Mesmo com o progresso na última década das políticas de diversidade e inclusão nas empresas brasileiras, especialmente a partir da lei de cotas, a desigualdade racial no mercado de trabalho é ainda um grande desafio a ser superado no País, tanto para empresas quanto para o poder público.
Neste ponto, avaliam especialistas consultados pelo Estadão, ambientes pouco acolhedores à inclusão racial e a falta de políticas de retenção para profissionais negros tornam a situação ainda mais complexa. Com o impasse, as pessoas negras seguem entre os que aparecem em posição de desvantagem no mercado de trabalho.
O cenário é confirmado pelos números. Segundo o relatório “As dificuldades da população negra no mercado de trabalho”, elaborado pelo Dieese com base em dados do IBGE de 2023, os negros somam 65,1% da população desocupada. Entre os empregados, eles recebem, em média, 32,9% a menos do que os não negros na mesma posição.
Este desequilíbrio e as alternativas para resolvê-lo serão temas de debate no Estadão Summit ESG - Empresas e Sociedade pela Agenda 2030, evento que será promovido pelo Estadão nesta quinta-feira, 26, a partir das 8h, no Teatro B32, em São Paulo (SP). As inscrições estão abertas neste link.
Uma das palestrantes do evento, Jaque Conceição, diretora da consultoria de letramento racial Coletivo Di Jeje, avalia que, entre os fatores que contribuem para a permanência do quadro negativo, está a ausência de políticas de pleno emprego no Brasil, voltadas para incluir amplamente as pessoas no mundo produtivo. Além disso, ela lembra que o mercado de trabalho no País é altamente competitivo e tem como base a exigência de uma densa formação como condição para trabalhar, sem, contudo, oferecer oportunidades educacionais de maneira igualitária.
“Estamos falando de um País que ainda tem um déficit em educação básica gigante. A formação tem sido o critério fundamental para ocupar o mercado de trabalho, mas a condição para estar nesse lugar não está dada”, afirma Conceição.
A especialista acrescenta ainda que, mesmo nos casos em que são criadas vagas voltadas para a comunidade negra, há espaços no ambiente corporativo que ainda são pouco acolhedores para essas pessoas, principalmente nos casos em que as lideranças mais próximas aos funcionários operacionais atuam de maneira a ter atitudes preconceituosas.
“A gente joga muito o peso (da desigualdade racial) nas lideranças de alto nível, mas percebemos, com as nossas pesquisas, que elas têm a sensibilização sobre práticas de enfrentamento ao racismo. O problema está em quem executa essas políticas, que são as lideranças gerenciais que atuam na base. Precisa haver um trabalho específico para essas pessoas, pois são elas que executam as políticas dentro da organização no ‘chão da fábrica’.”
Se o panorama da desigualdade racial no mercado de trabalho já aponta para um desequilíbrio, o quadro é ainda menos inclusivo nas posições de alta liderança. Uma pesquisa divulgada em agosto pelo Pacto Global da ONU – Rede Brasil e pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) mostra que os homens brancos são os que ocupam a maior parte das posições de presidência nas companhias do Brasil (64,1%), seguidos por mulheres brancas (14,8%). Mulheres e homens negros aparecem em terceiro e quarto lugares com 5,5% e 4,7%, respectivamente.
O diretor de Diagnóstico e Indicadores do CEERT, Mário Bento, pondera que houve uma mudança positiva no cenário nas últimas décadas, mas diz que não é possível ignorar uma diferença de representatividade racial “ainda gritante”, nessas posições. “É realmente um grande desafio quando a gente olha que o alcance dessas posições já é uma grande dificuldade, e para os homens negros e mulheres negras é outra ainda maior.”
Empresas precisam intervir
Ações mais efetivas de redução da desigualdade racial no trabalho e de promoção da diversidade nas empresas não só são urgentes para o mercado de hoje como são essenciais para a sustentabilidade dos negócios, lembra a diretora da consultoria iO Diversidade, Rachel Rua. Recentemente a consultoria, com o Instituto Locomotiva e a B3, divulgou uma pesquisa indicando que 7 em cada 10 brasileiros acreditam que seja papel das empresas apoiar a diversidade.
Segundo Rua, a ideia de que a diversidade faz a diferença nos negócios já foi incorporada pelo mundo corporativo, mas é preciso que as ações voltadas para essa pauta não sejam encaradas como “apenas filantropia”. Para ela, a diversidade precisa ser encarada pelas altas lideranças pela régua dos negócios, como qualquer outro tipo de viés.
“No dia em que conseguirmos avançar nesse sentido, a pauta irá se estabilizar de uma maneira mais explícita para esses gestores. Não adianta aumentar a representatividade sem criar um ambiente interno em que essas pessoas possam performar”, diz a especialista. “Não é possível haver impacto em uma estrutura altamente hierarquizada, na qual essas pessoas não têm chance de falar. Sem isso resolvido, haverá aumento do turnover (taxa de rotatividade), e as pessoas negras sairão dessas empresas”.
Ela orienta ainda que, para mitigar desigualdades no mercado de trabalho, as empresas precisam pensar em estratégias de curta, média e longa durações específicas para a pauta.
“A estratégia de curta duração é ampliar o número de pessoas de grupos diversos. A de média é alterar a cultura da empresa, para que ela seja mais inclusiva. Por fim, devem ser criadas métricas de rendimento variável para o gestor que olha para a diversidade”, explica Rua.
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“Estamos falando de problemas estruturais da sociedade brasileira. Eles não se resolvem apenas com uma palestra pontual. É preciso ter metas para fazer com que as pessoas negras entrem nas empresas, mas também precisa haver políticas para mantê-las trabalhando”, acrescenta a analista.
O “Summit ESG Estadão - Empresas e Sociedade pela Agenda 2030″ será realizado em 26 de setembro, das 8h30 às 19h, no Teatro B32, em São Paulo. Para se inscrever, acesse este link.
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