Em meio ao crescimento da preocupação com as mudanças climáticas, o setor da construção civil tem ganhado destaque na agenda ESG (sigla em inglês para meio ambiente,, social e governança), com as construções verdes se tornando uma das principais apostas do setor para integrar completamente a agenda de sustentabilidade.
Embora esta seja uma aposta e as tendências de crescimento sejam animadoras, o CEO da Saint-Gobain para América Latina, Javier Gimeno, expressa otimismo com este cenário, porém ressalta que o Brasil ainda está apenas no começo do desenvolvimento deste mercado. “Eu não quero ser pessimista, porque sou otimista por natureza, mas, francamente, eu preferiria evitar uma abordagem triunfalista excessiva. Estamos apenas iniciando o caminho e precisamos dos esforços de todos os atores. Seria um erro considerar que a situação do Brasil é favorável”, afirma o executivo.
Somente em 2023, houve um crescimento de 40% em construções verdes residenciais, saltando de 8 para 20 empreendimentos, segundo dados do Green Building Council Brasil (GBCB). O setor da construção civil responde por cerca de 38% de todas as emissões de dióxido de carbono no mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). Por isso, o movimento em direção às construções sustentáveis está alinhado com a agenda ESG.
Para Gimeno, é inegável que as empresas e a sociedade como um todo estão passando por um processo de conscientização, mas “esse processo de conscientização está demorando para ser traduzido em ações concretas”. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Nos últimos anos temos visto a pauta de construções sustentáveis crescendo e se tornando uma das principais apostas da construção civil para a entrada na agenda ESG. A Saint-Gobain enxerga como uma tendência crescente para os próximos anos?
Francamente, acredito que a indústria da construção civil está evoluindo positivamente no Brasil, porém, esse ritmo de evolução ainda é muito lento. Considerando os desafios que o país enfrenta, tanto em relação à renovação dos prédios existentes quanto à construção de novos, poderíamos estar em uma posição melhor.
O número de certificações emitidas para construções verdes aumentou de forma significativa em 2023, colocando o Brasil como o quinto país com o maior número de certificações. No entanto, ainda é um número muito pequeno em comparação com o potencial total.
Atualmente, apenas alguns prédios atendem aos mais altos padrões de sustentabilidade, o que representa apenas uma pequena fração do parque de imóveis brasileiro. Embora a tendência seja positiva, o impacto desses prédios no cenário geral é limitado. A participação da construção verde no Brasil ainda é bastante reduzida.
Há um processo de conscientização cada vez mais importante entre consumidores, empresas e autoridades. No entanto, esse processo de conscientização está demorando para se traduzir em ações concretas.
Não quero adotar uma postura pessimista, pois sou otimista por natureza. No entanto, prefiro evitar uma abordagem excessivamente triunfalista. Estamos apenas começando o caminho e precisamos dos esforços de todos os envolvidos. Seria um erro considerar a situação atual do Brasil como favorável.
Temos visto alguns especialistas pontuarem que as construções sustentáveis ainda estão nichadas e hoje estão disponíveis pessoas com alto poder aquisitivo. Hoje já existe uma demanda para esses produtos?
Sim, existe uma demanda, mas essa demanda está principalmente relacionada aos apartamentos de alto padrão, destinados às classes médias altas e altas do Brasil. Isso é positivo, pois permite desenvolver gradualmente uma política de democratização dessas soluções ao longo do tempo, mas atualmente é ainda muito elitista.
A construção verde atualmente prioriza os prédios corporativos e, em segundo lugar, os residenciais de alto padrão. Embora haja uma movimentação positiva nesse sentido, o tamanho, o ritmo e a intensidade dessa movimentação ainda são muito pequenos para serem considerados relevantes.
É mais uma exceção do que uma tendência de base. Infelizmente, porque no cerne do modelo de negócio da Saint-Gobain está o impulso para esse tipo de construção.
O que falta para que o setor se torne mais sustentável?
O parque imobiliário brasileiro foi construído completamente fora dos padrões do que podemos chamar de construção leve e sustentável. Este parque é extenso, antigo e está em desacordo com as normas. A primeira ação que deveríamos tomar é um esforço para renovar o parque existente. Na Europa e nos Estados Unidos, a parte mais significativa da construção verde não envolve a construção de novos edifícios, mas sim a renovação dos edifícios existentes.
Infelizmente, essa abordagem não tem sido adotada aqui no Brasil, e o método construtivo brasileiro está muito distante do ideal. Acredito que o crescimento do setor será espetacular nos próximos anos, mas isso exigirá muito esforço e trabalho. O que precisamos? Primeiramente, de educação e conscientização.
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Muitas pessoas desconhecem os produtos e soluções já existentes, que são padrões em muitos outros países. Esse trabalho de conscientização deve ser liderado por grandes empresas, empresas de médio porte e também pelas administrações públicas.
Precisamos realizar esforços significativos em termos de treinamento da mão de obra necessária para instalar essas soluções. Infelizmente, no Brasil, temos um déficit de capacitação e treinamento dessa população. Um dos obstáculos para acelerar o ritmo de expansão dessas soluções é a falta de mão de obra qualificada para sua instalação.
Também acredito que, para acelerar verdadeiramente o processo de expansão desses sistemas, precisamos de políticas públicas mais agressivas e ambiciosas, o que requer mudanças significativas na regulamentação.
A regulamentação brasileira está muito aquém das regulamentações mais exigentes do mundo. Com base na experiência de outros países, a alavanca da regulamentação é fundamental para intensificar o ritmo de crescimento dessas soluções.
Se estamos buscando impulsionar a construção verde sustentável, não é apenas porque é nosso modelo de negócio, mas também porque, ao fazê-lo, trazemos benefícios fundamentais para a sociedade em termos de redução das emissões de CO2. É um benefício global para toda a sociedade, e por isso as autoridades, os governos e os responsáveis políticos deveriam estar muito mais envolvidos do que temos observado até agora.
Para quem constrói, existe uma diferença dos custos dos materiais comuns usados nas obras para os mais sustentáveis?
O custo dos sistemas e materiais da construção verde sustentável geralmente é mais alto do que os materiais tradicionais. Porém, considerando o custo inicial junto com a instalação e os benefícios ao longo do tempo de vida desses materiais e sistemas, a equação econômica é bastante positiva.
O problema surge quando a maioria dos envolvidos faz comparações considerando apenas o custo inicial. Ao instalar uma solução verdadeiramente inovadora em sua casa, é necessário um tempo de instalação mais curto e você obtém benefícios significativos.
Além da redução no consumo de energia, resultando em contas de eletricidade e gás mais baixas, há outros benefícios também. Por exemplo, um sistema acústico eficaz, comumente presente nessas construções, pode ter um custo adicional inicial, mas proporcionará um conforto acústico que se traduzirá em ganhos de saúde e produtividade, tendo um impacto econômico positivo.
Se a comparação é feita apenas com base no custo específico dos materiais, pode não parecer um investimento vantajoso. No entanto, ao adotar uma visão mais ampla e considerar todos os benefícios ao longo do tempo, o retorno do investimento em uma construção sustentável se torna evidente.
Em uma entrevista anterior, o senhor mencionou a quantidade de prédios que estão fora do padrão sustentável e poderiam ser adequados. Alguns especialistas apontam que se os prédios do poder público, que é dono de uma quantidade grande de prédios antigos, fossem readequados, já teríamos um grande avanço. Qual o posicionamento do senhor?
Eu concordo completamente com isso. Primeiro, porque as autoridades públicas precisam ser exemplares na forma que eles tratam os seus empregados e os seus administrados.
Então, eu estou esperando que, quando visito um prédio público, eu vou ficar nas melhores condições em termos de conforto, de qualidade de ar, enfim, todos os elementos. As autoridades públicas precisam ser exemplares também para mostrar o caminho para o resto da sociedade brasileira.
Você não tem autoridade moral de pedir às empresas, de pedir para os particulares, para os consumidores, investir em novas soluções que são boas para o planeta, que são boas para a saúde das pessoas, que são boas para, enfim, todos os benefícios que já comentei, se você mesmo não pratica com o exemplo.
O senhor é favorável a políticas públicas que incentivem essa mudança?
As ferramentas já existem e são bem conhecidas. Se você visitar a Europa, por exemplo, verá na França, na Alemanha, na Inglaterra, políticas de apoio público aos investimentos privados e aos investimentos dos consumidores individuais para renovar suas casas com novas tecnologias.
Essa é uma política comum que teve um impacto muito significativo nos últimos anos e acelerou notavelmente o ritmo de renovação do parque imobiliário europeu, que também não estava em ótimas condições. No entanto, é necessário incentivar isso por meio da educação, conscientização e também de incentivos econômicos, como redução de impostos para aqueles que decidem investir em tais soluções em suas casas.
Isso é benéfico também para o Estado, pois embora ele esteja gastando dinheiro incentivando essas soluções, ele receberá um retorno, um “payback”, por meio da redução do consumo de energia e da melhoria da saúde das pessoas. Além disso, é positivo para estimular a demanda entre a população. Quando as pessoas estão bem informadas sobre essas questões, haverá uma maior demanda por parte das construtoras. É um ciclo virtuoso que pode ser criado de forma relativamente fácil e rápida.
Temos visto o governo apostar em sustentabilidade como uma de suas principais pautas econômicas. Muitos especialistas citam a dificuldade do governo em equilibrar a velha economia e a nova economia. Como o senhor viu esse primeiro ano de governo?
Entendo sua percepção. Com a chegada do novo governo, houve uma mudança significativa no discurso. O discurso do presidente anterior era por vezes confuso e poderia ser interpretado erroneamente, sugerindo que o governo não agia em prol de um país mais verde, sustentável e respeitoso com o meio ambiente.
Essa falta de clareza no discurso mudou com a chegada do presidente Lula. A comunicação tornou-se mais clara e a política do governo passou a ser evidente em termos de estratégia no médio e longo prazo.
No entanto, falta detalhar como essa estratégia, essa vontade de avançar rapidamente em direção a uma sociedade mais verde, será articulada em programas, planos e ações concretas. Entendo que as prioridades do governo atualmente estão em outras áreas e que é necessário tempo para fazer essa articulação.
Fico esperançoso, mas também aguardando. Assim como eu, muitas outras empresas e grande parte da sociedade brasileira estão na mesma expectativa.
O governo, principalmente de Belém, tem falado um pouquinho das movimentações que têm sido feitas para a COP30. O senhor vê uma movimentação grande da indústria para receber o evento?
Com certeza. O fato que a conferência da COP vai ser organizada pelo Brasil no ano 2025 é uma excelente notícia para todos. Para a indústria, para a construção civil e para o conjunto da sociedade brasileira.
Esse evento vai funcionar como um catalisador dessa movimentação de tudo o que falamos de bioeconomia. A COP vai ser um catalisador, um acelerador de uma tendência que, por enquanto, fica bastante leve, mas temos agora a oportunidade histórica de acelerar de forma muito, muito relevante.
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