As empresas dos setores de consultoria, gestão e serviços, tecnologia e do setor financeiro são as melhores para pessoas LGBT+ trabalharem em 2023, segundo a pesquisa HRC Equidade BR, divulgada nesta quarta-feira, 31, pela Human Rights Campaign Foundation (HRCF), pelo Instituto Mais Diversidade e pelo Fórum de Empresas e Direitos LGBT+. O estudo foi obtido pelo Estadão em primeira mão.
Segundo o levantamento, que tem como objetivo avaliar a equidade e a inclusão de pessoas LGBT+ no ambiente de trabalho no Brasil, as empresas dos setores mencionados foram as que mais demonstraram engajamento na pauta e se mostraram ambientes seguros, que abraçam a diversidade.
O estudo contou com a participação de 91 empresas no total e classificou 57 companhias como as melhores empresas para pessoas LGBT+ trabalharem neste ano. As empresas que receberam este “reconhecimento” alcançaram a nota 100 nos critérios avaliados pelo levantamento, que vão desde a avaliação de dados internos das empresas, incluindo suas políticas, benefícios e treinamentos, até a prestação de contas das ações feitas.
Setores que se destacaram
Segundo a Mais Diversidade, os setores que mais se destacaram foram os de consultoria, gestão e serviços (18%), o de tecnologia (14%) e o setor financeiro (10%).
Para o CEO da Mais Diversidade, Ricardo Sales, esse é um demonstrativo de que estes são setores que tem um interesse natural de participar da pauta. Especialistas ouvidos pelo Estadão destacam ainda que a explicação para essa tendência seria que muitas destas empresas tem como foco o consumidor final, sendo B2C.
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Luana Genót, diretora-executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), explica que as empresas que mais têm se empenhado em promover a diversidade são aquelas com foco no consumidor final ou que estão muito expostas de forma midiática. Por isso, são as primeiras a aderir às mudanças, se tornando vanguardistas nas propostas de mudanças nas empresas, incluindo a pauta de diversidade.
Para o assistente administrativo do Instituto Localiza, Matheus Laurindo, trabalhar em um ambiente inovador foi uma mudança de chave na sua carreira, tanto para a progressão dela a longo prazo, quanto em níveis pessoais.
Hoje um dos líderes do setor de diversidade da empresa, Laurindo, que é um homem transgênero, destaca que era receoso de falar sobre a sua transição de gênero em outras empresas por não ter começado o seu tratamento hormonal e não saber se conseguiria ter as mesmas oportunidades.
“Nas outras empresas, as pessoas falavam de diversidade, mas a gente não via ações, na prática. Aqui, eu fui acolhido. Me sinto seguro de ir e vir em todas as áreas”, diz. Laurindo afirma que se sentir aceito de forma integral na empresa é um fator decisivo não só para a sua permanência de longo prazo, mas também para se sentir mais conectado aos valores da companhia e ter um engajamento maior.
Empresas se concentram no Sudeste
Para o CEO da Mais Diversidade, Ricardo Sales, o resultado da pesquisa demonstra que cada vez mais empresas estão apostando em políticas de diversidade. No entanto, embora essas práticas tenham avançado em empresas de grande porte, o estudo demonstra que elas ainda se concentram no Sudeste.
Das 91 empresas que participaram da pesquisa, 74 estão localizadas em São Paulo, seguido de nove no Rio de Janeiro. Em seguida, aparece Minas Gerais, com a participação de sete empresas, e apenas uma empresa do Nordeste, com sede em Pernambuco.
Para Sales, a explicação para essa discrepância se dá não só pela economia desenvolvida em São Paulo, mas também pelo fato de a agenda de diversidade com foco na população LGBT ainda estar concentrada nas grandes metrópoles, consideradas por especialistas regiões mais receptivas à diversidade.
“Não é um problema as práticas estarem sendo desenvolvidas com força nestes Estados, é um problema se o desenvolvimento se restringir apenas ao Sudeste no longo prazo”, explica, defendendo ainda que acredita que essas pautas atualmente são prioridade das grandes empresas, que, para ele, se concentram majoritariamente no eixo Rio-São Paulo.
Além disso, o especialista destaca que muitas das empresas que atuam de forma efetiva nestas práticas são multinacionais concentradas em sua maioria no Sudeste, trazendo assim políticas e ações que já são práticas em outros países — a pesquisa aponta que 78% dos participantes são empresas multinacionais.
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Para Sales, essa é a prova de que ainda é uma elite de empresas que pratica a agenda de diversidade. No entanto, ele destaca que as grandes empresas são a ”chave” para impulsionar a discussão para outros patamares, atingindo também as pequenas e médias empresas.
Diferencial de empresas são políticas específicas
Para o CEO da Mais Diversidade, Ricardo Sales, o grande diferencial das empresas consideradas um ambiente pró-diversidade são as ações concretas voltadas para a causa. Das que receberam a certificação na pesquisa, 91% contam com uma política de inclusão. Além disso, todas as 57 implementaram um comitê ou conselho de diversidade.
Sales ressalta que outro destaque entre as empresas é o fato de hoje elas estarem suprindo um vácuo do poder público. “As empresas estão atuando no vácuo das políticas públicas. No Censo do ano passado não houve um recorte para nós. Estamos em um país em que o governo federal, nos últimos anos, não lançou nenhuma política com esse foco e em que o Congresso nunca aprovou uma lei para garantir direitos para a população LGBT+. Todas as garantias vieram a partir de interpretações do STF”, afirma.
A implementação de políticas que, por exemplo, deem respaldo para a transição de gênero de pessoas transsexuais é uma dos trunfos da iniciativa privada que, para ele, deveria ter uma atenção maior do governo. Ele diz considerar esse um dos pontos cruciais da discussão, já que mesmo entre as empresas que apoiam a causa, essa ainda não é uma prática adotada de forma ampla.
Ainda segundo o levantamento, apenas 56% das empresas que vão ser reconhecidas oferecem benefícios exclusivos para pessoas trans, pensando em processos de apoio desde o aconselhamento psicológico, harmonização e outras práticas específicas. Além disso, apenas 40% possuem uma política de transição de gênero estruturada.
“É importante ter um processo estruturado, com garantias de que aquele colaborador vai ter direito a férias ou outra política para passar por esse processo. É uma garantia de que ele não vai ter que contar com a boa vontade do chefe. É ter os direitos deles respeitados”, destaca Sales, destacando que, hoje, as pautas relacionadas à causa ainda não recebem uma atenção devida do poder público.
Para os especialistas ouvidos pelo Estadão, nos últimos anos só houve um avanço da agenda de diversidade no setor empresarial graças a mudança geracional, com a entrada da geração Z no mercado de trabalho, o avanço da tecnologia que deu mais voz à população — exigindo que as empresas se posicionem — e a própria agenda de negócios. Vários especialistas destacam que apostar em diversidade traz retornos em inovação, engajamento, reputação, além de atrair e manter as novas gerações.
“Os avanços são muitos e eles precisam ser celebrados. A gente está em um mundo perfeito? Longe. Dez anos atrás o grande debate era sair ou não do armário. Hoje, embora ainda válida, as discussões também são outras, principalmente por direitos. É preciso reconhecer os avanços, ao mesmo tempo que a gente aponta que estamos uma velocidade aquém do necessário. Precisamos que empresas e governos atuem de forma mais acelerada nessa direção”, afirma Sales.
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