Brasil está décadas atrasado na agenda ESG, diz Fabio Alperowitch

Fundador e gestor da Fama Investimentos, focada em boas práticas ambientais, sociais e de governança, Alperowitch afirma que o País fez poucos avanços e ainda não há nada a celebrar 

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Por Heloísa Scognamiglio 
Atualização:

A agenda ESG, sigla em inglês para os aspectos ambientais, sociais e de governança das empresas, ganha cada vez mais destaque tanto no mundo corporativo como entre os investidores. Mas esse destaque não tem gerado avanços, segundo Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos, gestora brasileira de fundos que tem como foco as boas práticas ESG e que tem R$ 1,7 bilhão sob gestão. 

Alperowitch explica que o debate sobre direitos humanos e meio ambiente, bases do ESG, foi por décadas barrado no mercado financeiro e na alta cúpula das empresas, criando um atraso de cerca de trinta anos para a agenda no Brasil. Quando o ESG ficou em evidência, no entanto, os mercados corporativo e financeiro se viram obrigados a lidar com ele - e a consequência foi o reducionismo. “O ESG no Brasil é extremamente superficial, celebratório, pouco crítico, trata de pouquíssimos assuntos”, diz. 

Fabio Alperowitch; sócio da Fama Investimentos, Alperowitch critica reducionismo da agenda ESG no Brasil. Foto: Divulgação/FAMA

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O sócio da Fama Investimentos aponta também que os investidores ainda não entraram de cabeça nos investimentos ESG, o que deve mudar com a chegada de líderes de uma nova geração, que realmente considera os aspectos ESG relevantes e não só uma obrigação. “Acho que estamos tão longe de onde precisamos estar que não tem nada para celebrar ainda”, afirma. 

Leia os principais trechos da entrevista. 

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A agenda ESG ganhou destaque no mundo corporativo e no mercado financeiro nos últimos anos. Por que esse destaque agora, na sua visão? 

Uma série de fatores levaram à situação atual. Se olharmos pelo contexto histórico brasileiro, nós sempre fomos mais “americanocêntricos”. Lemos mais livros de autores americanos, vemos mais filmes americanos, ouvimos mais música americana. E no mundo dos investimentos não é diferente, seguimos mais o modelo americano do que o modelo europeu. O ESG vem se desenvolvendo na Europa já há um tempo e o Brasil desprezou isso, porque nos Estados Unidos não era considerado tão relevante. Passou a ser mais relevante nos Estados Unidos, na minha percepção, com a eleição do Trump em 2016, que veio muito carregada de uma pauta “anti-ESG”. Era uma pauta bem radical, que levou alguns investidores americanos a querer se posicionar e acabou sendo um combustível forte para o crescimento do ESG nos Estados Unidos. E não demorou muito para bater aqui. 

Lá por 2018, 2019 a agenda ESG começa a influenciar o Brasil e nós tivemos uma sucessão de fatos que aceleraram esse processo. O primeiro foi a eleição do Bolsonaro que, assim como o Trump, foi eleito com uma pauta “anti-ESG” bem forte. Ocorreram tragédias ambientais, como Brumadinho, que foi uma reincidência e foi uma empresa do Brasil muito conhecida lá fora, a Vale, trazendo uma consequência horrorosa para o ambiental e para o social. A questão do desmatamento na Amazônia explodindo, fundos internacionais escrevendo cartas, se posicionando, o vazamento de óleo no Nordeste, depois tivemos a covid-19, todas essas questões acabaram jogando um holofote no ESG. 

E os investidores brasileiros começaram a se posicionar em relação à agenda ESG também? 

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No caso do Brasil, quem trouxe um contraponto a isso não foram os investidores. Quem se posicionou muito fortemente foi a mídia. Incomodada com essas questões, a mídia começa a tratar mais de Amazônia, de desmatamento, de direitos humanos, de homofobia, de racismo, entre outros, e também a conectar essas questões com o mundo corporativo. Os investidores começaram a pensar que precisam estar mais atentos a essas questões também, senão acabarão perdendo dinheiro. Todos esses fatores criaram um momento de ruptura. 

Como era a movimentação pela pauta ESG antes dessa ruptura? 

Antes disso, havia um movimento, mas não era em larga escala. Até mais ou menos 2019, ele vinha em um crescimento orgânico. Não é que ele brotou em 2019. Ele já existia. Mas em 2019, 2020, ele explodiu. O que não necessariamente é bom, mas foi o que aconteceu. 

E por que essa ‘explosão’ não seria algo bom?

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Porque os assuntos ESG estão focados em direitos humanos e meio ambiente. Infelizmente, no Brasil esses assuntos foram “ideologizados”. Não era possível, na leitura do mercado financeiro – que é uma leitura estúpida –, participar do mercado financeiro e se preocupar com o meio ambiente ao mesmo tempo. Assim como na alta cúpula do mercado corporativo. Era visto como assunto de socialista, comunista. O debate sobre direitos humanos e meio ambiente era totalmente interditado no mercado financeiro e, com isso, se criou um vácuo de conhecimento em relação a esses temas de trinta a quarenta anos no Brasil. E são questões complexas, profundas, amplas, densas. 

Em 2019 e em 2020, esse assunto explode e ganha uma relevância enorme. O mercado corporativo e o mercado financeiro são quase obrigados a tratar desses assuntos. Mas como tratar de assuntos tão complexos, profundos, amplos de uma hora para outra, sem ter conhecimento? A consequência desse vácuo de conhecimento de mais de trinta anos é o reducionismo. O ESG no Brasil é um ESG reducionista. Não é ESG de verdade. O ESG no Brasil é superficial, celebratório, pouco crítico. Trata de pouquíssimos assuntos. Só que, como as comunidades financeira e corporativa entendem isso como ESG, o perigo é a gente achar que está tratando ESG quando na verdade está tratando só da pontinha do iceberg. 

Pode dar um exemplo dessa superficialidade? 

Um exemplo é a pauta de diversidade, que é uma pauta importante para o ESG, mas está longe de ser a única. Geralmente o que se fala no Brasil é da equidade de gênero, que é importante. E às vezes se fala da equidade racial. Mas não se fala sobre inclusão de refugiados. Não se fala sobre inclusão de pessoas idosas. Não se fala de inclusão de pessoas com deficiências. Pouco se fala de inclusão LGBTQIA+, do público transexual, praticamente zero. A percepção que as pessoas têm, em geral, é a seguinte: estou falando de ESG porque estou falando de diversidade. Só que é uma pontinha da diversidade, e a diversidade é um dos pilares sociais do ESG. Muitas áreas estão sendo deixadas de lado. Não se fala sobre proteção de dados, sobre acidente de trabalho, sobre meritocracia, sobre uma série de temas que deveriam estar na pauta social. Existe uma redução do número de assuntos e os assuntos também são tratados de maneira superficial. 

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A pauta social aparece um pouco mais. Mas ainda o que é mais falado é a questão ambiental, correto?

Eu critico muito esse ponto. Hoje temos no Brasil um ESG “carbonocêntrico”. Se a empresa é carbono neutra, é vista como uma empresa responsável. Então, no limite, por exemplo, um trabalhador de uma construção civil pode cair do andaime e morrer, mas a empresa é aplaudida porque é carbono neutro. A gente pode chegar a esse absurdo. Estamos muito nesse ponto. Infelizmente estamos em uma situação bem crítica. A pauta social começou a ter um pouco mais de atenção nos últimos meses, mas está muito, muito, muito longe do ideal. No Brasil, deveríamos estar discutindo desigualdade social. O Brasil é o sétimo país mais desigual no mundo. Deveríamos incluir equidade racial na pauta. O Brasil tem 56% de negros. O Brasil é o segundo pior país do G20 em acidentes fatais no trabalho. Tudo isso entra na pauta ESG, mas não entra nos debates do ESG no Brasil. 

Os investidores estão acompanhando o crescimento da temática ESG?

Não lembro de nenhum outro assunto no mercado financeiro que teve tanta exposição. Deveria ter ocorrido uma grande mudança no comportamento dos investidores, que deveriam estar migrando os seus investimentos pelo menos parcialmente para ESG. Só que isso não aconteceu. O investidor não mudou o seu posicionamento. Continua investindo nas mesmas coisas. O investidor brasileiro não abraçou o ESG ainda. 

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O que fazer diante dessa situação?

A solução, para mim, seria trocar a geração porque, sinceramente, muita gente está sendo obrigada a olhar ESG porque o mercado está pedindo, mas não sente na alma a importância, a relevância. É quase que uma obrigação. A nova geração pensa diferente, realmente entende os atributos ESG como relevantes. Não compraria produtos de marcas que não se posicionem como antirracistas, anti-homofóbicas. Não comprariam de marcas que eventualmente violem direitos humanos, que prejudiquem o meio ambiente. Isso está no comportamento dessas pessoas como consumidores e como investidores. 

As empresas estão avançando na agenda ESG?

O Brasil tem milhões de empresas. As médias e pequenas muitas vezes têm a percepção de que políticas de sustentabilidade ou políticas ESG são caras e inacessíveis. E muitas também acham que podem adotar essas práticas só quando forem grandes. Isso cria um imobilismo para as empresas médias e pequenas. E esse pensamento não se sustenta. Tem muitas práticas ESG que são gratuitas. É preciso trazer essas discussões para as empresas médias e pequenas. 

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Já entre as grandes, existe uma intenção de parecer responsável. Isso cria uma dificuldade maior de entender se a empresa está fazendo aquilo de uma maneira genuína ou não. Divido as empresas em alguns grupos: aquelas que realmente fazem, estão de fato nessa agenda; aquelas que não fazem nada porque acham que é tudo “mimimi”, mas precisam dar algum tipo de resposta, então fazem um greenwashing forte; e as empresas que têm intenção de fazer a coisa certa, mas, por falta de conhecimento, estão fazendo a agenda errada - e essas empresas precisam de um pouco mais de apoio para terem as prioridades mais adequadas. 

Já conseguimos algum avanço da agenda ESG no Brasil?

O senso comum é que mal se falava de ESG anos atrás e agora as empresas estão no mínimo falando sobre o assunto e, portanto, avançamos. Mas a minha visão é diferente. Quando olhamos para os indicadores macro, não avançamos: a emissão de gás de efeito estufa no Brasil continua subindo. O desmatamento está lá em cima. Estamos melhorando minimamente a questão de diversidade, tanto de equidade de gênero quanto racial. Mas a desigualdade continua aumentando. Então nós, como país, não estamos avançando nessa questão. Tenho um medo de ver esse pequeno avanço em algumas empresas como positivo, porque dá a sensação de dever cumprido e as empresas param por aí. A gente está muito, mas muito longe daquilo que a gente precisa fazer. Figurativamente, saímos do zero para o um. Se a gente celebrar o um, ainda que um seja maior que zero, a gente corre o risco de ficar para sempre no um, ou eventualmente no dois. Não tem nada para celebrar ainda. 

E o que poderia ser feito para avançar essa agenda?

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Temos que entender a importância da agenda. Novamente usando a pauta de diversidade como exemplo, as pessoas de repente percebem que só têm homens na diretoria e pensam em aumentar o número de mulheres. Mas fazem isso porque é quase que uma demanda do mercado ou uma questão reputacional, que vai pegar mal. Grande parte das pessoas ainda não entendeu que a diversidade gera valor positivo, que empresas diversas decidem melhor, que as empresas diversas atraem e retêm mais talentos. Os benefícios ainda não estão claros. As pessoas ainda acreditam numa falácia de que existem dois caminhos para as empresas: o da rentabilidade ou o da responsabilidade, como se esses caminhos fossem antagônicos. Muitas empresas ainda pensam que vai custar caro seguir o caminho da responsabilidade ESG, que vão perder dinheiro, e é exatamente o contrário. Quando empresas e investidores tiverem a consciência de que essa pauta é uma pauta convergente e não divergente, aí teremos avanço. 

Por que é tão importante que a agenda ESG avance?

Primeiro, porque, se não embarcamos nessa agenda, vamos ficar com um planeta muito inóspito. Não dá para sermos irresponsáveis em relação a isso. Segundo, porque as empresas durante muito tempo privatizaram o lucro e socializaram os prejuízos. O dinheiro que ganho é meu, mas o impacto negativo que causo é da sociedade. Tem uma questão ética que também precisamos contemplar, porque isso não está correto. Terceiro, porque temos uma questão do Brasil. É abissal a questão da desigualdade. Ainda se os empresários tivessem um olhar totalmente cínico, se a desigualdade continua avançando do jeito que está, nem mercado consumidor as empresas vão ter mais. Então combater a desigualdade é também um bom negócio. Que eu acho obviamente um olhar horroroso. Mas mesmo que olhasse nesse ângulo, isso deveria ser feito. Mas tem sido postergado. As pessoas olham para o curto prazo, olham para os interesses pessoais. Precisamos de um pouco mais de consciência e de olhar de longo prazo.

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