As COPs (Conferência entre as Partes, na sigla em inglês) costumam chamar a atenção pelos debates entre países na luta contra as mudanças climáticas, mas empresas e outros atores não estatais também participam para mostrar iniciativas. Na 27ª edição da Conferência, realizada entre 5 e 18 de novembro, em Sharm El Sheik, no Egito, o setor privado brasileiro teve participação positiva, na análise de especialistas em ESG (pauta que trata de temas ambientais, sociais e de governança) ouvidos pelo Estadão. Contudo, apontam, ainda há muito o que avançar.
Além das apresentações, diversos debates entre os países podem afetar as companhias, como o fundo para perdas e danos (mecanismo pelo qual os países ricos devem ajudar os mais pobres, que são os mais afetados por tragédias climáticas), a discussão sobre um pacto entre Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo por proteção às florestas e um fundo anunciado pelos Estados Unidos para financiar a transição para mobilidade de baixo carbono em países em desenvolvimento.
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A transição econômica traz riscos para as empresas, com as cobranças para que se tornem mais ambientalmente responsáveis e ajam de forma correta em relação aos impactos sociais, mas também traz oportunidades para quem se posicionar para aproveitar as mudanças. Apesar de as COPs serem normalmente mais focadas nas negociações entre governos, a participação das grandes empresas ajuda a enviar uma sinalização ao mercado de que elas estão levando o tema a sério e procurando se descarbonizar.
A tendência já era vista desde a COP anterior, em Glasgow, no Reino Unido. “As empresas têm até um pouco mais de agilidade. Entre os países, são negociações mais travadas. Entre as empresas, há mais colaboração, porque, por vezes, passa pela mesma cadeia de valor”, explica Mauricio Colombari, sócio de ESG da consultoria PwC.
Dentro desse cenário, as empresas brasileiras tiveram uma participação importante, de acordo com Gustavo Pinheiro, coordenador do Portfólio de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade (iCS). “Os investimentos começam a entrar na casa de centenas de milhões e bilhões. O grande destaque é que as empresas brasileiras se posicionaram bem, mais até do que empresas de outras regiões ou economias avançadas, que não tiveram protagonismo em demonstrar investimentos”, afirma. Entre as iniciativas elogiadas por Pinheiro, estão as de conservação e regeneração de áreas florestais por uma joint venture chamada Biomas, projeto conjunto de seis empresas, e pela MyCarbon, da Minerva Foods.
Discussões
O principal debate da COP foi sobre o mecanismo de perdas e danos. A origem do fundo se deve ao fato de que as piores tragédias ambientais, como secas, inundações, fome e perda de biodiversidade afetam muito mais os países pobres, enquanto as nações ricas lançaram mais gases de efeito estufa na atmosfera ao longo da história, enquanto suas economias prosperavam. Um dos casos mais citados foi o das inundações que destruíram grande parte do Paquistão, em 2022.
No entanto, esse debate ficou muito mais restrito a países, que devem ser os principais financiadores e recebedores dos recursos. A discussão ainda está num estágio inicial, em que não se definiu exatamente quem colocaria o dinheiro e como ele seria usado. Contudo, talvez no futuro o setor privado também seja chamado a contribuir de forma indireta, auxiliando agricultores que tiveram as colheitas prejudicadas.
“Esse tipo de mecanismo ainda não está claramente definido. Vale lembrar que o que é decidido na COP 27 não tem uma validade legal para que possa ser repassado para a iniciativa privada, a menos que seja ratificado pelos países”, destaca Colombari, da consultoria PwC.
Pinheiro, da iCS, afirma que as companhias não estão efetivamente envolvidas nessa agenda, “mesmo setores que são grandes emissores e tem responsabilidade climática”. “Pode ser que surja litigância em países emergentes, mas a priori ainda não chegou.”
As litigâncias se referem a processos judiciais movidos por comunidades que consideram terem sido prejudicadas pelas empresas em termos ambientais. Um exemplo foi a litigância iniciada em 1993 entre a petroleira Chevron e povos indígenas e ribeirinhos do Equador por danos à Floresta Amazônica e que acabou com desfecho favorável à empresa, em 2021. Também há casos de jovens ativistas que processam empresas para obrigá-las a pensar no futuro - na Holanda, um tribunal decidiu que a Shell terá que reduzir suas emissões em, no mínimo, 45%, até 2030.
Por outro lado, o fundo também pode significar uma oportunidade. “Esse fundo pode reforçar a quantidade de recursos para obras de infraestrutura em países ou regiões muito impactadas. Mas não somente obras de infraestrutura estão sendo discutidas. Vamos ter que aguardar as notícias durante 2023 para sabermos mais”, afirma Nelmara Arbex, sócia líder de consultoria em ESG da KPMG.
Tamanhos
Se a participação de empresas em COPs é uma realidade, é preciso levar em conta o tamanho das que podem comparecer a um evento desses. As pequenas e médias organizações são importantes para a economia, mas têm menos possibilidades de participar. As brasileiras que puderam estar presentes se destacam pela excelência. “De maneira geral, as empresas que participam desse tipo de fórum têm iniciativa mais estruturada e se comparam com as melhores do mundo em termos de práticas”, compara Colombari.
“O problema é que é um grupo pequeno de empresas, uma ilha de excelência em algo que precisa ser massificado. Mas é importante que elas elevem a barra em como a governança é observada em termos globais. As empresas tem a evoluir na forma como a governança acompanha essas questões socioambientais”, avalia o sócio da PwC.
“É uma vanguarda do empresariado brasileiro, muito mais forte nas empresas de capital aberto, que tem acionistas e cobram balanço. Nas de capital fechado e empresa familiar não tem o mesmo nível de engajamento”, concorda Pinheiro. Ele destaca que, embora o número de organizações com metas cientificamente validadas para redução de emissões tenha mais que triplicado, o número total ainda é pequeno - passou de 13 para 46.
Ainda assim, as empresas pequenas e médias são chamadas a entender como podem contribuir para as questões ambientais. “Empresas de todos os portes e setores têm que tentar entender primeiro como mudanças climáticas vão impactar seu negócio e depois entender como ela vai ter que responder às demandas de redução de gases do efeito estufa. Em um terceiro passo, tem que entender o que outras já estão fazendo e, finalmente, entender como financiar essa transição”, resume Arbex.
O caminho começa por fazer o inventário de gases de efeito estufa, ou seja, descobrir quanto é emitido em cada escopo - o primeiro se refere às emissões na operação direta da empresa, o segundo na energia utilizada e o terceiro na cadeia de fornecimento estendida. Na sequência, devem considerar outros impactos ambientais e sociais para entender como agir.
“Elas devem ser desafiadas a construir os planos de transição, como vão alcançar os compromissos, e o setor financeiro pressionar o setor produtivo, do qual é investidor, para que faça os planos”, destaca Pinheiro. Porém as grandes empresas também podem contribuir na jornada das menores, em acordos de colaboração e oferecendo empréstimos e consultoria.
O importante é que não se perca tempo em construir a jornada em prol do meio ambiente nas empresas. “O consenso dos especialistas é que o que está sendo feito não é suficiente e precisa ser acelerado. Até o momento, estamos decepcionando em termos de resultados práticos”, comenta Colombari.
Arbex reforça a ideia. “Tudo que qualquer empresa faça para reduzir emissões está valendo. A situação é crítica”, diz ela, antes de sugerir medidas como usar etanol em carros das empresas, melhorar a eficiência energética, conseguir crédito para instalar geradores de energia renováveis e reduzir a produção de resíduos.
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