A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) anunciou, no dia 17, novas regras para aumentar a diversidade de gênero e a representação de grupos minorizados nos conselhos administrativos das empresas listadas. A proposta é que as organizações brasileiras incluam ao menos uma mulher e uma pessoa integrante de outra comunidade (pretos ou pardos, da comunidade LGBTQIA+ ou com deficiência) em até dois anos a partir do início da vigência da norma, prevista para começar em 2023.
Assim, as empresas terão até 2025 para comprovar a integração do primeiro membro e até 2026 para o segundo; no caso das que vierem a abrir capital após a implementação da regra, terão um ano após a oferta pública inicial para o primeiro integrante e dois para o segundo. As regras deverão ser adotadas pelas companhias listadas em todos os segmentos, incluindo Básico, Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado. Em todos os casos, deve ser empregado o critério de autodeclaração, e a companhia poderá eleger um mesmo membro que acumule as duas características. A proposta inclui ainda a previsão de que a remuneração variável da administração seja atrelada a indicadores de desempenho ligados a temas ou metas ESG (ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês).
A regra funcionará no sistema “pratique ou explique”: as empresas terão que ser transparentes quanto à questão e as ações adotadas; caso não realizem a inclusão no prazo previsto, terão que explicar ao mercado as razões que as impediram. O mecanismo é parecido com o adotado em outras bolsas, como as de Nova York e Londres. Também no dia 17, a B3 anunciou uma audiência pública sobre o tema, que irá até 16 de setembro e receberá contribuições por e-mail.
De acordo com levantamento da própria B3, no momento, das 423 empresas listadas, aproximadamente 60% não têm nenhuma mulher entre os diretores estatutários, e 37% não possuem participação feminina no conselho de administração. Na base de dados informada pelas empresas não há dados sobre raça e etnia, mas uma pesquisa entre as 73 empresas que participaram do processo seletivo do Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3, focado especificamente em empresas comprometidas com o ESG, apontou que 79% delas responderam ter entre 0 e 11% de pessoas negras em cargos de diretoria, e 78% declararam ter entre 0 e 11% de pessoas negras em cargos de nível C. Dessa forma, há muito para se avançar na diversidade tanto em questões de gênero quanto nas de etnia.
Audiência pública
Com as novas regras, a B3 espera estimular de vez a adoção da diversidade, considerada importante para que as empresas possam ter mais inovação e estarem atentas ao público. Um estudo global da consultoria McKinsey, realizado em 2019 e que ouviu mais de mil companhias em 15 países, indicou que as empresas tem 25% mais chance de terem boa performance quando tem diversidade de gênero no conselho, e 36% a mais quando se trata de diversidade étnica.
A diversidade também beneficia os colaboradores, de acordo com levantamento da McKinsey específico para a América Latina, que foi divulgado em 2020 e ouviu 3.900 funcionários em vários níveis de mais de 1.300 das maiores empresas na região. Os funcionários de empresas comprometidas com a diversidade relataram níveis mais altos de felicidade - 63% nestas, enquanto 31% dos que trabalham em empresas sem esse compromisso demonstraram o mesmo nível de satisfação. Eles também informaram ter mais vontade de permanecer na organização por mais de três anos e maior probabilidade de proporem novas ideias.
Assim, a empresa aplica ideias externas para melhorar performance e usa o feedback para melhorar resultados. “As empresas são voltadas para bons resultados financeiros, mas reconhecem que ter uma alta liderança diversa, ao lado de uma estrutura da companhia focada na governança, melhora resultados financeiros”, avalia Flavia Mouta, diretora de Emissores da B3.
Mouta destaca outras ações da B3 em prol da diversidade. Ao lado do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e de outras entidades, a Bolsa de Valores conduz o Programa de Diversidade em Conselho (PDeC), que visa aumentar a participação feminina e de pessoas pretas e pardas ao localizar talentos “fora do radar” normal e dar qualificação e visibilidade para o mercado. A diretora também cita que a B3, que também atua como empresa, tem cinco núcleos internos de diversidade e a meta interna de ampliar a diversidade para ter 35% de mulheres em cargos de liderança até 2026. “Não vai ter uma bala de prata que resolva essa questão, é necessário uma série de iniciativas conjuntas, por isso buscamos sempre parcerias”, afirma Mouta.
A diversidade ainda pode auxiliar a empresa a estar em contato com o público e a atender as demandas. “A empresa precisa trazer para ela o que é a sociedade, para que consiga entregar produtos e serviços que tem a cara da sociedade. Isso é íntegro, é responsabilidade financeira, e está dentro dos princípios da governança. A diversidade para ter mais inovação, melhores desempenho e resultados”, comenta Valéria Café, diretora de vocalização do IBGC.
No entanto, o processo de aumento da diversidade em todos os níveis da empresa tem que ser feito de forma cuidadosa, por isso, um tempo de adaptação é necessário. “É necessário ver como vai ser a recepção das novas pessoas para quem já está na companhia ter uma linguagem diferente, exercitar a empatia, se colocar no lugar do outro. É preciso preparar equidade, ou seja, não tratar todos da mesma forma, sendo que são desiguais”, alerta Café. Dessa maneira, metas e métricas para a diversidade devem existir, para que a empresa acompanhe o processo no ritmo certo. Atrelar o salário dos executivos ao cumprimento desses objetivos é uma forma de acelerar o processo.
Essa necessidade de preparação foi uma das razões para que a B3 desse o prazo de dois anos. Para a Bolsa, a norma não deveria ser de aplicação imediata para que as empresas tenham tempo de fazer a reflexão necessária e encontrem pessoas adequadas, além do alinhamento a normas de bolsas do exterior, que começarão a ser aplicadas no mesmo período, e para encaixar no período de assembleias ordinárias de acionistas, que costumam ser realizadas com a periodicidade de dois anos.
A audiência pública se encaixa no mesmo contexto. A intenção é de ouvir o mercado e o público para chegar a uma proposta mais ajustada ao que for esperado, além de ajudar no processo de conscientização. “São passos, a audiência pública é parte, é mais uma iniciativa para levantar essas questões. A gente está numa fase de ouvir, coletar as contribuições para saber o que precisam ajustar na redação de uma maneira construtiva, para que o documento final seja melhor”, diz Mouta.
Posição parecida é adotada pelo IBGC. “A definição de metas e métricas é fundamental, assim como que os líderes entendam o quanto a diversidade é importante para a própria empresa obter resultados melhores”, reforça Café. O instituto planeja participar da audiência pública da B3 - a manifestação será de apoiar as mudanças, que vê como um avanço e, mais uma vez, reforçar a importância da ação de parâmetros que garantam que as ações estão sendo frutíferas.
O pesquisador Edélcio Nisiyama, doutor em Administração de Empresas e professor do Insper, ressalta que a preparação dos novos integrantes de conselhos e diretores estatutários também é crucial para a diversidade. “Há também a necessidade de progredir com a capacitação dos conselheiros. Entendo que a proposta da B3 é uma fase do processo para melhorar a diversidade nas lideranças”, ressalta. Para ele, o prazo de dois anos pode não ser suficiente, e levar muitas empresas a terem que se explicar para o mercado.
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