O impacto ambiental de grandes eventos é algo difícil de ser calculado: envolve desde a definição do local e deslocamento de participantes e do público até a montagem de palcos e outras estruturas necessárias. Pela mesma razão, um grande número de ações é possível para mitigar os efeitos e adotada pelas organizações e patrocinadores para levar a pauta ESG (ambiental, social e de governança corporativa) a eventos como Carnaval, Réveillon, Lollapalooza e a corrida de São Silvestre.
Entre as ações, algumas envolvem a compra de créditos de sustentabilidade, ou seja, a garantia de que uma área natural será preservada. Outras são feitas focando na reciclagem de itens consumidos e nos catadores que os recolhem. Por fim, ainda existem as que buscam levar a educação ambiental para o público presente.
Leia mais sobre governança corporativa e ESG
Os créditos de sustentabilidade funcionam a partir de um cálculo feito por critérios científicos - normalmente, uma tonelada de C02 estocada, além do monitoramento de outros critérios que envolvem questões relativas a recursos hídricos, fauna e flora, por exemplo. Com uma estimativa de quantas pessoas participaram ou devem participar, afere-se uma pegada ecológica do evento e quantas UCS são necessárias para mitigar completamente o impacto.
“A compra de UCS garante a renovação dos recursos naturais que foram impactados”, explica Maria Tereza Umbelino, CEO do BMV Global, que conta com uma plataforma para facilitar o contato entre quem disponibiliza os UCSs (produtores rurais que preservam) e quem está interessado em comprá-los. “Quem compra pode dizer que beneficiou tantas famílias, estocou tanto de carbono, gera todos esses indicadores”, completa Umbelino.
Em eventos, os principais que já buscaram a compra de UCS foram os Réveillons das prefeituras do Rio de Janeiro e de Manaus, que buscaram a equivalência, ou seja, a mesma quantidade que teriam impactado. Também existe a possibilidade de comprar além do previsto, por vontade de realizar uma ação ambientalmente correta. As UCSs funcionam na lógica de safra, de forma que um pode ser vendido apenas uma vez por ano.
A compra das UCS é assegurada em uma blockchain, da BMV, e os títulos são registrados pela B3. “Para dar rastreabilidade, tem que ser de ponta a ponta”, destaca Umbelino. A plataforma é projetada para que haja uma “rotação” entre os créditos vendidos. Por exemplo, se uma empresa quiser comprar 200 créditos, e houver 200 vendedores cadastrados, ela comprará um UCS de cada. No entanto, como a CEO da BMV destaca, a compra de UCSs “não exime da obrigação com os resíduos, de tirar a sujeira física”.
Reciclagem
Os resíduos devem ser recolhidos, mas ainda podem ter muito valor financeiro caso possa ser reciclados. Um exemplo vem da São Silvestre: o movimento Plástico Transforma, realizado pelo Plano de incentivo à cadeia do plástico (PICplast), usa a corrida de rua mais tradicional do Brasil para coletar copos que se tornam materiais para escolas. “A São Silvestre é uma forma bem didática, uma forma bastante interessante de mostrar para a sociedade que quando o resíduo é descartado corretamente, pode voltar e beneficiar a sociedade”, comenta Simone Carvalho, membro do comitê gestor do Picplast, que é uma iniciativa da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) e da Braskem.
A escolha da prova é fundamentada por ser um evento com milhares de pessoas, que atrai atenção dos meios de comunicação e permite um contato próximo com os corredores. O São Silvestre Expo, evento no qual os corredores retiram os kits para a prova, é utilizado com uma chance para mostrar o trabalho e procurar indicar a importância do descarte correto - ainda que, durante a prova, não haja tempo para o corredor conseguir depositar diretamente no lixo (os copos são recolhidos posteriormente).
Após a coleta, os copos são limpos, levados para transformadoras e recicladoras, que então os transformam em materiais escolares. “Sempre pensamos em fazer doações para escolas, porque ali tem um público que pode levar informação para casa”, diz Carvalho.
Nos dois anos em que a ação foi realizada, um gerou lixeiras, outro originou caixas organizadoras e, para a edição de 2023, a previsão é que os copos se transformem em mobiliário para as instituições de ensino. “Acreditamos no poder de transformação do plástico e como ele pode impactar quando é descartado corretamente, inclusive gerando renda para catadores, cooperativas, recicladoras”, reforça Mariana Fernandes Cardoso, também da Picplast. Todos na cadeia da reciclagem são remunerados.
Shows
Outra oportunidade para os materiais recicláveis ocorre em grandes eventos e shows, como Lollapalooza e Rock in Rio. Uma ação da Braskem nos festivais busca incentivar a troca de resíduos plásticos nos festivais por pontos, que podem virar brindes para os participantes. No Lollapalooza recente, realizado nos dias 24, 25 e 26 de março em São Paulo, a petroquímica esteve presente com um estande e três pontos de coleta.
No estande, a ideia foi demonstrar o processo de reciclagem do plástico, em três etapas: moagem, lavagem e secagem. O local também foi construído para ser “instagramável”, com muitas cores. “Procuramos estar presentes nos momentos de lazer das pessoas, para que elas aprendam a consciência ambiental sem pressão”, comentou Ana Laura Sivieri, diretora de Marketing e Comunicação da Braskem.
De acordo com Sivieri, a empresa pensa em realizar mais ações, como limpeza de praias, e todas as subsedes espalhadas pelo Brasil contam com pontos de coleta. Além de incentivar a pauta ESG, a Braskem também é beneficiada por utilizar o plástico reciclado como matéria-prima de alguns de seus produtos. “Assim, garantimos a qualidade do fornecimento”, afirma Sivieri. No Lollapalooza, a ação esteve presente pelo segundo ano consecutivo e registrou aumento na quantidade coletada, de 130 mil itens em 2022 para 352 mil em 2023.
Social
Se o plástico era foco em alguns eventos, outros materiais também podem ser reaproveitados, como o vidro e o alumínio. Este último, principalmente, já conta com bastante atenção devido aos valores pagos aos catadores, que se tornaram foco de uma ação do instituto do Grupo HEINEKEN durante o Carnaval de São Paulo, em parceria com as ONGs Cataki e Pimp My Carroça.
Segundo a Heineken, o objetivo foi de ter uma perspectiva mais humana nesse trabalho. “Os catadores não são um público novo para nós, ajudamos mais de 200 cooperativas, mas não tinha o olhar para o indivíduo”, conta Ornella Guzzo Villardo, diretora de sustentabilidade da Heineken Brasil. “Tentamos trabalhar a circularidade de embalagens mais do que numa perspectiva ambiental”.
O projeto remunerava os catadores com uma diária fixa de R$ 160, além da renda obtida com os materiais coletados. Também eram fornecidos aos 150 trabalhadores EPIs, alimentação, e locais próximos aos blocos para poderem almoçar e ir ao banheiro. “Fornecemos uma capacitação e demos um suporte com água, comida, luva, pegadores para que eles não tivessem que agachar toda hora”, relata Villardo.
Também foi dada uma camisa, o que ajudou na identificação e facilitou o trabalho dos catadores, já que as pessoas iam até eles para descartar materiais. A CataFolia esteve em 4 blocos do carnaval de rua de São Paulo, patrocinados pela Amstel, que é do Grupo Heineken. No total, 2,6 toneladas de material reciclável foram coletadas, entre latinhas, garrafas pet e de vidro, capas de chuva, copos plásticos e outros materiais.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.