RIO - A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou nesta terça-feira, 3, quatro antigos membros da diretoria executiva da Petrobrás em processos administrativos envolvendo irregularidades na construção e testes de valor recuperável da Refinaria Abreu e Lima (Rnest) e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Os casos partiram da corrupção revelada pela Operação Lava Jato. Ao todo foram aplicados R$ 1,6 milhão em multas e penas de inabilitação de executivos.
O órgão regulador do mercado de capitais brasileiro absolveu a ex-presidente Dilma Rousseff e outros integrantes de seu governo e do conselho da estatal acusados, como o ministro Guido Mantega e Luciano Coutinho, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Os ex-diretores Paulo Roberto Costa (Abastecimento) e Renato Duque (Serviços) foram condenados por violação ao dever de lealdade em relação à companhia, por terem patrocinado e aprovado o avanço de obras da Rnest e do Comperj em troca de vantagens indevidas recebidas de empreiteiras. Ambos foram inabilitados pela CVM e não poderão atuar como administradores ou conselheiros fiscais de companhias abertas nos próximos 15 anos.
Réu confesso na Lava Jato, Costa também recebeu um total de R$ 1,15 milhão em multas nos três processos julgados nesta terça-feira, 3. Todos os condenados ainda podem recorrer ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o Conselhinho, segunda instância das decisões da CVM.
Testes de impairment
No processo que investigou eventuais inconsistências contábeis em testes de de valor recuperável (impairment, no jargão do mercado) a CVM condenou Costa, o ex-presidente José Sérgio Gabrielli, e o ex-diretor Financeiro Almir Barbassa pela decisão de não realizar o teste referente a Abreu e Lima no ano de 2010. Eles terão que pagar multa individual de R$ 150 mil cada.
A ausência do teste pode ter induzido investidores a erro, ao impedir que o balanço da estatal retratasse sua verdadeira situação financeira. A revisão dos ativos avalia se suas receitas futuras serão suficientes para arcar com seus custos de operação e recuperar os investimentos feitos. Quando o resultado do teste é negativo, a empresa pode fazer uma baixa contábil, procedimento que afeta a última linha de seu balanço e sua percepção pelo mercado.
A acusação havia apontado como uma falha da administração a ausência de teste de impairment da Rnest em 2010, apesar de fortes indícios de perda do seu valor recuperável. A principal foi a alta dos custos do projeto de US$4,1 bilhões para US$13,3 bilhões.
O processo avaliava os testes de impairment feitos no período de 2010 a 2014, por isso eram acusados ao todo 40 ex-diretores executivos, conselheiros de administração e fiscais da petroleira. A CVM decidiu absolver os conselheiros de administração e fiscais porque o colegiado entendeu não haver sinais de alerta e nem ressalvas apontadas pelos auditores independentes que os levassem a aprofundar a análise sobre a avaliação da refinaria em 2010.
Adiados
Os três casos começaram a ser julgados no fim de agosto, mas os resultados foram adiados por pedidos de vista dos diretores Gustavo Gonzalez e Flávia Perlingeiro. O relator dos processos na CVM, diretor Henrique Machado, havia votado pela aplicação de R$ 16 milhões em multas, valor dez vezes superior ao resultado de hoje e ainda modesto se comparado aos prejuízos bilionários da estatal.
Só no caso Abreu e Lima o diretor pediu R$ 10,5 milhões em penas pecuniárias à diretoria e a todo o conselho de administração da estatal na época, incluindo a ex-presidente Dilma Rousseff e Mantega por falhas na supervisão de controles internos da empresa. Ele pediu a absolvição da ex-presidente da Petrobrás, Graças Foster, acusada de ter interferido nos trabalhos da comissão interna criada para analisar os problemas na Rnest, decisão que foi mantida pelo restante do colegiado.
No entanto, prevaleceu a posição dos diretores Gustavo Gonzalez e Flávia Perlingeiro, com o presidente da CVM, Marcelo Barbosa, tendo se declarado impedido. Nos casos relativos à aprovação de obras nas refinarias, Gonzalez avaliou que a acusação atribui maior peso aos alertas de risco do que às vantagens apontadas nos documentos apresentados aos diretores sobre o projeto. Assumir riscos, ainda que no futuro signifique prejuízos, é uma decisão negocial da diretoria, e caberia à acusação provar que houve má-fé ou decisão mal informada.
“A acusação não se desincumbiu desse ônus: ao contrário, disse não haver prova de que os diretores e conselheiros acusados de falta de diligência voluntariamente contribuíram para a prática dos gravíssimos desvios, acusando-os de uma conduta negligente sem demonstrar porque ela não satisfaria os requisitos da regra da decisão negocial”, afirmou Gonzalez.
Nos julgamentos dos casos Comperj e Rnest também ficou consolidada a jurisprudência da CVM em relação ao aproveitamento da prescrição penal na esfera administrativa. O voto vencedor admitiu essa hipótese apenas para Duque e Costa, acusados de faltar com o dever de lealdade com a Petrobrás, porque essa conduta configura ao mesmo tempo infração administrativa e crime. Para os demais acusados prevalece a prescrição administrativa de 5 anos.
Com posição contrária a respeito, o diretor Henrique Machado registrou é o resultado impõe uma reflexão a respeito da condenação exclusiva dos membros da diretoria da Petrobrás que colaboraram com as investigações da Lava Jato em sede criminal. “É um sinal claro de inadequação de estruturas jurídicas e administrativas”, pontou.
A defesa de José Sérgio Gabrielli afirmou que vai recorrer da condenação ao Conselhinho. Os advogados de Almir Barbassa preferiram não comentar. O Estadão não obteve retorno da defesa de Paulo Roberto Costa até o fechamento dessa reportagem. Renato Duque não constituiu advogado.
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