Governadores republicanos lideram reação anti-ESG nos EUA; especialistas veem riscos às economias

Estados como Texas e Flórida adotaram medidas contra a pauta que defende que empresas tenham responsabilidade social e ambiental

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Foto do author Luis Filipe Santos
Atualização:

O avanço da pauta ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês) é um fato e está cada vez mais presente no mercado financeiro. As empresas que seguem os padrões ESG buscam privilegiar o stakeholder - as pessoas interessadas, que podem ser investidores, clientes, fornecedores, comunidades afetadas pelos negócios, etc. - em vez do shareholder, apenas os acionistas. Os EUA estão passando por um momento em que governadores e legisladores estaduais, principalmente republicanos, estão tomando atitudes contra a pauta ESG. Estas decisões podem prejudicar a economia americana como um todo, pensando nas próximas gerações e na concorrência que o país deve sofrer de outras nações (veja mais abaixo).

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Procuradores de 19 Estados pediram informações à empresa de análise de riscos Morningstar neste mês de setembro para definir se ela violou as leis de proteção aos consumidores com suas avaliações ESG, como forma de iniciar uma investigação. Na Flórida, o governador Ron DeSantis determinou que os fundos de pensão administrados pelo Estado abandonem as considerações ESG ao definir onde serão feitos os investimentos, e as avaliações considerem unicamente o potencial de retorno.

Em Utah, autoridades como o governador Spencer Cox, os senadores Mitt Romney e Mike Lee e o chefe do Tesouro estadual, Marlo M. Oaks, se manifestaram contra a pauta após a consultoria S&P avaliar riscos ambientais para o fornecimento de água no Estado e propuseram uma legislação parecida com a que foi adotada pela Flórida - outras 11 unidades federativas, incluindo algumas governadas por democratas, como a Califórnia, receberam a mesma avaliação.

No Texas, os legisladores aprovaram regras para que os fundos de pensão não possam fazer negócios com corretoras que investissem em produtos ESG anti-combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) e anti-armas de fogo. Vale lembrar que o petróleo é uma parte importante da economia texana e os fundos de pensão estaduais são alguns dos principais investidores institucionais do país norte-americano.

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Uma lei parecida foi proposta em Indiana e recebeu o apoio do ex-vice-presidente Mike Pence, que afirmou que as políticas ESG estão dando prioridade a valores de esquerda em detrimento das corporações e seus funcionários. Já West Virginia aprovou uma lei que visa punir as empresas contrárias à indústria do carvão mineral, e Idaho e Kentucky também discutem o tema em seus congressos locais.

As novas regras atingem alguns dos principais bancos e corretoras de investimentos dos Estados Unidos e do mundo, como BlackRock, JP Morgan Chase, Goldman Sachs e outros. Em resposta à nova lei texana, o chefe de operações da BlackRock nos Estados Unidos, Mark McCombe, defendeu que a medida não faria sentido, que o fundo nunca deixou de financiar projetos de petróleo e gás e que a competitividade das economias locais seria diminuída. “Como tomadores de recursos do mercado de capitais, esses Estados podem ter o perfil de dívida comprometido, com taxas de juros maiores, ou com o acesso a mercado de capitais dificultado. A falta de questões ESG podem afetar qualquer ator público no mercado”, explica Gustavo Pimentel, CEO da Nint, consultoria focada em ESG.

Um estudo feito pelos pesquisadores Ivan T. Ivanov, do Federal Reserve (o Banco Central americano), e Daniel Garrett, professor da Universidade Wharton, na Pensilvânia, caminha para a mesma conclusão. Ivanov e Garrett estimaram que as taxas de juros podem acabar sendo elevadas para as administrações municipais do Texas, levando a um custo extra estimado entre US$ 300 milhões e US$ 500 milhões por ano, ou seja, a um peso a mais no bolso do contribuinte, por deixar de realizar as avaliações de riscos e oportunidades ligadas ao ESG.

Combustíveis fósseis são parte importante das economias de diversos estados americanos Foto: Nick Oxford / Reuters

Ideologia

Os investimentos ESG se tornaram alvo dos legisladores republicanos tanto por questões práticas, como a importância dos combustíveis fósseis para a economia de alguns Estados, quanto por razões ideológicas: o tema acabou se tornando mais uma pauta da divisão no país norte-americano, em que os conservadores se opõem por considerar como “politicamente correto”. “As reações anti-ESG estão inseridas no contexto da chamada ‘guerra cultural’, na qual diferentes pautas alcançam o extremo da polarização e dividem-se entre republicanos, de um lado, e democratas de outro, o que inviabiliza qualquer forma de negociação entre as partes”, explica Thais Dória, doutoranda em relações internacionais pela USP.

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Assim, os republicanos argumentam que as políticas ESG limitam a margem de manobra e a autonomia de indivíduos e corporações, e põem em risco setores chave da economia estadunidense, uma vez que priorizariam investimentos verdes e dificultariam o investimento em setores tradicionais, como o de combustíveis fósseis. Por sua vez, os democratas rebatem que a própria economia dos estados como um todo pode ser prejudicada, ao deixarem de investir em empresas rentáveis. “Entretanto, para avaliar se as decisões acarretarão prejuízos para os estados é necessário tempo, principalmente para avaliar se os fundos de pensão foram investidos em empresas que apresentam tanta rentabilidade, ou até mais, que a BlackRock, por exemplo”, comenta Doria.

Problemas

Ao deixar de levar os fatores ESG em conta, pode-se deixar de considerar riscos capazes de prejudicar a rentabilidade dos negócios no futuro, em questões como escassez de água, esgotamento dos recursos naturais disponíveis e redução de terras cultiváveis, ou aspectos sociais e de governança, menos presentes nos discursos dos governadores.

Também pode-se perder oportunidades para receber investimentos na transição para uma economia de baixo carbono. Pimentel cita como exemplos uma montadora que esteja planejando produzir carros elétricos ou usinas que querem expandir a geração de energia a partir de hidrogênio verde. “A reação pode afetar investimentos estruturantes, que podem acabar indo para territórios que consigam dar uma visão de energia renovável”, afirma.

A população seria afetada devido à perda de dinamismo da economia, como explica Vinicius Dias, pesquisador de economia do meio ambiente do Núcleo de Inovação Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade Federal Fluminense (NIMAS/UFF). “Para a população em geral, com uma economia que está fortemente ligada à queima de recursos fósseis, caso os governos locais não preparem um plano de transição, serão observados níveis maiores de desemprego e dificuldade de realocação da força de trabalho em outras atividades quando as atividades ligadas às indústrias intensas em emissões perderem de fato tração, além de perda de recursos para o próprio governo que receberá menos impostos e também investimentos”, cita o pesquisador.

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Pesquisas apontam que o ESG pode, na verdade, ser benéfico também para a rentabilidade para as companhias. Estudo feito pelos pesquisadores alemães Laura Mervelskemper e Daniel Streit, da Universidade de Ruhr-Bochum, apontaram que a lucratividade das companhias cresce ao publicar relatórios ESG. Já Bahaaeddin-Alareeni e Allam Hamdan, professores da Universidade Técnica do Oriente Médio, analisaram o impacto das questões ESG nas principais empresas dos Estados Unidos, listadas no índice S&P 500, e encontraram resultados positivos operacionais, financeiros e de performance no mercado quando as práticas eram adotadas.

“São temas que fazem parte de uma agenda saudável de negócio e de vida em sociedade que não podem mais ser ignoradas ou deixadas em segundo plano. Os custos de se ignorar essas questões se tornarão cada vez maiores e em algum tempo nos perguntaremos como foi possível não termos pensado nisso, e agido, antes”, avalia Marcos Olmos, sócio e diretor de Venture Capital na VOX Capital, gestora focada em investimentos de impacto.

Divisões internas

As economias estaduais também acabariam afetadas por estarem remando na contramão do direcionamento federal, já que a gestão de Joe Biden apoia agendas ESG, e de outros estados importantes, como Nova York e Califórnia. “Os governadores apostam que podem resistir e conseguir dobrar um movimento que tem avançado no mundo todo. Para mim, parece fazer pouco sentido e é uma aposta bastante arriscada”, analisa Pimentel.

As decisões podem prejudicar a economia americana como um todo, pensando nas próximas gerações e na concorrência que o país deve sofrer de outras nações. “Esses políticos podem empurrar o país na contramão do mundo, considerando o fato que os EUA, apesar de ainda serem a maior e mais dinâmica economia do mundo, vem perdendo espaço para outras potências que ascenderam nas últimas décadas”, prevê Dias.

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Outro ponto é que se deixaria de considerar os anseios das novas gerações, que já crescem levando em conta as preocupações ambientais como relevantes para seu futuro- e que, ao final, serão as principais afetadas. “As gerações pós-millenials estão cada vez mais engajadas nos temas afetos à sustentabilidade, e por mais que ainda não sejam representativas economicamente, serão por mudanças nos padrões de consumo”, completa o pesquisador da UFF.

Além do peso que os fundos de investimento estaduais têm para o mercado de capitais nos Estados Unidos, também é importante lembrar que os governadores têm o poder de definir políticas públicas, e não levar as questões a sério pode prejudicar para que a pauta seja adotada pelas companhias privadas que desejarem. “A agenda ESG passa por um envolvimento significativo do governo, não só nas decisões de alocação, mas também na agenda de regulação e mensuração, algo que em muitas jurisdições está em estágios bem iniciais de discussão e desenvolvimento”, comenta Olmos.

Apesar da reação, nada indica que a pauta ESG esteja caindo. Em 2021, o total de dinheiro investido relacionado à pauta chegou a US$ 35 trilhões, cerca de um terço de todos os ativos gerenciados no mundo. Uma pesquisa do instituto Gallup nos Estados Unidos indicou que, apesar de poucas pessoas conhecerem a sigla, as ações ligadas às causas ambientais, sociais e de governança são aprovadas pelo público, com o máximo de 84% afirmando que consideram importante que a empresa leve em conta o bem-estar dos funcionários e o mínimo de 68% aprovando os esforços para tornar mais diversa a base de consumidores e a força de trabalho, entre outras medidas. A situação é parecida com a vista no Brasil, de acordo com uma pesquisa do Google. A conscientização sobre as questões ESG no mundo financeiro e na população segue em crescimento.