Mesmo com COP no Brasil, política fiscal pesará para investidor estrangeiro em 2025, diz analista

Para Linda Murasawa, que é membro do Comitê do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima do MMA, sinalização de estabilidade pode ser decisiva na atração de capital para a bioeconomia

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Foto do author Shagaly Ferreira
Foto: Climate Finance Hub/Divulgação
Entrevista comLinda MurasawaMembro do Comitê do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima do MMA e líder de engajamento do setor financeiro do Climate Finance Hub

O Brasil não deixará de receber investimento estrangeiro para a bioeconomia, mas o nível de confiança de investidores no cenário econômico brasileiro poderá definir a atração de maior ou menor volume de recursos para esse fim. A projeção é da especialista em Liderança em Sustentabilidade pela Universidade de Cambridge, Linda Murasawa.

Em entrevista ao Estadão, Murasawa, que integra o Comitê do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e é líder de engajamento do setor financeiro do Climate Finance Hub, faz referência aos fatores que causaram alta do Risco Brasil em 2024 e que, se não mostrarem sinais de estabilidade ao longo de 2025, podem ser prejudiciais para financiamentos verdes, mesmo com a realização da 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30) no País.

Murasawa integra o Comitê do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima do MMA e é líder de engajamento do setor financeiro do Climate Finance Hub Foto: Anbima/Divulgação

O Brasil tem atravessado um período de instabilidade na economia, com o dólar atingindo níveis recordes, alta dos juros básicos e com o mercado esperando uma elevação ainda maior da Selic e da inflação. O cenário incerto tem provocado movimento de fuga de capital tanto de investidores estrangeiros quanto brasileiros, com destino principalmente ao mercado norte-americano.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

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O Brasil está atravessando um período de instabilidade na economia. Se ele perdurar, de que modo isso pode afetar a atração de capital estrangeiro para financiamentos verdes no País?

Estamos com um problema de política fiscal, que gera desconfiança, e isso traz incertezas que acabam provocando pressões em questões não só cambiais, mas em outros itens macroeconômicos. Essa conjuntura nos traz o problema de que o custo do capital para quem quer financiar está ficando caro, pois estamos falando de taxa de juros alta, de trazer dinheiro estrangeiro numa taxa cambial alta. Podem até haver linhas de crédito, mas a um custo de capital grande. Isso é muito preocupante no momento em que nós estamos pensando nas questões da sustentabilidade e de clima. Não só no Brasil, mas no mundo, há uma necessidade de se trazer mais capital para os financiamentos, principalmente os climáticos, para combate aos eventos extremos. Para isso, precisamos investir em novas tecnologias e fazer novos produtos com baixas emissões, e isso precisa de muito capital. Só que o capital está caro.

Quais são os efeitos disso?

Na COP Clima, uma parte das pessoas saiu feliz porque se chegou a (resolução de investimento de) US$ 300 bilhões por ano dos países desenvolvidos para os emergentes, só que a conta, na realidade, tinha de ser muito maior, porque estaríamos precisando de cerca de US$ 1,3 trilhão por ano. Existe, primeiro, um gap (lacuna) na quantidade de recursos para o financiamento. Segundo, o que existe vai ser direcionado de uma forma em que os investidores vão ser atraídos para onde há menor risco. E o Brasil, se continuar nessa toada, com problema de oscilação de câmbio, com política fiscal não clara, com inflação voltando a crescer, estará aumentando o seu risco. (Isso) no momento em que nós, como País, estamos querendo nos posicionar com uma liderança climática. Então, há um arcabouço bem complexo em que nós temos de trabalhar muito: o governo, os empresários, a sociedade como um todo, as universidades. É fazer esforços coletivos para que a gente possa realmente buscar alternativas e soluções que sejam pragmáticas. Quando falamos que temos de combater o desmatamento, temos de fazer isso de fato, e não ficar simplesmente falando que um dia nós vamos chegar lá. E é onde a balança começa a pesar, porque estamos vendo com certa frequência o aumento dos eventos extremos.

Neste ano de COP-30, é esperado que o Brasil seja visto como o berço dessas soluções. Ainda assim, esse cenário econômico é preocupante?

Sim, é preocupante. Mas eu gosto de enxergar sempre os dois lados. A gente tem vários riscos, mas tem as oportunidades. O Brasil já tem muita coisa boa. Uma delas, naturalmente, é a nossa biodiversidade. Então, por que não olhar os modelos econômicos que a gente tem de lidar incluindo a biodiversidade? Trabalhar, por exemplo, em soluções que vão levar a uma economia de baixo carbono? O que eu quero dizer com isso é que pode haver novos produtos e serviços que poderão ser advindos de uma bioeconomia, como o trabalho com o conceito de economia circular, para poupar ou preservar mais a biodiversidade, tirando menos recursos naturais e reutilizando os existentes. Temos a oportunidade de fazer hidrogênio verde e a possibilidade de ter uma matriz energética renovável. Sendo um País de agro, existem várias técnicas que podem ser utilizadas para uma produção com baixas emissões. Quando você traz modelos, metodologias, novos produtos, isso é visto pelo mundo inteiro, porque está todo mundo querendo entender como foi feito.

Dá para evoluir nisso em 2025, mesmo com uma eventual queda no financiamento estrangeiro?

O Brasil recebe muito investimento estrangeiro. É um dos países da América Latina que mais atrai capital em relação aos países emergentes. Mesmo em condições não tão favoráveis, o Brasil continuará atraindo. A gente precisa desse dinheiro, porque a transição que nós precisamos fazer é em todos os setores. Se fosse em só um setor, talvez a gente conseguisse só com o que tivesse no País.

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Muitas empresas têm apostado na emissão de títulos verdes como estratégia financeira de ESG. Essa pode ser uma tendência para este ano?

O título verde é uma forma que as empresas têm de demonstrar para os seus investidores que está mitigando os seus riscos e perseverando a resiliência da empresa no longo prazo. Gosto muito dos títulos temáticos, porque, ao olhar o título temático, você está olhando qual é o posicionamento, onde se quer chegar daqui a um tempo. E é por isso que o investidor se interessa pelos títulos temáticos, porque ele não quer mais correr risco ambiental, risco social, risco climático, e quer escolher o que esteja alinhado com isso. Essa sinalização é muito importante para o mercado e a tendência será de crescimento. Sem querer entrar em méritos geopolíticos, há aqueles que combatem a questão da mudança climática. Eu sempre falo que não importa o nome que você quer dar, se é ESG ou ABC. Vamos aos fatos. Os riscos estão aí. Diante do fato, temos de reagir.

A sra. fala sobre aspectos geopolíticos. Há uma preocupação sobre a possibilidade de Trump repetir políticas protecionistas que acabem impactando em uma diminuição de investimentos em fundos verdes. Isso faz sentido?

Qualquer movimento que os EUA façam afeta a economia do planeta. Não tem como ignorar o mercado americano. Lógico que a entrada do Trump com essa questão de os Republicanos não olharem o tema ESG, isso pode sim (influenciar). Houve em 2024, nos EUA, uma redução de atração de capital em fundos que mexiam com ESG. Mas temos de lembrar que a forma como os EUA trabalham tem uma independência dos seus Estados. E há mais de 17 Estados americanos que já têm toda uma regulamentação climática, e eles não vão tirar isso agora. A maior parte das pessoas ali sabe que pode haver um negacionismo, mas não tem como deixar de enfrentar a realidade. Está havendo diminuição de safra, baixa produtividade, aumento de ventos fortes, tufões, furacões, etc. Se querem chamar de outra coisa, não importa, mas eles vão ter de combater isso.

E sobre o crédito facilitado para custeio das operações sustentáveis no Brasil, isso é um problema?

Hoje, os grandes bancos privados e de desenvolvimento têm linhas de financiamento que ou são sustentáveis ou são climáticas. O que, às vezes, faz com que as empresas não consigam chegar a uma taxa de juros melhor é que a taxa de juros é proporcional ao próprio risco. Como eu mitigo o meu risco? Se eu quero pegar uma linha de sustentabilidade, eu tenho que ter feito a lição de casa. Isso será levado em consideração na análise de crédito e risco, de forma que seja proporcional à sua taxa de juros. Porém, se você não fez nada e quer tomar uma linha sustentável, você até consegue, mas com uma taxa de risco maior. A culpa não é tanto dos empresários em si, principalmente num País que tem bastante médias e pequenas empresas, porque as grandes empresas sabem o que estão fazendo e têm equipes para isso. Mas, cabe conseguir alcançar esses praticamente 80% do empresariado de pequenas e médias, que não têm equipes específicas e que, às vezes, nem sabem onde buscar o recurso.

Além dos títulos verdes, o que pode entrar como tendência para 2025?

As empresas vão começar a olhar com mais firmeza para a descarbonização, principalmente porque as grandes trabalham com mercados internacionais. As pressões internacionais vão fazer com que haja uma necessidade de reação. Como o mundo hoje pensa muito na transição energética - até porque ela está ligada ao petróleo -, uma das coisas para focar é na troca do combustível. O Brasil tem biocombustível, tem possibilidade do hidrogênio verde e possibilidade do elétrico, que vão afetar logística. Então, vai começar a ter uma mobilização muito forte em relação a isso. O que 2025 está trazendo é a necessidade de cada vez mais intensificar o entendimento do que é a sua descarbonização, porque a descarbonização de cada setor será diferente, e, dentro daquele setor, a estratégia de cada empresa será diferente em termos de capacidade financeira e operacional. Tudo isso tem de ser devidamente orquestrado, com a ajuda de políticas públicas e programas de fomento, trazendo recursos nacionais e internacionais, e, em alguns casos, trazendo recursos filantrópicos.

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