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Congelamento de óvulos, berçário e 100% home office: o que empresas têm feito para reter mães

Estudos da FGV e da KPMG apontam que conciliação de carreira e maternidade é mais desafiadora na ausência de políticas corporativas; especialistas avaliam que empresas ainda podem fazer mais

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Foto do author Shagaly Ferreira
Atualização:

Para muitas mulheres, conciliar a jornada profissional e a rotina familiar após se tornarem mães é desafiador. O impacto desse desafio pode ser ainda maior quando as empresas onde trabalham não desenvolvem políticas de suporte para promover estabilidade e evitar a interrupção de suas carreiras. Grandes companhias falaram ao Estadão sobre quais medidas têm adotado para intervir nesse cenário. As iniciativas vão de jornadas de trabalho flexíveis à política de planejamento familiar que inclui o congelamento de óvulos.

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As dificuldades atingem até mesmo as mulheres C-level, que em tese têm maior suporte financeiro. A pesquisa Mulheres em movimento: transformando o presente e construindo o futuro, realizada pela consultoria KPMG em março de 2024 com executivas e obtida com exclusividade pelo Estadão, mostra que ser responsável pela maior parte da gestão da casa e dos cuidados com filhos e parentes é o principal desafio que a mulher enfrenta no mundo corporativo para conciliar carreira e família. O quesito é citado por 58% das entrevistadas.

Ao mesmo tempo, elas sugerem que as ações mais eficazes para apoiar as mulheres nesse equilíbrio são medidas corporativas, em sua maioria. As cinco principais são: política de flexibilidade no trabalho (53%), política de apoio da empresa (38%), formação de rede de apoio (35%), construção de ambientes mais diversos (32%) e incentivo à igualdade de gênero (29%).

Mulheres têm dificuldades para conciliar carreira e família sem apoio corporativo Foto: Freepik

Isso mostra como as iniciativas das empresas podem definir de forma significativa os rumos profissionais das mulheres, explica a sócia da KPMG, Janine Goulart. “Geralmente, os homens têm uma rede de apoio melhor e mais estruturada do que as mulheres”, contextualiza. “As mulheres, na maior parte dos casos, têm que construir a sua rede de apoio. Mesmo as que têm um cônjuge em casa, ele geralmente também trabalha, e o índice de mulheres que têm um cônjuge à disposição (para as tarefas de casa) é muito menor.”

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Ter uma rede ampliada de apoio fez a diferença para a executiva Pollyana Teixeira, mãe de uma menina de três anos. Ela conta que a vontade de conciliar a carreira profissional com a maternidade começou a ganhar força a partir dos 30 anos, mas ao mesmo tempo as possíveis dificuldades da jornada dupla lhe preocupavam. Mesmo sendo casada, a decisão de engravidar sem medo de que isso prejudicasse a estabilidade no trabalho se fortaleceu com a percepção de que contaria também com o suporte da empresa após o parto.

“Obviamente, eu fiquei muito preocupada em conciliar as duas coisas: ser uma mãe presente e uma profissional dedicada”, diz a executiva de 41 anos, que foi promovida depois da gravidez. “(Mas) os seis meses de licença-maternidade e a presença do berçário dentro da empresa foram muito importantes para potencializar o sonho. Tive a oportunidade de poder manter a amamentação integral durante o primeiro ano, e ter o berçário aberto das 8h às 20h permitiu que eu mantivesse a proximidade com minha filha (a criança utiliza o espaço até hoje) e ao mesmo tempo, a dedicação à minha carreira.”

Pollyana Teixeira contou com políticas da empresa para equilibrar carreira e maternidade Foto: Divulgação/Natura

As iniciativas listadas por Teixeira fazem parte de medidas de retenção à profissionais mães adotadas pela Natura, onde trabalha. Segundo a diretora de Desenvolvimento Organizacional e Bem-estar da companhia, Mariana Talarico, o berçário, por exemplo, é um benefício que existe na empresa há mais de 30 anos e está instalado em duas unidades diferentes. Desde 2018, ele atende também colaboradores, que são pais de crianças de até dois anos e 11 meses.

Medidas de retenção

Outras 20 grandes empresas instaladas no Brasil listaram ao Estadão quais medidas têm adotado para reter as mulheres no trabalho após se tornarem mães. Foram mapeados empreendimentos de grande porte, que atuam em diversos segmentos da economia, como varejo, tecnologia, energia, siderurgia, beleza e higiene pessoal, saúde, alimentação, entre outros.

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Parte delas têm alinhamento com a adesão ao Programa Empresa Cidadã, instituído pela lei federal nº 11.770/2008. Por meio da medida, as empresas prorrogam a duração da licença-maternidade por mais 60 dias além dos 120 estabelecidos legalmente e, em troca, as companhias participantes recebem benefícios fiscais.

Além delas, outras leis trabalhistas vigentes no Brasil já asseguram deveres obrigatórios por parte das empresas para beneficiar mães. Os advogados trabalhistas Paulo Chubba, sócio de Direito Trabalhista do escritório KLA Advogados, e Marcel Zangiácomo, sócio do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, ressaltam que são direitos das mães: o acesso à licença-maternidade de 120 dias sem prejuízo ao emprego e ao salário; o afastamento da gestante e lactante de atividades consideradas insalubres; a garantia de estabilidade empregatícia até cinco meses após o parto; a priorização de flexibilidade no trabalho para mães com filhos menores de até seis anos, entre outros.

Flexibilidade e licenças

Para facilitar a adaptação ao trabalho e à rotina de cuidado, alguns formatos de jornada flexível estão sendo adotados pelas empresas. Em janeiro deste ano, a holding do setor elétrico EDP Brasil incorporou uma política que permite às mães com filhos de até 11 meses e 29 dias possam trabalhar no modelo 100% home office. O benefício é válido para todas as atividades elegíveis ao regime híbrido, que hoje é o modelo de trabalho adotado pela companhia.

Além disso, a iniciativa mais citada pelas empresas é a licença-maternidade estendida, e alguns casos são diferenciados. O Google, por exemplo, desde 2017, disponibiliza em todos os escritórios pelo menos 12 semanas de licença com remuneração integral para pais, com o objetivo de que possam dividir com as mães a responsabilidade na criação e no cuidado com os filhos. Ao final da licença, qualquer mãe ou pai que tenha tido mais de dez semanas de licença consecutiva pode voltar a trabalhar em 50% do seu horário semanal normal por até duas semanas.

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Já na unidade brasileira da Kimberly-Clark, onde metade das colaboradoras são mães, a licença-maternidade estendida para seis meses tem prorrogação adicional para funcionárias com filhos prematuros. No caso de bebês nascidos até 28 semanas, a extensão é de dois meses, e para nascidos entre 28 e 37 semanas, a prorrogação é de um mês.

Auxílio financeiro

Na farmacêutica Novartis, que possui o programa Mamãe a Bordo para amenizar os impactos do retorno da licença-maternidade para mães e suas lideranças, há o pagamento de auxílios financeiros para custeio das despesas com educação. Segundo a empresa, o auxílio-creche disponibilizado para elas pode chegar a R$ 1.189,28. Para crianças com deficiência, é concedido um auxílio-educacional correspondente a 90% do salário normativo da categoria. O Grupo OLX também também tem auxílio diferenciado para esse público. Nesses casos, a colaboradora tem auxílio-creche no valor mensal de R$ 615, sem que haja determinação de limite para idade da criança com deficiência beneficiada.

A varejista Magazine Luiza disponibiliza às colaboradoras o chamado “cheque-mãe”, que paga R$ 400 de auxílio mensal para as mulheres que têm filhos de até 12 anos. De acordo com a empresa, o valor é dobrado no caso de mulheres que se inscrevem no programa Gerente em Treinamento, para aceleração de carreiras femininas. Já o projeto Leões do Futuro, da Kingspan Isoeste, concede auxílio-educacional de R$ 800 para crianças até seis anos e 11 meses. O valor é pago diretamente para a escola, que é escolhida pelas mães.

Com o quadro de funcionários composto por 60% de mulheres, a Nivea também informou adotar iniciativas de auxílio financeiro. O benefício mensal para o pagamento de creches tem valor de até R$1.067 e contempla crianças de até dois anos e meio. Antes disso, é concedida uma licença parental de seis meses para a primeira pessoa cuidadora e 40 dias para a segunda, independente do gênero dos pais.

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Benefícios à carreira

O marketplace Mercado Livre mantém uma política que ajuda as colaboradoras no planejamento familiar em meio às metas de carreira. O benefício permite a preservação dos óvulos para as profissionais que precisam ou decidem prolongar seu ciclo de fertilidade. De acordo com a companhia, são elegíveis colaboradoras a partir dos 30 anos. Até 70% do custo do procedimento é pago pela empresa, com teto de até US$ 3,5 mil (pouco mais de R$ 18 mil), e a colaboradora arca com a manutenção do serviço.

Medidas envolvendo formação para desenvolver carreiras também foram citadas. Na Pfizer Brasil, por exemplo, além das políticas legais de apoio à maternidade, como licenças estendidas e flexibilidade no trabalho, a empresa mantém iniciativas internas de fomento ao desenvolvimento feminino e incentivo a aceleração de carreiras, como a participação de beneficiárias no programa de mentoria Todas Group.

Algo semelhante ocorre com a Unilever Brasil. A empresa informou que disponibiliza benefícios diversificados para retenção de mães, como um berçário em São Paulo para crianças de até três anos, grupos de afinidades e programas de mentoria. Entre esses grupos está o WomenUp, criado por mulheres com o objetivo de promover equidade profissional dentro da empresa.

Já a Vivo mantém o programa Mais Família voltado para fortalecer a rede de apoio à chegada do filho. O projeto conta com acompanhamento psicológico e de carreira pós licença-maternidade, e inclui cursos e rodas de conversa sobre desafios pós-parto e acesso aos primeiros cuidados do bebê, além de um segmento voltado de apoio ao luto de pessoas que tiveram perdas gestacionais.

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Os grupos de afinidades também foram relatados entre as políticas da empresa de energia Raízen. Chamadas de Grupos Transformadores, as equipes são responsáveis pelo acolhimento e apoio às mães no retorno à empresa. Além disso, a companhia possui 27 salas físicas de apoio à lactante e uma sala itinerante, para que as mães possam ter as suas necessidades atendidas ao longo desse período.

Sócia da KPMG, Janine Goulart analisou pesquisa sobre equilíbrio entre carreira e maternidade Foto: KPMG

Programas multidisciplinares

Algumas empresas mantêm programas com serviços multidisciplinares de apoio às mães. No Grupo Boticário, há o programa Família Cresceu, que afirma oferecer suporte financeiro e educacional aos futuros pais e mães de todos os conceitos de família. As gestantes têm acesso a uma equipe multidisciplinar de saúde para acompanhá-las da gestação até seis meses após o parto. Outros benefícios envolvem creches próprias em unidades do Paraná, auxílio-babá para crianças até três anos, auxílio-escola até o término da educação infantil e auxílio-nutrição até a criança completar dois anos.

A Edenred Brasil, dona da marca Ticket, possui o programa Futura Família, que tem como objetivo acolher e apoiar as gestantes e cônjuges de colaboradores que estão grávidas, além de mães e pais que optaram pela adoção. Além das licenças estendidas, a medida contempla acompanhamento psicológico, auxílio-creche, sessões ilimitadas de terapia e flexibilidade nos horários de trabalho para equipes administrativas.

Desde 2019, a siderúrgica brasileira Gerdau mantém o programa Liga das Famílias, para apoiar colaboradores e líderes desde a gestação e/ou adoção até a primeira infância. Segundo a empresa, o benefício é válido para casais hetero e homoafetivos, e disponibiliza conteúdos com orientações e boas práticas tanto para quem sairá de licença quanto para a sua liderança. Além disso, os beneficiários têm isenção de taxas de coparticipação nos exames e consultas, subsídio de 50% na compra de fórmulas e papinhas durante o 1º ano do bebê e auxílio-creche.

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No Grupo Heineken, o programa de destaque é o Nasce uma Estrela, que oferece o acompanhamento especializado para gestantes cis/trans, tentantes, pais, mães e casais LGBTQIAPN+, desde o período de pré-natal até 1 ano da criança. Além disso, a companhia oferece suporte à adoção, orientação para fertilidade e apoio para famílias enlutadas.

Algo semelhante é feito na Nestlé. A empresa disponibiliza às gestantes o programa Parentalidade, com uma equipe multidisciplinar que apoia a família até os dois anos da criança, com orientações de saúde, acompanhamento da gestação e informações para os cuidados após o nascimento da criança.

Já a rede de fast food McDonald’s criou dois programas voltados para retenção de profissionais mães. Na iniciativa Laços Dourados, de 2016, as colaboradoras recebem suporte médico para identificar gestações de alto risco e diminuir o índice de prematuridade. Já no projeto Passinhos Dourados, de 2021, o foco é acompanhar os bebês no primeiro ano de vida, como orientações preventivas e corretivas sobre amamentação, banhos, cólicas, engasgos e vacinas.

Na Suzano, as funcionárias têm acesso ao programa Mãe Amiga, que, desde 2022, disponibiliza à mulher o acompanhamento de uma outra mãe, colaboradora da empresa, após o retorno da licença-maternidade. De acordo com a companhia, a proposta é que ambas as mães troquem ideias sobre a adaptação ao retorno, a experiência da maternidade e demais assuntos relacionados ao bebê e à carreira. As lideranças também têm acesso a um guia sobre o tema da parentalidade, com dicas práticas sobre acolhida, direitos e deveres da gestante, benefícios oferecidos pela empresa e outras particularidades.

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Outras demandas

Apesar das medidas informadas pelas empresas, ainda há espaço para mais avanços, considerando que é expressivo o número de mulheres com dificuldades de conciliar a carreira e os cuidados com os filhos, especialmente quando fazem parte de grupos minoritários, avalia a economista e pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Janaína Feijó.

De acordo com a especialista, as mães solo, que segundo dados do IBGE de 2022 chefiam 11,3 milhões de domicílios no Brasil, estão nessa lista de atenção. Um estudo liderado por Feijó com bases nesses dados aponta que, quando se tem filhos pequenos (de até cinco anos), as chances de mães solo ficarem fora da força de trabalho aumentam para 32,4%. Na ausência de jornadas de trabalho acolhedoras às suas necessidades, 45% delas precisaram recorrer à informalidade em 2022, para obter uma fonte de renda.

Janaína Feijó é pesquisadora da FGV Foto: Arquivo pessoal

“Nos primeiros anos, a criança depende muito da mãe, e algumas delas, por não conseguir conciliar maternidade e vida laboral, acabam saindo do mercado de trabalho. No caso das mães-solo, que são as principais provedoras em suas casas, elas não conseguem cumprir a jornada de oito horas e acabam tendo que recorrer à informalidade, por isso sua condição de vulnerabilidade é ainda maior do que a das outras mães”, diz a pesquisadora.

Por isso, Feijó diz acreditar que, além do que têm feito até agora, as empresas precisam olhar para mais necessidades envolvendo a maternidade, para que haja uma equidade de oportunidades para profissionais mães de um modo geral. “Estamos falando de mão de obra de qualidade, mulheres capacitadas e talentos que não podem ficar fora do mercado de trabalho. Por isso, as empresas precisam criar estratégias para que também elas não deixem o trabalho”, defende a analista.

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