Com foco em pessoas físicas, jurídicas e organizadores de eventos que desejam compensar as emissões de CO₂, a Auren Energia, companhia controlada pelo grupo Votorantim e pela CPP Investments, decidiu lançar sua primeira plataforma de e-commerce de créditos de carbono.
O sistema de venda de créditos visa promover um “intercâmbio” entre as empresas que emitem grandes quantidades de gases de efeito estufa, os chamados GEE, e as que estão abaixo do limite. A compensação, na prática, é uma espécie de indenização pela degradação ambiental causada, na qual os impactos ao meio ambiente são incorporados aos custos da empresa.
Com a difusão da pauta de mudanças climáticas, pessoas comuns também passaram a se interessar pela compensação, entendendo que mesmo ações simples como a emissão de carbono nas viagens de carro ou numa compra na internet causam impactos ambientais negativos, embora em proporção muito menor do que das grandes indústrias.
“Quando sentamos para falar com o consumidor sobre energia, invariavelmente falamos também de carbono. O e-commerce é uma forma de aproveitar a expertise do grupo para se posicionar estrategicamente também como um player de carbono, o que já fazemos, mas também ter um viés educacional e de ser uma porta de entrada para esse mercado”, explica o gerente de negócios de carbono da Auren Energia, José Guilherme Amato.
Diante da busca de consumidores por projetos do tipo, a plataforma criada pela Auren visa facilitar a compra de créditos, até então restrita a empresas devido ao alto custo. “O consumidor não sabe onde comprar, como, qual o passo a passo, e a demanda (por créditos) cresce com as mudanças climáticas, gerando preocupação nas pessoas, com elas querendo saber como contribuir”, explica o executivo.
Na Auren, a compensação poderá ser feita por meio de projetos de energia renovável, campo de atuação da companhia de capital aberto, e também florestais. Ao acessar a plataforma, o cliente poderá selecionar o tipo de crédito que deseja adquirir, seja um único projeto ou um combo que mescla a compensação de dois tipos de créditos. Após a compra, o cliente recebe um certificado digital, que atesta a compensação dos créditos.
Quanto uma pessoa física deve compensar?
A ONG ambiental The Nature Conservancy estima que cada habitante do planeta gera em média quase quatro toneladas anuais de CO2, enquanto nos Estados Unidos essa quantidade é quatro vezes maior por pessoa/ano.
No site da Auren, o consumidor pode adicionar quantas toneladas quer compensar (caso já saiba o número) ou pedir a realização de um inventário, que serve como uma “análise” da companhia com base nas atividades da empresa ou da pessoa.
O custo de compensação para uma pessoa física, considerando a média estimada pela Nature Conservancy, seria de R$ 388 no e-commerce da Auren. Questionados sobre como é calculado este valor, eles não responderam.
“Nesse início queremos ter a possibilidade de fazer um inventário completo e mais aproximado da realidade do que uma métrica estabelecida para pessoas físicas e jurídicas. Energia elétrica tem um parâmetro parecido em qualquer lugar do mundo, enquanto o crédito de carbono, não. Queremos ter a possibilidade de fazer algo customizado a ponto de ser algo totalmente dedicado ao interessado e não simplesmente criar uma commodity”, diz a empresa.
Transparência
A companhia defende que o grande diferencial do projeto para outras ações disponíveis do mercado, além do acesso à população, é a transparência, considerando que as informações sobre as características técnicas dos projetos disponíveis, Ventos do Araripe III, Ventos do Piauí I e Legado Verde do Cerrado, estão disponíveis no site antes da compra.
Segundo o gerente de negócios de carbono da Auren Energia, José Guilherme Amato, todos os créditos disponíveis para negociação são de 2021, evitando que problemas como a duplicidade de créditos e a falta de integridade vistos em projetos de outras empresas no mercado de carbono nos últimos anos aconteçam.
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A questão envolvendo projetos sem qualidade se tornou pública após cinco empresas brasileiras e três estrangeiras serem acusadas de usar terras públicas na Amazônia para negociar créditos de carbono com grandes empresas multinacionais de forma irregular, segundo informações da Defensoria Pública do Estado do Pará, em outubro de 2023.
Questionado se a transparência é uma “resposta” às polêmicas acumuladas pelo mercado voluntário de carbono em 2023, Amato defende que os créditos da Auren sempre foram certificados e avaliados. Além disso, aponta que as polêmicas que cercaram o mercado “não abalaram de forma alguma a decisão de seguir com o lançamento da plataforma”.
Segundo ele, as polêmicas acabaram por tornar os compradores de crédito, tanto empresas quanto pessoas físicas, mais “criteriosos”, exigindo produtos de qualidade. “Criamos um processo de transparência para garantir que nossos clientes tenham acesso a informações íntegras e detalhadas a respeito dos fatores técnicos e fontes públicas”, afirma Amato.
“O consumidor que não tinha preocupação com a qualidade passou a ter de forma genuína. Hoje, as compras em grandes volumes ocorrem no detalhe, com a conferência de tudo. A gente consegue se posicionar de forma diferenciada devido à governança que a gente possui”, explica.
A expectativa é que, no futuro, o e-commerce da Auren seja “linkado” com outros produtos. Amato diz que a companhia já firmou um acordo com um banco para viabilizar a compra de créditos através do cartão de crédito, embora ainda não possa revelar o nome da entidade.
Elétricas no mercado de carbono
Com a expectativa de que o mercado voluntário de créditos de carbono atinja o volume de US$ 20 bilhões de negociações no Brasil até 2030, segundo a consultoria Way Carbon, e com o avanço do projeto que regulamenta esse mercado na Câmara dos Deputados, o setor passou a ser um negócio interessante para empresas de todos os nichos.
O mercado de créditos de carbono se torna extremamente interessante para as empresas que querem compensar as suas emissões, especialmente para as mais poluentes, que ganham tempo para reestruturar suas ações rumo à neutralidade de carbono e avançar no cumprimento das metas do Acordo de Paris.
Nos últimos anos empresas dos mais diversos portes anunciaram, ainda de forma voluntária, que passaram a compensar as suas emissões. A entrada de elétricas não apenas comprando, mas negociando créditos neste mercado, no entanto, tem crescido consideravelmente nos últimos anos.
As companhias Vibra e Comerc Energia lançaram em julho do ano passado um trading de crédito de carbono para impulsionar o mercado, visando fornecer alternativas que possam neutralizar emissões de gases do efeito estufa para empresas até 2030.
A AES Brasil anunciou em agosto de 2022 a sua entrada no mercado, com a comercialização de 465 mil créditos de carbono, o que corresponde a aproximadamente R$ 12 milhões de receita expressa no terceiro trimestre daquele ano. A própria Auren atua desde 2019 com a comercialização de créditos e certificados de energia renovável, além de ter criado em 2022 uma unidade de negócios especialmente dedicada a este mercado.
Para o CEO da empresa de diagnóstico e soluções energéticas Lead Energy, Raphael Ruffato, a quantidade de novos projetos em prol do desenvolvimento do mercado de carbono, mesmo que voluntário, é sempre vantajoso para o País, tanto em termos financeiros quanto sustentáveis. Ele, no entanto, alerta que ainda não é um mercado maduro e que a conscientização sobre sua serventia precisa ser discutida.
“Muitas empresas ainda compram créditos de carbono e continuam a poluir igualmente, sem sequer ter planos factíveis de diminuição para os próximos anos. O que adianta a compra?”, questiona. A Comissão da União Europeia (UE) concluiu que 85% dos projetos examinados provavelmente não alcançariam suas reivindicações de redução em um levantamento de 2016.
Além disso, a maioria dos projetos de preservação florestal “não compensaram a quantidade de poluição que deveriam, ou trouxeram ganhos que foram rapidamente revertidos ou que não puderam ser medidos com precisão”, segundo uma pesquisa do ProPublica de 2019, que analisou as últimas duas décadas desses projetos.
Para Ruffato, o interesse crescente de empresas de energia tem relação direta com o próprio core business das companhias, considerando que o aumento de energia limpa no país, mesmo que a matriz energética do Brasil seja uma das mais limpas, é uma grande aposta do setor para a pauta ESG (sigla em inglês para boas práticas de meio ambiente, social e governança).
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“Essas companhias estão comercializando um item que todas as empresas, das mais poluentes as menos, estão querendo. As elétricas estão fazendo isso porque os assuntos estão ligados. É um assunto só vender energia verde, negociar preço e vincular a compra de créditos. A tendência é crescer cada vez mais no setor de energia, principalmente entre as comercializadoras de energia porque elas estão na ponta final da cadeia”, explica.
Questionados sobre críticas de ambientalistas aos projetos de crédito que não propagam a necessidade de diminuir as emissões, a Auren defende que a companhia tem a plena ciência de que a jornada de descarbonização tem que ter como foco a redução de emissões e que tem planos de fortalecer a pauta também em seu e-commerce.
“Temos um plano de trabalhar como uma figura de consultor de liderança climática no nosso plano de negócios de 2025. Ainda precisamos alinhar diversas coisas internamente, desde time à estrutura mesmo, mas acreditamos que essa consultoria com foco na redução é essencial”, explica Amato.
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