Os avanços tecnológicos — incluindo a inteligência artificial (IA) —, a sustentabilidade alinhada à 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30) e a busca por diversidade na composição dos conselhos estão entre as principais pautas recomendadas para a agenda da governança corporativa no Brasil, na avaliação de investidores e conselheiros do País.
Somados a elas, quatro outros temas são apontados como urgentes: o reaquecimento do mercado de capitais, o planejamento das empresas para sucessão e remuneração de lideranças, a dinâmica de atuação de acionistas nos conselhos e os padrões gerais de governança.
Esses pontos estão no mais recente estudo Tendências Globais em Governança Corporativa para 2024, produzido anualmente pela consultoria Russell Reynolds Associates. A pesquisa global reúne os principais desafios e tendências identificadas por lideranças da área para os integrantes de conselhos brasileiros e de outros países. Além do Brasil, foram ouvidos representantes de EUA, Canadá, México, Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Países Nórdicos, Índia, Emirados Árabes, Austrália, Cingapura e Malásia.
Em relação aos países de referência, o estudo apontou um atraso do Brasil no apetite por um melhor posicionamento em boas práticas de governança. Um desses pontos se refere à urgência pela promoção da diversidade de gênero nos conselhos. O tópico foi uma recomendação geral para todas as localidades pesquisadas, mas ganhou mais peso para o País, que está em situação de desvantagem.
Segundo o mapeamento, em 2023, países como França e Reino Unido chegaram a mais de 40% de seus assentos de conselho ocupados por mulheres. Na outra ponta, lideranças femininas na Cingapura e na Malásia alcançaram 25% desses postos e passaram à frente do Brasil, que registrou apenas 18% de mulheres nas cadeiras dos conselhos de administração de grandes empresas.
“Estamos muito atrasados na área de diversidade”, avalia o sócio-diretor da Russell Reynolds Associates, Jacques Sarfatti, que conduziu a pesquisa no Brasil. “Por exemplo, nos EUA, já se discute a diversidade étnica. Eles já passaram pela diversidade de gênero, pela diversidade racial, e estão em um terceiro ciclo. O Brasil ainda está no primeiro, que é o de diversidade de gênero.”
A mudança do cenário pode depender de fatores externos, complementa o analista. “(A diversidade de gênero nos conselhos do Brasil) não acontece por causa do conservadorismo, e a perspectiva de mudança será proporcional à pressão que os investidores fizerem para que isso seja revertido.”
Corrida pela IA
Outro ponto de discrepância no posicionamento do Brasil se dá em relação aos diferentes desafios tecnológicos. A IA, a computação quântica e outras tecnologias avançadas estariam na mira de líderes empresariais e stakeholders (partes interessadas) mais fortemente em outras partes do mundo do que no País — principalmente em 2023, com a popularização do ChatGPT, da OpenAI.
Conforme o estudo, mais de 30% das empresas do índice S&P 500 e cerca de 17% das companhias do índice Russell 3000, ambos dos EUA, já pautaram a IA em seus proxy statements (documentos dirigidos a acionistas antes de uma reunião) em 2023.
Na União Europeia, a discussão avançou com a Lei de Serviços Digitais, sancionada em fevereiro deste ano. A expectativa é que a regulamentação afete o modo como as empresas europeias vão conduzir seus negócios com dados obtidos por dispositivos inteligentes e que tipo de serviços elas poderão oferecer legalmente no futuro.
Enquanto isso, a pesquisa avalia que, no Brasil, os avanços com big data, IA e learning machine (aprendizado de máquina, em português) ainda aparecem como promessa para remodelar vários setores empresariais. De forma mais urgente, as companhias brasileiras precisam lidar antes com as dificuldades de encontrar procedimentos robustos de segurança cibernética para frustrar possíveis ataques digitais e proteger sistemas contra vazamentos de dados.
“O que preocupa os investidores em termos de digitalização da tecnologia é que eles gostariam de ver os conselhos (brasileiros) com uma visão mais inovadora. O mundo se transforma muito rapidamente, e eles não querem ver as nossas empresas ficando para trás ou sendo followers (seguidoras). Eles querem ver o Brasil na vanguarda”, diz Sarfatti.
IPOs e COP-30
Apesar dos pontos de maior atenção pelas questões negativas, há destaques específicos para o Brasil com base em oportunidades da agenda econômica e política doméstica. Tratam-se das recomendações relacionadas às estratégias de negócios e às práticas de sustentabilidade, que podem fortalecer o papel dos agentes da governança no País.
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Quanto aos negócios, os entrevistados pela Russell Reynolds Associates identificaram grande potencial no reaquecimento do mercado de capitais no Brasil em 2024. Após dois anos de hiato, há uma expectativa por novos IPOs (sigla em inglês para oferta pública inicial de ações) e follow-ons (ofertas de ações de empresas já listadas na bolsa) no País. Vale lembrar que, no final de 2023, o Bank of America chegou a estimar uma movimentação do mercado de capitais brasileiro de até R$ 120 bilhões em um período de um ano e meio.
Em sua recomendação, os entrevistados pela consultoria aconselham aproveitar a potencial janela de oportunidades em fusões e aquisições com máximo gerenciamento de riscos. Isso envolve a atenção meticulosa de conselheiros para questões fiscais e contábeis das empresas envolvidas, a supervisão rigorosa de possíveis transações e o desenvolvimento de competências técnicas internas para avaliações financeiras das companhias.
Já em relação à sustentabilidade, o estudo observou a influência da realização da COP-30 no Brasil, em 2025, como uma aliada para o direcionamento da governança às temáticas ambientais e sociais. Junto a isso, a pressão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com a Resolução n.º 193/2023 para a adesão das companhias aos padrões ISSB IFRS S1 e S2 em relatórios de sustentabilidade pode fazer de 2024 um ano fundamental para o teste de regulações antes da implementação obrigatória.
O tema já esteve no radar dos investidores no ano passado, mas ganhou força em 2024. “Eles querem ver iniciativas sustentáveis com alinhamento aos padrões internacionais. Inclusive, o Brasil está sendo pioneiro nos padrões que a CVM está colocando para as empresas publicarem, que não são só aspectos financeiros, mas também sustentáveis. Havia o tema da sustentabilidade no ano passado, mas agora há uma barra mais alta”, explica Sarfatti.
Padrões de governança
O estudo ainda aponta caminhos para os conselhos brasileiros elevarem os padrões de governança corporativa em termos de organização, para manter o equilíbrio frente a outros mercados.
Dentre as recomendações estão as de fortalecer mecanismos de transparência para a remuneração de conselheiros e executivos; manter um plano estruturado para sucessão de lideranças com vistas a diminuir riscos de disfunção na empresa com a saída de C-levels; criar avaliações externas para identificar oportunidade de melhorias nos conselhos; elevar a dinâmica de atuação dos acionistas que têm assentos nos conselhos, de modo que sua função seja a de representar, de fato, os interesses estratégicos da empresa.
“A governança brasileira está em uma evolução, só que essa evolução precisa acelerar”, diz Sarfatti. “Outros países, além de estarem em outro patamar, já estão indo para o próximo com uma velocidade maior. Acredito que nós ainda não acordamos (para o fato de) que precisamos ser mais rápidos e mais ágeis na implementação das melhores práticas de governança aqui no País.”
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