O uso da inteligência artificial (IA) para ganho de eficiência tem avançado nas empresas em áreas também fora do campo operacional. No Brasil, 72,3% das lideranças da área de compliance - setor que rege normas e regras corporativas - relatam ter participado de discussões e projetos relacionados a IA em 2024. O número representa um aumento de quase 18 pontos percentuais frente ao ano passado, conforme o mapeamento anual do setor “Compliance On Top”.
O estudo, divulgado nesta quarta-feira, 11, indica ainda que aproximadamente quatro em cada 10 desses profissionais usaram ferramentas da versão generativa da IA (a que envolve criação de novos conteúdos) para o desenvolvimento de suas atividades de compliance.
As cinco principais utilizações da IA generativa por esses líderes foram, respectivamente, para: produção inicial de documentos, monitoramento de terceiros, atendimento do canal de denúncias, análise de contratos e monitoramento de atividade regulatória.
A pesquisa feita pela instituição de ensino LEC - Legal, Ethics, Compliance e pela consultoria Vittore Partners ouviu lideranças de empresas que operam no Brasil e que, em sua maior parte, têm faturamento anual superior a R$ 1 bilhão.
Entre os segmentos de destaque representados no levantamento estão os setores de saúde, instituições financeiras, tecnologia, construção e agronegócio. Segundo a diretora geral da LEC, Daniela Sibille, o fato de haver necessidades mais densas e frequentes desses segmentos em relação às questões regulatórias ajuda a explicar a escalada da IA como suporte demonstrada no estudo.
“São segmentos que estão também mais avançados em termos de usabilidade da IA. Além dos dados evidenciarem isso, nós vemos na prática esses próprios profissionais aprimorarem seus programas”, avalia a gestora.
Segundo a pesquisa, por meio de ferramentas como chatbots (robôs para conversa) e mecanismos semelhantes ao ChatGPT, a IA tem sido aplicada na área tanto para o auxílio tanto em trabalhos “mais pesados”, como due diligence (auditoria), gerenciamentos de riscos e análises de contratos e de grandes volumes de dados financeiros, quanto para criação de programas de treinamento personalizados e interativos para funcionários sobre códigos de conduta.
No entanto, os responsáveis pela pesquisa salientam que a utilização relatada pelos respondentes são de caráter de suporte, sem substituir a atuação humana nas decisões finais do setor.
“Na medida em que as empresas vão treinando e aprimorando essas ferramentas de IA, é possível processar cada vez mais dados, com cada vez mais precisão, como a identificação de padrões de linguagem, por exemplo, que uma busca humana não captaria”, explica o editor do estudo, Auani de Paula. “A partir daí, é possível fazer uma investigação aprofundada, complementando a eficiência do profissional de compliance.”
Uso com cautela
Na avaliação da coordenadora do Centro de Estudos em Ética, Transparência, Integridade e Compliance da FGV (FGVethics), Lígia Maura Costa, a utilização da IA nas atividades de compliance dentro das empresas é importante para otimizar o trabalho, mas precisa ser adotada com cautela para que tenha, de fato, um papel secundário e de suporte, sem se sobrepor à ação humana.
“É muito importante notar que a supervisão humana nos processos automatizados pela IA é necessária. Ela é fundamental para evitar vieses e assegurar decisões eficientes e corretas. IA em compliance precisa ser utilizada com transparência e numa estrutura adequada para mitigar riscos e preservar a integridade dos processos”, diz a especialista.
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Além disso, Costa também orienta que restrições legais precisam ser observadas. “Essa utilização pode trazer benefícios importantes, como a automação de processos e a identificação de irregularidades, que a IA fará numa velocidade muito maior do que o humano. Contudo, o uso deve ser acompanhado de limites claros, definidos em políticas de governança corporativa e em conformidade com leis como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), para garantir a proteção de dados pessoais.”
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