No contexto da agenda ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), o que investidoras negras têm considerado como critério para apoiar financeiramente uma empresa? O tema está nas pautas discutidas pela executiva e investidora de impacto social Luana Ozemela na BlackWin (abreviação para Black Women Investment Network), plataforma que, há dois anos, reúne lideranças femininas negras com poder de decisão em investimentos e que busca avanços em causas lembradas neste 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
As experiências do grupo fundado por ela e pela também executiva Jéssica Silva (integrante do comitê de ESG do Grupo Fleury) têm oferecido percepções sobre o que tem orientado as profissionais negras na escolha de empresas para investir, sobretudo no caso de aportes em startups. O primeiro desses critérios, segundo Ozemela, consiste em priorizar não só as iniciativas que tenham impacto social, mas avaliar também se elas se sustentam e têm potencial de retorno financeiro.
“Falando à luz da experiência da BlackWin, que talvez integre um pouco a experiência de todas essas mulheres, a primeira coisa (a ser considerada) é a validação de um modelo de negócio que é monetizável. Estamos muito mais cirúrgicas hoje, como mulheres negras investidoras, (em considerar) que queremos impacto, mas sem sobrecarregar a narrativa do impacto. A gente precisa ter um equilíbrio nas decisões. Estamos mantendo a empatia, mas vendo quais opções têm maior probabilidade de rentabilidade.”
Outros pontos, como potencial de crescimento da empresa e flexibilidade de seus líderes, também são avaliados. “Estamos nos preocupando cada vez mais como investidoras (com o fato de) que precisamos de pessoas que consigam não só desenvolver produtos muito bons, mas que tenham a mentalidade de CEO e que possam mobilizar profissionais para criar uma empresa de sucesso. Também buscamos fundadores que sejam abertos a feedbacks — mesmo não tendo necessidade de ter um assento no board (conselho) da empresa — para poder direcionar o modelo de negócios quando ele não está dando certo.”
Pouca diversidade
As considerações fazem parte da busca de Ozemela por ajudar a nortear as integrantes da BlackWin nas melhores decisões para aportes e, assim, ampliar a movimentação de investidoras e fundadoras negras na indústria financeira. A iniciativa tem relação com sua própria jornada. Ao longo de duas décadas de uma carreira na área de investimentos de impacto iniciada no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), nos EUA, a executiva passou pelo incômodo de não conseguir encontrar outras mulheres negras no ecossistema do mercado financeiro.
“No BID, eu era a única mulher negra brasileira como economista à frente de projetos de investimento social. Então, a minha carreira começou muito solitária, muito sozinha”, lembra. “O banco servia a uma região, que era a América Latina, onde na época 200 milhões de pessoas eram consideradas negras, e ter só uma mulher negra brasileira envolvida com isso era muito pouco.”
Com o tempo, Ozemela intensificou a atuação em prol de um enfoque racial além do social nos seus trabalhos com investimentos, considerando o potencial de mercado da população negra. “O principal aprendizado dessa época foi: é preciso ter o olhar da mulher negra para conseguir trazer essas pautas. Ter uma pessoa que se identifica e tem um olhar mais aguçado para os desafios da população negra é extremamente importante para ver seu potencial de mercado.”
“Quando você vem dessa comunidade, você senta com o cliente e tem uma sinergia muito maior para identificar potencial. Então, a falta de diversidade na indústria de investimentos é extremamente problemática porque se perde uma oportunidade gigantesca de ganhar dinheiro. Não só de ganhar dinheiro como investidor, mas de ter rentabilidade econômica como investidor de impacto”, complementa a executiva.
Presença no mercado
Atualmente, além da BlackWin, Ozemela concilia a atuação em conselhos com o cargo de vice-presidente de Impacto e Sustentabilidade do iFood e a gestão da consultoria de investimentos de impacto Dima Consult, sediada no Catar. No âmbito dessas atividades, ela tem buscado dar continuidade ao propósito de aumentar a diversidade na indústria financeira, visto que ainda considera pouco expressiva a presença de mulheres negras dentro do ecossistema. A BlackWin, por exemplo, é formada por 37 integrantes.
“Até hoje, existem pouquíssimas mulheres negras que trabalham em empresas de investimento e que fazem parte, por exemplo, do comitê de investimento, que é o órgão mais influente dentro dessa indústria. Ainda existe uma sub-representação tremenda. A gente não consegue fechar uma mão inteira com o número de mulheres negras nesses colegiados.”
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Para Ozemela, a ampliação da presença de mulheres negras investidoras no ecossistema financeiro necessita de “coragem e paciência” do mercado, sem exigir que atuem imediatamente com uma experiência prévia que, de um modo geral, precisa de tempo para ser construída. O potencial dessas profissionais, segundo a executiva, é grande e aparece até mesmo nas tomadas de decisão em apoios de pequeno porte. Em investimentos-anjo, por exemplo, existe uma “massa crítica” de investidoras negras com poder aquisitivo para fazer aportes de até R$ 50 mil em startups, afirma.
“O mercado precisa ter coragem e paciência. Na indústria do investimento, em que a vasta maioria das pessoas que já estão lá teve alguém que teve paciência com elas, trazer uma mulher negra para esse mundo e não ter o mesmo nível de paciência, é estar fadado ao fracasso. Para terem sucesso, precisam ter a coragem de ter uma mulher negra no comitê de investimento e dar essa rede de apoio. Com essas duas coisas, o mercado financeiro pode aproveitar o potencial e o talento das mulheres negras na indústria de investimento.”
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