O Novo Mercado, nome dado a empresas com alto nível de governança corporativa listadas na Bolsa de Valores brasileira, a B3, entrou no radar dos especialistas em investimentos nos últimos anos como consequência da agenda ESG e da pauta de sustentabilidade.
O tema ganhou ainda mais impulso após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar que seria uma de suas prioridades de governo. A fala foi reforçada em maio pelo anúncio de que o Tesouro Nacional emitirá títulos públicos sustentáveis lastreados em ações e projetos associados à temática ambiental e social previstos no orçamento da União.
Além disso, o principal indicador de empresas verdes da B3, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), teve uma valorização de 25% a mais do que o Ibovespa do seu ano de criação, em 2006, a 2021, segundo dados divulgados pela XP Investimentos.
Em termos globais, US$ 35 trilhões (R$ 165,9 trilhões) em ativos estão sob gestão de fundos ESG — 36% do total —, segundo o Global Sustainable Investment Alliance. Nos Estados Unidos, o valor de fundos verdes é de US$ 2,79 trilhões (R$ 13,2 trilhões), um volume equivalente a 7% dos ativos sob gestão no mundo, segundo dados divulgados pelo Morgan Stanley.
ESG realmente impacta os investimentos?
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a agenda ESG está longe de penetrar os investimentos de uma forma significativa, impactando e norteando, de fato, o mercado de capitais. “O ESG ainda é muito incipiente no Brasil. Muito se fala, pouco se faz”, afirma o professor Eduardo Mira, especialista em renda variável do Me Poupe! e analista CNPI-T.
Mira destaca que os avanços são notórios, mas que é preciso lembrar que o foco de toda empresa é o lucro. Seguindo esta ótica, para ele, os avanços rumo a uma agenda sustentável no mercado financeiro serão lentos justamente para evitar que uma mudança estratégica abrupta afete a lucratividade das empresas.
O especialista afirma que o próprio lançamento do título do Tesouro, por exemplo, não tem relação direta com sustentabilidade, e seria mais uma medida estratégica. “Não é apoio ao ESG, é mais aproveitar desse movimento para alongar a dívida”, explica.
A analista de ESG da XP Investimentos, Marcella Ungaretti, afirma que a emissão de títulos verdes já era especulada desde o início do mandato do presidente Lula. “Um próprio arcabouço de normas de emissões sustentáveis já estava em fase de planejamento pelo Tesouro Nacional.”
Para ela, a iniciativa do governo vai de encontro às próprias expectativas do mercado financeiro, que já vê um retorno financeiro acima do esperado nos investimentos ESG. “A emissão de títulos sustentáveis vem crescendo ano a ano no Brasil, embora a agenda ainda esteja no início no País”, afirma Ungaretti.
Como exemplo, ela destaca que o número crescente de signatários locais nos Princípios para o Investimento Responsável (PRI) passou de 42 em 2018 para mais de 125 em 2022.
Ela explica que, embora o número de países que se mostram favoráveis a agenda ESG esteja aumentando, o Brasil representa menos de 1% do total do mundo. Com isso, ela vê muito espaço para crescimento deste mercado no País.
“A gente ainda não está em um nível em que a maior parte dos investidores leva em consideração critérios ou deixaria de fazer um bom investimento financeiro porque eventualmente tem algum ponto que não é ESG”, afirma o CEO e fundador da W Capital, Guilherme Waetge.
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Mira é da mesma opinião em relação à possibilidade de crescimento, mas destaca que o peso que as empresas de commodities têm no principal índice da Bolsa, o Ibovespa, já é exemplo de como o impacto do ESG no mercado de capitais está longe de ser uma realidade.
Para ele, o cenário não deve mudar tão cedo, destacando que as maiores empresas da Bolsa hoje em dia são as mesmas de 20 anos atrás. “Não vejo uma possível realidade do Ibovespa sendo mais influenciado por empresas ESG do que as poluidoras porque o Brasil é essencialmente um exportador de commodities, minerais e agrícolas.”
Já a analista da XP reforça que as mudanças já são factíveis nas grandes empresas, que tentam se adaptar ao surgimento de uma bioeconomia para não perder espaço.
Para Waetge, as gestoras de fundos terão que cada vez mais olhar estas questões ao escolherem os seus investimentos considerando a pressão da sociedade e também porque esta lógica deve ser cada vez mais associada aos riscos que o negócio sofre.
“A gente pode dizer que não seria essencialmente por valores morais ou valores sustentáveis, mas sim também para gerir riscos regulatórios, reputacionais”, explica, destacando que hoje a sustentabilidade já é vista também como um negócio e um diferencial de competitividade.
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