O ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança corporativa) se tornou praticamente sinônimo de sustentabilidade nas principais empresas do mundo, que dão muitas vezes ênfase para o pilar ambiental em detrimento de outras pautas. Para o diretor de desenvolvimento sustentável do Banco Mundial para América Latina e Caribe, Benoît Bosquet, as companhias brasileiras estão conseguindo equilibrar as três pautas da agenda.
“É positivo que o Brasil esteja trabalhando para garantir que as suas agendas econômicas, de sustentabilidade e de inclusão andem de mãos dadas”, explica Bosquet, destacando que o país tem realizado diversas ações em prol do desenvolvimento da bioeconomia.
Para o representante do Banco Mundial, com o País à frente da presidência do G-20, grupo que reúne os países com as maiores economias do mundo, é possível esperar um forte engajamento do governo brasileiro na pauta.
“O Plano de Transformação Ecológica do País visa estimular infraestruturas mais verdes, a agricultura sustentável, o reflorestamento, a economia circular, o aumento da utilização da tecnologia nos processos produtivos e a adaptação climática. São passos muito significativos”, afirma Bosquet.
O executivo aponta que outras ações governamentais, como emissões de obrigações soberanas sustentáveis, destinadas a projetos de sustentabilidade e a declaração de Belém, adotada não só pelo governo Lula, mas também pelos demais líderes dos Estados Partes do Tratado de Cooperação Amazônica, em agosto de 2023, são ações que reforçam a seriedade com que a agenda tem sido encarada.
Abaixo, confira os principais trechos da entrevista:
Quais são as principais tendências na pauta de meio ambiente para 2024?
A ação climática continuará no topo da agenda. Com respeito à mitigação, penso que a redução das emissões de metano será um tema fundamental, quer se trate de emissões provenientes da produção de petróleo e gás, da agricultura ou da gestão de resíduos sólidos. Isto é, obviamente, importante para a América Latina e a região do Caribe, onde a agricultura e a produção pecuária são muito proeminentes.
A agenda de adaptação climática se tornará mais proeminente, à medida que a frequência e a intensidade dos desastres relacionados com o clima continuarem a aumentar.
Vejo também outras questões na agenda que estão todas interligadas com as alterações climáticas: o combate à poluição atmosférica, que é fundamental para ambientes saudáveis e está associada à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE); acesso à água potável, uma vez que as alterações no clima e a poluição da água afetam o acesso à água e também a agricultura, devido à aridez dos solos; preservar a biodiversidade após a adoção do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal; e esforços para reduzir a poluição por plásticos, para os quais está em preparação um tratado das Nações Unidas.
As discussões sobre o financiamento da agenda sustentável devem se fortalecer em 2024?
Os desafios relacionados com a sustentabilidade — quer se fale em combater as alterações climáticas, criar melhores infraestruturas ou promover a inovação — são grandes. É necessária a participação de todos os players para encontrar soluções criativas e obter os recursos necessários, e isso inclui o setor privado.
Ele pode trazer o seu capital e engenhosidade, pessoas e tecnologia para a mesa. Existem muitas oportunidades de engajamento, por exemplo, na energia, na agricultura, na bioeconomia e até na adaptação climática.
O montante destinado pelas grandes corporações no Brasil para essa pauta já é suficiente para fomentar uma bioeconomia consolidada?
A bioeconomia apresenta muitas oportunidades de desenvolvimento. No entanto, a sustentabilidade deve permanecer no seu cerne. Não se trata apenas de recolher recursos, trata-se também de garantir que estes produtos, as soluções que se encontram na natureza, possam ser regenerados e que as comunidades locais participem e se beneficiem.
Lugares como a Amazônia têm um grande potencial. Um estudo do World Resources Institute concluiu que a bioeconomia poderia aumentar o PIB anual da Amazônia brasileira em R$ 40 bilhões, criar 312 mil empregos adicionais até 2050 em comparação com o cenário atual, e colocar o Brasil numa trajetória de 1,5 °C.
No entanto, o fato de se tratar de área remota, a falta de financiamento, deficiências em capacitação e, por vezes, também em governança, e insegurança são obstáculos para o acesso a esses recursos e ao seu desenvolvimento sustentável.
São necessários esforços mais coordenados, que incluam o governo, a sociedade civil e o setor privado para obter o conhecimento e os recursos necessários e garantir que esses esforços sejam inclusivos.
Foi anunciado em novembro que a presidência brasileira no G-20 lançará uma iniciativa para bioeconomia. O senhor enxerga um forte engajamento do governo brasileiro na pauta?
É positivo que o Brasil esteja trabalhando para garantir que as suas agendas econômica, de sustentabilidade e de inclusão andem de mãos dadas. O Plano de Transformação Ecológica do país visa estimular infraestruturas mais verdes, a agricultura sustentável, e reflorestamento, a economia circular, o aumento da utilização da tecnologia nos processos produtivos e a adaptação climática. Também emitiu obrigações soberanas sustentáveis, destinadas a estes projetos de sustentabilidade, incluindo a bioeconomia. Todos são passos muito significativos.
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Além disso, a Declaração de Belém, adotada pelo presidente Lula e pelos demais líderes dos Estados Partes do Tratado de Cooperação Amazônica, em agosto de 2023, é explícita sobre a promoção de um modelo de desenvolvimento econômico justo e ético que incorpore o conhecimento tradicional dos povos indígenas.
Após a reabertura do Fundo Amazônia, diversos países anunciaram investimentos em prol do desenvolvimento e proteção da região. O senhor enxerga um esforço da comunidade internacional para apoiar países em desenvolvimento?
Apoiar a Amazônia é uma prioridade fundamental para a comunidade internacional. Trabalhamos em conjunto com os países amazônicos para reduzir o desmatamento e a degradação ambiental, promover a conservação e, ao mesmo tempo, proporcionar os benefícios econômicos necessários à população amazônica, ajudando a melhorar os padrões de vida de todos os cidadãos dos países amazônicos.
Há muito trabalho a ser feito aqui. Brasil, Colômbia e Peru estão preparando planos detalhados para trabalhar em prol do desenvolvimento sustentável da Amazônia, o que é um passo positivo para atrair o apoio de parceiros internacionais. O detalhamento sobre o quê será feito e como será feito é importante para os financiadores internacionais, tanto públicos como privados, sejam eles comerciais ou filantrópicos.
Algumas polêmicas tomaram o mercado de carbono nos últimos meses no Brasil e em outros países exportadores de crédito. Essas polêmicas chegaram ao mercado internacional? Qual foi a percepção?
Houve problemas e haverá mais problemas no futuro. Mas também há demonstrações bem-sucedidas em grande escala. Os problemas não invalidam o mérito de utilizar pagamentos para incentivar a redução das emissões de GEE (Gases do Efeito Estufa).
Existem desafios envolvidos na criação de bases de referência adequadas, na elaboração de relatórios, na utilização das tecnologias certas para evitar danos ambientais ou na garantia de que sejam verdadeiramente inclusivas.
Os créditos de carbono são um mecanismo complexo de desenvolver. Constituem um instrumento importante para incentivar ações amigáveis ao clima e positivas para a natureza. Podem alcançar resultados positivos para o ambiente e para a economia quando concebidos adequadamente.
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