, destacamos ainda melhorias nos sistemas de gestão de riscos estratégicos, continuidade de negócio, novas medidas de desburocratização para o setor e melhores medições de desempenho de nossos serviços e produtos. Para nós da Anac, manter uma governança efetiva e consistente na instituição não é tema para discurso, mas, sim, do nosso dia a dia. Não é por acaso que estamos sendo reconhecidos por nossa atuação, dentro e fora do Brasil. E garanto que, nesse sentido, muito ainda vai se ouvir sobre a Anac. Estamos empenhados em entregar uma aviação de excelência mundial à sociedade. E não abrimos mão disso. É a nossa missão.
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