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Indústria impulsiona ESG entre fornecedores de olho em crédito verde e sob risco de sanções

Companhias como Gerdau, Klabin, Vale e Suzano têm apostado na criação de cursos e treinamentos para inserir seus fornecedores na temática; Europa discute exigência para exportadores

Foto do author Beatriz  Capirazi

Após uma corrida para implementar a agenda ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) em suas atividades, grandes indústrias como Vale, Klabin, Gerdau e Suzano têm se movimentado para expandir as boas práticas ambientais e sociais também para os seus fornecedores.

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A medida tem sido uma resposta às cobranças de ambientalistas e especialistas para que as companhias comecem a mensurar as suas emissões de gases do efeito estufa (GEE) no escopo 3 (emissões de fontes que não são controladas diretamente por uma organização, como os clientes e as cadeias de suprimentos, transporte e uso ou descarte de produtos).

Além de possibilitar informações mais precisas sobre as emissões, a estratégia também pode dar acesso a melhores taxas de juros e mais prazo em linhas de crédito verde às companhias, segundo especialistas. Grandes bancos como o BNDES, Banco do Brasil e Bradesco, por exemplo, já contam com linhas de crédito específicas para programas de sustentabilidade ambiental.

Companhias como Gerdau, Klabin, Vale e Suzano tem apostado na criação de cursos e treinamentos para inserir seus fornecedores na temática, trabalhando o seu escopo 3  Foto: Taba Benedicto/Estadão

A coordenadora e professora da área de sustentabilidade na FIA Business School, Monica Kruglianskas, aponta que o engajamento de indústrias na área se dá em consequência das movimentações de regulação vistas na Europa. Como exportadoras, essas companhias são diretamente impactadas por eventuais normas e sanções impostas por outros países.

Reguladores da União Europeia sinalizaram que a obrigatoriedade das divulgações do escopo 3 pode se tornar uma realidade para as companhias nos próximos anos. “As empresas vão ter que entender melhor como funciona a sua cadeia produtiva e todos os seus fornecedores”, afirma.

Segundo ela, a regulamentação ajudará a subir a régua para todo mundo. “Essa mudança acontecerá ou por uma questão de competitividade ou para evitar multas. Nossa expectativa é que as mudanças tenham um efeito dominó, especialmente para aquelas que vão exportar para a Europa.”

Para ela, as empresas perceberão que, com o tempo, só têm a ganhar com essas mudanças. “Elas têm o intuito de prevenir uma piora do sistema: crises de reputação e financeiras. Uma relação engajada com o fornecedor é muito importante. Questões socioambientais só agregam.”

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Coordenadora e professora da área de sustentabilidade na FIA Business School, Monica Kruglianskas Foto: Divulgação/ FIA

Na Ásia, o Japão tem seguido um caminho similar. Nos Estados Unidos, a Comissão de Valores Mobiliários também já discutiu se os grandes emissores deveriam ser obrigados a divulgar suas emissões de escopo 3, demonstrando ser um movimento global.

Indústrias tomam a frente de iniciativas

Dentre as companhias que tem trabalhado o escopo 3 com os seus fornecedores, a Gerdau, por exemplo, tem discutido a pauta de diversidade e inclusão com os seus fornecedores através do programa Inspire. Em 2022, a companhia estabeleceu novas cláusulas ESG para contratações realizadas pelo time de suprimentos no Brasil.

A ação incentiva que fornecedores parceiros incluam a pauta como parte da agenda fundamental, comuniquem de forma transparente as suas metas, criem um programa e/ou uma política de diversidade que norteie suas atividades e se engajem para combater manifestações de preconceito, como garantir que não haja diferença salarial, além de atuar na contratação e retenção de negros, mulheres, pessoas com deficiência e LGBTI+.

A companhia também conta com o projeto Ecoar, que visa engajar os fornecedores na pauta de diminuição da emissão de carbono. Para iniciar, a companhia selecionou 50 fornecedores para divulgar seus dados de emissões e suas metas de redução. Apenas metade deles possui metas definidas.

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Em 2024, a companhia focará em expandir a iniciativa para fornecedores menos maduros na pauta, incentivando a definição de metas. Segundo a companhia, atualmente todos os pedidos de compra da companhia já contam com essas cláusulas ESG, com mais de 150 contratações formalizadas.

A diretora global de suprimentos da Gerdau, Flávia Souza, explica que para dar início a esse processo a companhia começou pelo mapeamento das iniciativas realizadas por parceiros. Na época, 230 empresas parceiras responderam ao censo. “A partir disso, começamos a desenvolver workshops e treinamentos. Queremos não só exigir que eles avancem, mas ajudar que eles se desenvolvam nesse sentido”, diz.

Diretora global de suprimentos da Gerdau, Flávia Souza Foto: Divulgação/ Gerdau

Outra companhia que tem influenciado os fornecedores com boas práticas é a Vale. Através do programa Partilhar, lançado em 2020, a companhia incentiva sua cadeia de fornecedores a contribuir para o desenvolvimento sustentável das regiões onde atua.

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Mais de 280 fornecedores aderiram ao programa desde o seu lançamento. Em 2023, foram mais de 970 iniciativas sociais promovidas, o equivalente a um investimento de cerca de R$ 28,5 milhões. Segundo a companhia, as iniciativas sociais a serem realizadas foram acordadas ainda durante os processos de contratação.

Segundo a companhia, houve grande aderência dos fornecedores nos programas. Cerca de 98% das empresas convidadas para participar do programa que mede emissões de carbono aceitaram participar, por exemplo. “Se teve alguma resistência, passou despercebido. Você vê o impacto, os fornecedores passando a fazer também nos fornecedores deles”, explica o diretor de suprimentos da Vale, Marco Braga.

Marco Braga, diretor de Suprimentos da Vale Foto: Divulgação/ Vale

Na Klabin, o cenário é similar, com o uso de cursos e treinamentos para ajudar a desenvolver os fornecedores na agenda. O diretor de tecnologia industrial, inovação, sustentabilidade e projetos da companhia, Francisco Razzolini, explica que a motivação central da companhia foi justamente a ascensão da agenda ESG.

“Quando o ESG virou moda, nos ajudou a tomar posicionamentos mais relevantes em toda a cadeia e no nosso planejamento de metas, incluindo o mapeamento dos fornecedores”, explica Razzolini. Após fazer um levantamento sobre todos os fornecedores, a companhia mapeou os mais críticos em 2019 ― seja pela relevância para a produção da matéria-prima da companhia ou pela alta quantidade de emissões.

No mesmo ano, a companhia começou a desenvolver os fornecedores. “Dessa forma, conseguimos trazer uma cadeia cada vez mais sustentável, reduzindo o risco da Klabin. A ideia é ter fornecedores atentos às boas práticas, dando oportunidade que aquele que não tem evolua, conheça o seu inventário, identifique oportunidades”, afirma Razzolini, destacando que o treinamento difunde as práticas ESG já adotadas pela empresa.

Através da plataforma EcoVadis, a companhia realiza um acompanhamento que aponta as lacunas dos fornecedores e define um plano de ação para cada um. Ao todo, a empresa conta com 7 mil fornecedores. Até agora a Klabin já mapeou 473 fornecedores como críticos. Destes, 393 já mapearam as suas emissões de carbono, considerado um dos pontos mais relevantes para a pauta do escopo 3.

Diretor de Tecnologia Industrial, Inovação, Sustentabilidade e Projetos na Klabin, Francisco Razzolini. Foto: Anderson Rodrigues/ Klabin

Segundo Razzolini, no momento não há a intenção de trazer essas pautas, como a do carbono, como uma obrigatoriedade contratual. “Mas isso já faz parte da nossa avaliação desses fornecedores. O interesse é saber como as companhias estão se movimentando, fazer essa mensuração.”

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Premiações ESG

Outra tendência que tem surgido é a criação de premiações ESG por grandes empresas, visando incentivar as ações socioambientais realizadas por fornecedores parceiros. É o caso da Suzano, que promoveu em 2023 a primeira edição do Valoriza após começar a mapear as boas práticas de seus fornecedores em 2022.

A companhia avaliou empresas com participação relevante na cadeia de suprimentos, que trabalham no fornecimento de insumos, prestação de serviços industriais, administrativos e logísticos, considerando critérios ESG. Ao todo, 15 fornecedores foram reconhecidos. Foram premiados também três fornecedores pela gestão ESG e cinco parceiros com as melhores práticas em clima e segurança hídrica.

A tendência tem ganhado também outros setores. A empresa de tecnologia Siemens, por exemplo, lançou neste ano o programa Trilha Greenlight Siemens. Os fornecedores da companhia contarão com um programa de letramento sobre o ESG de janeiro a outubro deste ano, com a realização de palestras e treinamentos.

A ideia é não só inserir as empresas na discussão sobre a importância do escopo 3, mas em como eles podem descarbonizar suas operações e prepará-los para atender às atuais exigências do mercado. Um sistema de pontuação irá eleger premiados, dentre os 200 que foram convidados a se inscrever no programa.

Impacto do escopo 3

Embora o escopo 3 possa responder por pelo menos 80% da pegada de carbono de uma organização, segundo um levantamento da consultoria Wood Mackenzie ― chegando aos 95% em empresas de petróleo e gás ―, o tema foi historicamente evitado pela maioria das empresas, inclusive pelos gestores de fundos de investimento que se comprometeram a alinhar seus portfólios com empresas “net zero”.

A maioria das empresas afirmava inventariar apenas as emissões do escopo 1 (emissões diretas de uma empresa) e escopo 2 (emissões provenientes do uso de energia pela empresa) ― cenário que até então era considerado suficiente para os relatórios de sustentabilidade.

O cenário tem mudado com o crescente movimento Net Zero (que tem como objetivo zerar as emissões líquidas de todos os gases de efeito estufa, não apenas do CO2) e com inúmeras empresas se comprometendo a reduzir ou zerar suas emissões até 2050, como determina o Acordo de Paris.

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Diversas companhias têm acompanhado de perto os avanços que seus fornecedores de médio e pequeno porte têm feito nessa área. A aposta dos especialistas é que, no futuro, essas gigantes passem a impor cláusulas e outros requisitos obrigatórios aos fornecedores à medida que a agenda avance nas empresas e a legislação ambiental se torne mais rigorosa no Brasil quanto ao relatório e às obrigações ambientais.

Gerente de Consultoria da WayCarbon, Higor Turcheto. Foto: Divulgação/ WayCarbon

“A partir do momento que o mercado passa a cobrar, e métricas que definem a metodologia de contabilização para setores, como a mineração, estão surgindo, tem uma pressão da empresa querer mostrar completude, claro. Mas há uma pressão também de investidores. As empresas filiadas ao Pacto Global precisam ter e demonstrar uma visão completa do seu escopo 3. O que as empresas têm feito é trazer uma varredura”, explica o gerente de Consultoria aqui da WayCarbon, Higor Turcheto.

Ele aponta que essa pauta tem avançado ao ponto de muitas companhias enxergarem que precisam de diferentes abordagens com fornecedores de diferentes tamanhos. “Um fornecedor grande não necessariamente vai precisar de letramento, enquanto um pequeno vai, para ter uma base de coleta de informações e fornecer dados na qualidade que a companhia quer.”

O executivo destaca que diversas companhias têm buscado consultorias visando o longo prazo, um fortalecimento das parcerias e querendo demonstrar que a agenda traz benefícios.

A líder global de mineração e metais da Deloitte, Patricia Muricy, aponta que tem visto uma movimentação do setor de mineração e indústrias para a captação dessas informações. No entanto, ela aponta que, mesmo com o movimento, a grande maioria das companhias não tem metas definidas para o escopo 3.

“O escopo 3 é um volume tão grande, que seria uma loucura colocar uma meta. Não é simples entender quem são os seus fornecedores e os fornecedores dos seus fornecedores. Vir da onde vem exatamente cada insumo é muito difícil”, explica, apontando que justamente por este motivo as informações desta área são voluntárias.

A executiva aponta que o processo de captar as informações é essencial. “Parte dessa cadeia não tem como fornecer as informações necessárias e reportar de uma forma simples. Treiná-los sobre a importância dessa agenda e como reportar é o primeiro passo.”

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A líder da Deloitte Brasil para clima e sustentabilidade, Maria Emília Peres, é de uma opinião similar. Ela aponta que, mesmo que o movimento ainda esteja mais no campo de treinamentos, ele deve crescer consideravelmente com o passar do tempo.

“As empresas estrangeiras vão começar a cobrar dados do escopo 3, então vamos ser impactados financeiramente. Tratar desse assunto agora é, inclusive, evitar um custo futuro que deve entrar nessa equação logo mais”, diz.

Diante desse contexto, Kruglianskas destaca como positivo o fato de as empresas estarem se adiantando e já se movimentando internamente. No entanto, ela alerta que o rastreamento de todo o escopo 3 das companhias é um processo longo e trabalhoso. Além disso, a executiva aponta que, mesmo que a adesão a cursos e outros treinamentos tenha sido grande em um primeiro momento, é necessário acompanhar se as pequenas e médias, de fato, irão implementar e fazer o acompanhamento de métricas ESG e se as mudanças se tornarão uma realidade para além do discurso.

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