As empresas brasileiras avançaram significativamente na área de compliance nos últimos anos. É o que aponta Emerson Melo, sócio da KPMG, ao comentar a pesquisa “Maturidade do Compliance no Brasil”, realizada pela consultoria. Para Melo, o levantamento, que está em sua quinta edição, traz números que comprovam os esforços empreendidos pelas companhias na área.
“Se compararmos os números desta edição com a primeira pesquisa, feita em 2015, a evolução fica muito clara. O tema compliance, temas de ética e integridade, estão cada vez mais relevantes para as organizações”, afirma. O conceito de compliance, no mundo dos negócios, está relacionado à conformidade, à adequação das empresas a normas e regulamentos. Os programas de compliance costumam ser um importante pilar da governança corporativa nas empresas.
A pesquisa da KPMG foi realizada durante o ano de 2020 e ouviu funcionários de 55 empresas, de diferentes estruturas e diversos setores. Melo destaca alguns pontos do levantamento. Enquanto em 2015 apenas 40% dos participantes afirmaram que, na empresa onde trabalhavam, as funções de compliance eram predominantemente realizadas pela própria área de compliance, na edição divulgada em 2021 o número chegou a 64%. A pesquisa atual também apontou que apenas 4% disseram não existir essa área ou equivalente em sua empresa.
Outro aspecto destacado pelo sócio da KPMG é o fato de que 75% dos participantes da pesquisa afirmaram que executivos seniores reforçam periodicamente que práticas de compliance são essenciais para o sucesso da estratégia da empresa.
“Nós observamos um maior envolvimento e uma maior supervisão dos executivos, dos membros de comitês de auditoria e de conselhos de administração nos programas de compliance, o que é muito importante. Naturalmente, quando você tem uma estrutura dedicada ao compliance, a preocupação da empresa com o tema se torna muito mais latente. Mas o compliance não é apenas ter uma estrutura. Porque é uma responsabilidade de todos, é algo muito relacionado à cultura”, diz.
De acordo com o levantamento, 82% dos respondentes receberam treinamento de compliance e anticorrupção nos 12 meses que antecederam a pesquisa. O sócio da KPMG aponta ainda a relevância da evolução das companhias nas práticas de detecção: 91% dos participantes disseram que possuem estrutura de monitoramento e teste da efetividade dos controles internos, enquanto, em 2015, o número era de 75%.
“Podemos concluir que a preocupação antes era muito mais no sentido de implementar o programa de compliance, enquanto a preocupação hoje é ter um programa de compliance efetivo”, afirma. O levantamento também aponta que 91% dos entrevistados declararam possuir o canal de denúncias em sua empresa, um mecanismo essencial, segundo Melo.
Melhorias
Apesar de celebrar os avanços, Melo alerta que ainda há muitos aspectos que podem e devem melhorar nas empresas. Entre os pontos indicados pelo especialista aparece o reporte da área de compliance à administração: para 42% dos entrevistados, o documento é apresentado trimestralmente; para 7%, o reporte só é apresentado quando solicitado; para 2%, não há nenhuma comunicação entre essas duas áreas. “Se não há um reporte à alta gestão, naturalmente eu não tenho uma governança estabelecida, porque não há ali o fluxo de comunicação para manter a governança do processo”, critica.
Outro dado que causa preocupação, segundo Melo, é o de que apenas 65% dos entrevistados disseram que inovação tecnológica em compliance não é um tema de debate na empresa. “É uma preocupação muito grande, porque quanto mais você aumenta controles e processos, caso você não traduza isso em transformação digital, em automação, uso intensivo de inteligência artificial e análise cognitiva, você passa a ter um custo com pessoas, com controles, muito alto, e com baixa eficiência. O uso da tecnologia vem para ajudar, para permitir ganho de eficiência e eficácia dos seus controles internos. Acompanhamos isso no mercado e tentamos promover essa transformação nas organizações”, afirma.
O especialista também aponta o dado de que 45% dos participantes afirmaram que os terceiros (prestadores de serviço, parceiros comerciais, entre outros) não receberam treinamentos de compliance e anticorrupção nos 12 meses que antecederam a pesquisa. “Mesmo que o número seja menor quando comparamos com a edição de 2017, que era 61%, ainda é uma porcentagem significativa. Mas essa diminuição significa que as empresas estão preocupadas em também olhar um pouco para fora e entender os riscos trazidos por terceiros para dentro da organização. Como riscos financeiros, socioambientais e riscos de imagem e reputação”, explica Melo.
O gerenciamento de riscos de terceiros também apareceu como o risco mais relevante para os participantes da pesquisa, juntamente com a gestão de contratos, sendo citado por 91% dos empresários. Para o especialista, a preocupação com os riscos representados por terceiros está em evidência agora por conta do processo natural de amadurecimento da governança corporativa. “No contexto das empresas brasileiras, que passam pela construção de uma governança, o primeiro passo é você se organizar dentro de casa, e depois apoiar e atuar de forma colaborativa no ecossistema onde a empresa está inserida. Primeiro, implementam o programa de compliance dentro da empresa, para depois exigir um programa de compliance dos parceiros”, afirma.
Além de gestão do risco de terceiros e de contratos, os outros riscos de compliance mais citados na pesquisa foram fraude, combate à corrupção e lavagem de dinheiro (citado por 91% dos respondentes) e trabalhistas, segurança do trabalho, previdenciários e tributário (85%). Também foram mapeados os principais desafios do compliance, sendo os mais citados a capacitação dos públicos interno e externo (89%) e o monitoramento dos aspectos regulatórios aplicáveis ao negócio (85%).
Melo aponta que esses riscos e desafios apontados na pesquisa devem ser as prioridades das empresas em relação a investimentos na área de compliance. “Acredito que, nesse momento, os investimentos devem ser em cinco pontos: gestão de terceiros e gestão de contratos; combate a fraude, corrupção e lavagem de dinheiro; desenvolvimento de mecanismos de monitoramento contínuo do ambiente regulatório brasileiro e internacional; riscos trabalhistas; e práticas contábeis. E, é claro, quando falo nesses pontos, já considero que todos eles carregam junto o investimento em tecnologia, que deve permear esses processos todos”, aconselha.
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