Empresas brasileiras têm apoiado projetos que visam regenerar e preservar áreas florestais, como forma de ter uma ação concreta dentro da pauta ESG (questões ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês). Diferentes formas de trabalhar são utilizadas pelas companhias: o financiamento de projetos pré-existentes, a realização direta de iniciativas pela própria companhia e o aprofundamento além do requisitado nas condições para que um negócio opere.
Além das questões de imagem para o mercado, a conservação e a regeneração de florestas têm outros aspectos positivos para o negócio, como a possibilidade de conseguir créditos de carbono, ou seja, diminuir as emissões de gases de efeito estufa, abrindo a possibilidade de vender esses “direitos ao uso”.
Permite ainda mitigar riscos ambientais – que poderiam atingir o negócio, como no fornecimento de insumos – e sociais, melhorando a relação com stakeholders (partes interessadas). Do ponto de vista da sustentabilidade, além da redução da emissão de gases, permite a manutenção da biodiversidade, com a preservação da fauna e da flora.
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A estratégia, por outro lado, demanda cuidados ao ser traçada, para garantir que tenha o impacto esperado. Também exige monitoramento constante, para que os resultados sejam alcançados e se possa efetuar eventuais correções de rota – no caso das empresas que aplicam o projeto por utilizar florestas plantadas como fonte de matéria-prima, também é necessário acompanhar fornecedores.
Outros cuidados necessários estão no relacionamento com as comunidades afetadas, para que as questões sociais não sejam esquecidas. Assim, a empresa assegura não estar praticando o greenwashing - quando toma ações supostamente corretas ambientalmente, mas as atitudes são inócuas ou mesmo prejudiciais.
“O greenwashing é evitado quando a iniciativa é parte da estratégia do negócio, tem metas claras definidas, tem um plano de ação robusto para alcançá-las com pessoas e recursos alocados, são mensuradas quanto ao seu impacto e é reportado de forma transparente para a sociedade em geral”, explica Daniela Teston, gerente de Engajamento Corporativo da ONG WWF-Brasil.
Leonardo Sobral, gerente de cadeias e restauração florestais na ONG Imaflora, destaca que as certificações que garantem a procedência da madeira e a qualidade dos projetos também aplicam requisitos sociais. “Por exemplo, a certificação FSC (Forest Stewardship Council), além de exigir o cumprimento integral da legislação trabalhista, de saúde e de segurança, ainda exige que o relacionamento e o engajamento com as partes interessadas, ou comunidades locais, seja estabelecido, que haja canais formais para o recebimento de denúncias e o processo formal para tratamentos de denúncias e demandas apresentadas por essas partes interessadas”, diz.
No entanto, o principal é que as empresas façam algo com planejamento, mesmo que as regras para mensuração de impacto positivo ainda estejam sendo criadas no Brasil e no mundo. “Ainda que os indicadores de acompanhamento não sejam os mais precisos. A transparência é fundamental. É necessário que indicadores e marcos sejam medidos, acompanhados e reportados ao longo do tempo para a verificação e melhorias dos resultados esperados, como dita as boas práticas de gestão”, destaca Daniela Teston, da WWF-Brasil.
Para ela, o apoio de empresas ao reflorestamento é importante e contribui para potencializar mudanças na escala e no ritmo devido ao setor corporativo “ter maior capacidade para rápida adaptação e adoção de soluções inovadoras”, mas não se deve esquecer que o desmatamento segue em alta na Amazônia, no Cerrado, na Mata Atlântica e em outros biomas e que é necessário reduzirmos as emissões de CO2 drasticamente num período muito curto.
Projetos
A empresa de varejo online Mercado Livre aposta em apoiar iniciativas através do projeto “Regenera América”. A companhia fez parceria com a Pachama, startup focada no mercado de créditos de carbono que utiliza tecnologias como sensoriamento remoto e machine learning para avaliar os projetos e escolher os de melhor qualidade para investir. A importância principal seria a de destravar os recursos financeiros.
“Projetos de reflorestamento que precisam de capex (fluxo de caixa para investimentos) alto e têm dificuldade de acesso ao capital. O Mercado Livre faz com que os projetos aconteçam. A Pachama veio no lugar de como eles podem se aproximar dos projetos”, explica Rodrigo Wanderley, gestor de projetos na Pachama.
Em 2022, o Mercado Livre disponibilizou R$ 48 milhões para as iniciativas, dos quais R$ 26 milhões ainda estão disponíveis – em 2021, foram R$ 39 milhões. Os projetos poderão se inscrever em um formulário digital até 9 de dezembro, e os vencedores serão divulgados até abril de 2023. Antes focado na Mata Atlântica, um programa piloto também está sendo desenvolvido na Amazônia, e há a previsão de que outros biomas sejam contemplados no futuro.
Do dinheiro já utilizado neste ano, o programa passou a apoiar três novos projetos no Brasil e um no México, e o investimento em um dos projetos já incentivados no ano passado foi ampliado. Considerando o investimento realizado em 2021 e 2022, o programa espera capturar mais 930 mil toneladas de CO2 em 30 anos a partir da atuação em mais de 6,2 mil hectares, onde mais de 1 milhão de árvores serão plantadas, e mais de 10,5 milhões restauradas.
“Nós olhamos a perspectiva de carbono, mas também outras perspectivas ambientais e sociais. O monitoramento é tão importante quanto a escolha do projeto, e prezamos para que seja feito com dados de maneira tecnológica”, afirma Raquel Keiroglo, gerente de sustentabilidade do Mercado Livre.
Entre esses aspectos, estaria o apoio às pessoas e à comunidade como vetor principal de seleção e aspectos de biodiversidade. Outros seriam o custo e a capacidade de implementação, e a capacidade de geração de créditos de carbono, como uma forma de alcançar a sustentabilidade do projeto em si. O objetivo seria apoiar projetos que estejam iniciando e possam continuar em outros anos.
Controle direto
Um exemplo de projeto mais localizado vem de Ibitipoca, no sul de Minas Gerais. O local foi o escolhido pela Naveia, marca de leite vegetal de aveia, para recuperar uma área de Mata Atlântica que havia se tornado pasto para vacas. “Fizemos questão de escolher uma área em estágio de degradação avançado para provar que existe solução viável, até em casos onde o produtor já desistiu da terra. A regeneração de terra permite o real sequestro de gases do efeito estufa”, conta o cientista de solo Alex Söderberg, CMO (chief marketing officer) da Naveia.
A área começou a ser reflorestada em outubro de 2021 e já apresenta um aumento na cobertura vegetal e na presença de animais que ajudam na regeneração, como pássaros. A intenção seria também tornar um negócio viável e utilizar mão de obra local, por meio meio de viveiros e produção de alimentos.
Planejamento
Durante a COP27, evento realizado no Egito para debater questões relacionadas às mudanças climáticas com a participação de líderes de nações e empresas, seis companhias brasileiras (Itaú, Marfrig, Santander, Suzano, Vale e Rabobank) anunciaram a criação da Biomas, empresa focada em regeneração e conservação de florestas.
Cada uma aportará R$ 20 milhões no projeto, que tem como objetivo recuperar e preservar 4 milhões de hectares de matas nativas em biomas como Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado ao longo de 20 anos. A redução de emissões é estimada em torno de 900 milhões de toneladas de gás carbônico - 600 milhões nas áreas regeneradas e 300 milhões nas conservadas. A intenção é tornar a empresa financeiramente viável através da venda de créditos de carbono.
A Biomas prevê o início da atuação através da identificação e prospecção de áreas, fomento a viveiros para produção em escala de árvores nativas, engajamento de comunidades locais nas atividades da empresa, discussão sobre aplicação do projeto em áreas públicas, parceria com plataformas de certificação de créditos de carbono e a implementação de projetos pilotos. “São esses projetos que guiarão as ações para assegurarmos a implementação de projetos em larga escala”, explica Cristiano Oliveira, gerente executivo de Novos Negócios da Suzano e porta-voz do projeto.
O monitoramento dos resultados, seja da redução de emissões ou de benefícios sociais e para a biodiversidade, deve ser feito por meio de tecnologias e métodos disponíveis no mercado, e possivelmente de outros que ainda venham a surgir. “Projetamos a criação de milhares de empregos a partir das atividades de plantio, do desenvolvimento de novos viveiros e do envolvimento das comunidades na cadeia de valor do projeto, e queremos que esses dados possam ser acompanhados de forma bastante transparente pela sociedade”, projeta Oliveira. Os empregos criados devem ser para ações como coleta de sementes, desenvolvimento de mudas, plantio e como guarda de parques.
Necessidade
No caso da Dexco, empresa que fornece materiais para construção como painéis de madeira e metais sanitários, a preservação é requisito de mercado para continuar operando. A companhia possui florestas no Brasil e na Colômbia, das quais extrai grande parte da matéria-prima que utiliza, e trabalha com fornecedores. Possuidora da certificação FSC, também tenta conscientizar os fornecedores para que sejam igualmente certificados.
“Todos os fornecedores passam por uma auditoria documental de homologação antes da aquisição da madeira, que é acompanhada por auditorias de campo realizadas por técnicos da Dexco em cada uma das unidades de fornecimento em cada um dos elos da cadeia, até chegar na floresta de origem da madeira”, explica Guilherme Setubal, gerente de ESG da Dexco. Segundo ele, quando desvios são encontrados, a empresa tenta corrigi-los, exceto em casos graves, como o uso de trabalho infantil - nesse caso, o fornecedor é excluído.
Setubal ainda destaca que a Dexco realiza pesquisas para avaliar questões que possam tornar a preservação de locais mais importante, como presença de espécies endêmicas ou ameaçadas, locais de significativa biodiversidade, prestação de serviços ecossistêmicos críticos e paisagens significativas em escala regional ou global. Outra ação são conversas com as comunidades afetadas como stakeholders, em rodas de diálogo.
“Em 2021, foram realizados mais de 930 diálogos nas unidades e, em 2022, foram mais de 640 até o momento. Essas avaliações contribuem para a identificação de aspectos sociais positivos decorrentes das atividades de manejo, como aquisição de produtos ou serviços, formação de profissionais (conscientizações e treinamentos), geração de emprego e pagamento de impostos”, comenta.
A Dexco hoje retira mais carbono da atmosfera do que coloca, através do crescimento das árvores e de produtos que mantém o carbono armazenado. A importância desse desempenho ambiental é resumida pelo gerente. “O desempenho ambiental é um dos nossos temas materiais principalmente por seu potencial de impactar positivamente ou negativamente – se mal gerido – os negócios, a imagem da empresa, as comunidades do entorno e a disponibilidade de recursos.”
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