China é ESG? Especialistas discutem avanço do país em agenda, mas com regras próprias

Professores e analistas do mercado financeiro dizem que China deseja se tornar um ator de destaque em assuntos ambientais seguindo seus próprios moldes

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Foto do author Beatriz  Capirazi
Atualização:

O ESG se tornou nos últimos anos uma das principais agendas do mundo corporativo, inclusive para investidores institucionais. Segundo o estudo Global Reporting and Institutional Investor Survey, idealizado pela consultoria EY, 78% dos investidores acreditam que as empresas devem investir em ESG.

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Embora a pauta esteja em alta e no radar das empresas, o assunto se torna uma questão que divide opiniões quando as práticas ESG das maiores economias do mundo são colocadas em xeque, considerando que elas ainda são as responsáveis pela maioria das emissões de gás carbônico no mundo.

Uma pesquisa da think tank internacional Carbon Brief sobre o acumulado histórico de emissões de gás carbônico, que considerou pela primeira vez o desmatamento ao contabilizar a liberação de CO2, aponta a principal economia do mundo, os Estados Unidos, como o maior emissor de gases do efeito estufa desde 1850.

Segundo o estudo, na segunda colocação vem a China, gigante emergente que só pretende começar a reduzir suas emissões a partir de 2030. Somada a essa questão, considera-se também o fato de que o respeito às diretrizes ambientais e sociais no país ainda gera debates.

China é ESG?

Nos últimos meses, influenciadores de finanças passaram a questionar o papel da China dentro de uma economia ESG, considerando a dualidade de ser uma das maiores economias do mundo (difícil de ser ignorada em um portfólio com foco no mercado internacional que vise rentabilidade e estar associada a todas as cadeias globais de produção industrial), mas também um dos maiores poluidores do mundo.

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O influenciador de finanças pessoais Bruno Perini, por exemplo, tem essa visão. “Um fundo que leva, de fato, o ESG a sério não deveria investir na China. Não por conta do ambiente, mas por conta dessa parte social. Os bilionários na China costumam desaparecer de vez em quando, você tem uma repressão política. Nessa parte da governança, nada impede que as políticas do partido comunista mudem a ponto de prejudicar severamente uma empresa”, afirmou ao podcast “Os Sócios”.

O influenciador se refere ao caso do empresário chinês Bao Fan, fundador da China Renaissance Holdings, que desapareceu por dias em fevereiro deste ano. Dias depois, sua empresa veio a público anunciar que estava “cooperando em uma investigação realizada por certas autoridades da República Popular da China”.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management, reconhece as polêmicas que o país se envolveu, mas destaca que a questão não é tão simples.

O economista lembra que a China tem um grande peso nos negócios internacionais, além de estar envolvida em todas as cadeias globais de produção e indústria. Com isso, para ele, um investidor que vise rentabilidade e diversificação de risco tem dificuldades de ignorar o país em um cenário macroeconômico, independente da China seguir uma agenda ESG ou não.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management Foto: Acervo pessoal

A opinião, no entanto, não é unânime. O professor de economia especialista em China da Universidade de São Paulo (USP) e consultor do grupo de transição do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Paulo Feldmann, destaca que há sim problemas quanto à transparência da segunda maior economia do mundo, mas enxerga que é um dos países que mais tem avançado na agenda ESG nos últimos anos. “Nenhum país fez tanto em melhorias ambientais e sociais quanto a China”.

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Para o professor doutor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, Yi Shin Tang, a China não ignora a temática ESG, mas quer fazê-lo dentro dos seus próprios padrões. “É um exagero dizer que (o país) preza pelo ESG, mas ela tem se esforçado. Ela não ignora, mas ela quer formar uma agenda de acordo com seus próprios moldes”.

China deseja criar agenda própria

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Para o internacionalista, a agenda ESG que os chineses pretendem formar não é a mesma que é seguida no Ocidente. “A China tem o poder de confrontar esse padrão e ela não quer participar de forma passiva”, explica Tang, destacando que o país tem a intenção de criar padrões próprios e regras que podem ser expandidas para outros países aliados, confrontando a agenda seguida pelos Estados Unidos e Europa.

O professor da USP destaca ainda que a China vê a situação como uma oportunidade, considerando que ainda não há uma agenda internacional única que seja seguida no mundo todo e que o tema ESG ainda está em uma crescente. Para ele, a intenção de se tornar um player neste mercado vai de encontro a “briga” que o país já trava com os Estados Unidos em outros setores, como na tecnologia e no controle de dados.

Neste sentido, Tang afirma que a China tem registrado avanços e feito medidas regulatórias para criar um padrão único que beneficie o país, adotando medidas mais “maleáveis”, que, segundo ele, podem mitigar a responsabilidade do país com ações que envolvem direitos humanos, por exemplo. “O padrão ESG da China é outro”, afirma.

“Ela não aceita esses padrões estabelecidos pelo Ocidente e criados em construções históricas muito diferentes dos dela. A China busca autonomia e não vai se adequar (a outro modelo) sem ter uma visão crítica ao que já vem sendo feito”, explica o professor doutor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Célio Hiratuka.

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Célio Hiratuka, professor doutor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foto: Acervo pessoal

Aceno para o Ocidente

Embora o país queira criar uma agenda própria, os especialistas consultados pelo Estadão destacam que o país tem trabalhado para se tornar líder em uma agenda sustentável, não só para conseguir se alinhar a possíveis parceiros comerciais, mas também porque este mercado é visto como um negócio.

“A China tem promovido mudanças nos últimos anos definitivamente, mas isso é um negócio para eles: o avanço tecnológico e ser líder em energias renováveis. O país é sempre essa mistura de uma estrutura herdada que se modifica muito rapidamente com tecnologia. Foi assim em várias áreas, e é assim com o ESG”, afirma Hiratuka.

Para o professor da USP, a promessa de alcançar a neutralidade de carbono antes de 2060 feita pelo presidente da China, Xi Jinping, durante a reunião anual da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2020 é a prova de que a nação, de fato, quer ser enxergada como um país que segue uma agenda sustentável.

“Eu acredito que haverá essa redução. O problema é que ela emite muito CO2, principalmente porque a energia elétrica dela é feita a partir do carvão. Ela tem essa coisa de ser um país ainda muito poluidor, mas há um esforço para mudar”, diz Feldmann, lembrando que a China possui uma das maiores frotas de carros elétricos do mundo e fiscaliza seus parceiros comerciais para evitar a poluição.

“As empresas brasileiras que vendem para a China, em sua maioria o setor agrícola, seguem regras. A China faz questão de que os produtores brasileiros respeitem as questões ambientais. Eles fiscalizam, verificam e ‘volta e meia’ barram algum produto que tinha alguma coisa errada”, afirma Feldmann.

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Para Feldmann, o fato de o país estar no centro do debate sobre as questões ESG tem como base o fato de que a sigla se tornou uma “moda” nos últimos anos, impulsionada por consultorias. No entanto, assim como em qualquer outro país, para ele, existem empresas poluidoras e empresas limpas na segunda maior economia do mundo. “Você vai ter empresas que desrespeitam os direitos humanos em qualquer país, mas não é por isso que você vai fazer uma avaliação negativa de um país”.

Paulo Feldmann, professor de economia especialista em China da Universidade de São Paulo (USP)  Foto: Divulgação USP

“Na China, as preocupações das empresas são maiores [com o ambiental] do que no Brasil tranquilamente”, afirma Feldmann, destacando que, para ele, o domínio do partido comunista nas empresas privadas no país, considerando que toda empresa tem um representante do governo em seu conselho de administração, leva ao cumprimento das normas sociais e ambientais do país independente deste ser um desejo.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management, não é da mesma opinião quando cita o tratado de 2060. “Estamos falando de 37 anos. É muito tempo, isso pode mudar a qualquer momento. Isso pode ser algo para “inglês ver”. Você tem tempo demais para discutir o assunto, muita tecnologia pode surgir. Mesmo porque parte do compromisso vem de uma demanda interna da China, assim como aconteceu no Japão e na Coreia do Sul”, afirma.

Para ele, assim como aconteceu com os países citados, que, segundo ele, passaram por uma melhora na questão social, educacional, industrial e posteriormente na ambiental, a demanda por mudanças acontece mais para atender uma demanda da própria população. “As pessoas não querem ficar em cidades ultra poluídas, mesmo que a gente esteja falando de um país que não é democrático. Eles estão utilizando ações internas para construir o caso externo. Ou seja, é uma demanda local, que parece que é confluência com uma agenda internacional”, afirma Vieira.

Investidores X China

A maioria dos analistas consultados pelo Estadão destacam que considerando o peso que a China tem em um cenário internacional, ignorar o país pode ser uma missão complicada para quem visa rentabilidade a longo prazo – considerando que a segunda maior economia do mundo está em uma crescente e deve se tornar ainda mais relevante em várias áreas nos próximos anos.

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“Ignorar a China no atual cenário é praticamente impossível. Assim como em outros países, você tem empresas que não poluem, que respeitam os direitos humanos, assim como as que não fazem isso. Dependendo da região do país a regulamentação é diferente. Existem regiões totalmente renováveis, enquanto outras são poluidoras. O investidor que quer expandir sua carteira para a China vai ter que navegar por diversas ‘chinas’”, explica o professor doutor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Célio Hiratuka.

Ele ainda destaca que para o mercado em si, ainda há dificuldade de mensurar e padronizar métricas ESG, tanto na China quanto em qualquer outro país. Com isso, Hiratuka defende que o investidor que busca investir no país usando métricas ocidentais enfrentará dificuldades.

“A China já entende que é preciso olhar com mais cuidado para o ESG visando o olhar globalizado. O investidor que ignora o país pode perder o retorno potencial da China. Desde a década de 80 ela teve um crescimento sem precedentes. Agora deve haver uma diminuição, mas sem dúvida ainda haverá um crescimento considerável”, afirma Tatiana Guedes, especialista em investimentos da InvestSmart XP, destacando que embora a transparência seja uma questão, o investidor em questão deve estar ciente de que perderá exponenciais ganhos.

A estrategista de ações da XP Investimentos, Jennie Li, reforça que os mercados de renda fixa e de renda variável da China são os segundos maiores do mundo depois dos Estados Unidos. “É uma gama de oportunidades muito grande pro investidor deixar de lado nesse momento. Acho que o ESG pode ser polêmico e gerar debates, mas está sendo tratado no país. A China tem um problema muito grande, mas ela tem uma ambição muito grande também com a meta de zerar a emissão de carbono”.

Jennie Li, estrategista de ações da XP Foto: Vivian Koblnsky/ XP

Já Paulo Feldmann, professor da USP, tem uma visão mais crítica quanto à própria relação do investidor institucional com o ESG. “É muito bonito falar que o investidor vai privilegiar empresas ESG, mas isso é mais um modismo do que a realidade. Sendo bastante prático, o que o investidor quer é ganhar dinheiro e ter lucro”.

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Para ele, a China inevitavelmente se tornará um player de destaque no mercado ambiental e uma opção para investidores que priorizam empresas sustentáveis, reforçando que ela já tem demonstrado o seu peso através do trabalho de relações públicas que tem feito para melhorar a sua imagem.

“Eles querem passar a imagem pro mundo que eles são o país mais preocupado com as mudanças climáticas e eles estão realmente fazendo isso. Hoje, a China quer mostrar para o mundo que ela é uma alternativa aos Estados Unidos”, afirma, explicando que este, inclusive, teria sido o motivo para Lula conseguir tantos empréstimos na sua ida para a China.

O internacionalista Yi Shin Tang é da mesma opinião, destacando que a visão de que ser sustentável não é rentável é ultrapassada e que a tendência das grandes potências é seguir o ESG. “Uma empresa que não segue a agenda tende a perder relevância no mercado”, explica, destacando.

Mercado financeiro vê ‘China verde’ nos próximos anos

Para Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management, a China mudará cada vez mais nos próximos anos, justamente para fornecer tudo o que o mundo estiver demandando. “A China vai voltar grande parte dos seus planos para a infraestrutura verde. Buscar painéis solares, aumentar os investimentos em tudo aquilo que o mundo vá demandar. Se o investidor for inteligente agora, ele não olha o ESG da China como balizador”.

“A partir do momento que os investidores levam o [ESG] em conta e existe um fluxo de capital para isso, a gente já tem visto uma rápida resposta dos países e da China para incentivar, seja via políticas ou outras para que essa preocupação se torne cada vez menor”, afirma a head de ESG na XP Investimentos, Marcella Ungaretti.

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Para Jennie Li, também da XP, justamente pelo governo ter um controle maior nas empresas, isso facilita que a China atinja as suas metas se comparado com os Estados Unidos, por exemplo, que conta com a fragmentação de democratas e republicanos. Para ela, por não ter trocas cíclicas, eles conseguem se planejar a longo prazo. Com isso em mente, ela acredita que a China, de fato, cumpra suas metas ESG nos próximos anos e se torne uma opção ‘verde’ para investidores.

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